Veto à vacina mostra que Bolsonaro cede aos radicais em tudo que só ferrar os pobres
Na
semana passada, o presidente da República decidiu que o governo
brasileiro não
vai comprar a vacina Coronavac porque ela é
fabricada na China. A vacina que o governo federal prefere, da
Astrazeneca (a “vacina de Oxford”), também tem insumos chineses, mas Bolsonaro
não se importa.
O
que lhe pareceu importante foi atacar o governador
de São Paulo, João Doria, que vai aplicar a vacina “chinesa” em São
Paulo. De fato, nada demonstra melhor que as instituições brasileiras estão
funcionando do que a condução de um debate científico por meio de crise
federativa.
Em
plena pandemia, vetar uma vacina para sabotar
um adversário político é crime que deveria dar uma cadeia boa,
mas, sinceramente, por que Bolsonaro teria medo disso?
O
que aconteceu com ele nos
primeiros 155 mil mortos? Ou dos dois primeiros ministros da Saúde que
ele não deixou que fizessem seu trabalho? Não vejo por que Bolsonaro deveria
respeitar limites que nunca lhe foram apresentados. Mas, além de ser crime,
pode ter sido um erro.
Uma
coisa é explorar a ignorância e a falta de solidariedade social dizendo que as
pessoas não têm uma obrigação: a obrigação de ficar em casa durante a
quarentena, a obrigação de usar máscaras, a obrigação de se informar com
especialistas etc. Outra coisa é dizer que elas não têm um direito, como o
direito de tomar a primeira vacina que for considerada segura e estiver
disponível.
É
fácil imaginar pessoas usando olavismo para justificar preguiça intelectual ou
fraqueza moral. Outra coisa, bem diferente, é imaginá-las se sacrificando pelo
olavismo.
Só
quem seria estúpido o suficiente para fazer isso seriam, é claro, os olavistas
e membros de outros grupos radicais nos extremos do bolsonarismo.
E,
de fato, o
veto à Coronavac agradou essa turma, que gosta de falar mal da China.
Os doidões estavam chateados com Bolsonaro desde que o presidente indicou
para o STF um moderado que sabe ver hora.
A
propósito, cabe esclarecer que olavistas e similares não estão com raiva de
Kassio Nunes por causa de acordão, combate à corrupção, centrão e nada disso.
Os
radicais do bolsonarismo são pró-corrupção e, no fundo, querem uma boquinha.
Não chiaram com Queiroz, com as manobras de Aras, com a demissão de Moro.
O
que eles queriam era um golpista no STF que aceitasse, por exemplo, mentir que
o artigo 142 da Constituição autoriza intervenção militar. Havia candidatos.
Isso Bolsonaro não lhes deu porque precisava de um STF camarada no caso
Queiroz. Como prêmio de consolação, deu-lhes os milhares de mortos e os meses
adicionais de crise econômica que a falta de vacina deve causar.
O
veto à vacina mostrou o quão vacilante é a recente moderação de Bolsonaro. Ele
ainda faz questão de manter sua base extremista satisfeita, mesmo com custo de
popularidade potencialmente alto.
Ele
ainda aceita sabotar a saúde pública para fazer guerra contra governadores.
Aceita o risco, cada vez maior, de tornar o Brasil um pária internacional. Os
radicais ainda estão todos lá. A Abin investiga “maus brasileiros” que
denunciam o desmatamento e protege “bons brasileiros” como Flávio Bolsonaro.
O
veto à vacina mostrou que Bolsonaro continua cedendo aos radicais em tudo que
só ferrar pobre.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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