segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Chilenos votam por mudança da Constituição da era da ditadura

Com mais de 82% dos votos contados, 78% dos chilenos votaram para redigir uma nova Constituição, contra 22% que desejam manter a mesma carta

Por Dow Jones Newswires / Valor Econômico

SANTIAGO - Os chilenos votaram esmagadoramente para mudar sua Constituição da era da ditadura em um referendo neste domingo, iniciando um processo que pode mudar o cenário político em uma das nações mais ricas da América Latina em meio a uma reação social contra o status quo.

Com mais de 82% dos votos contados, 78% dos chilenos votaram para redigir uma nova Constituição, contra 22% que desejam manter a mesma carta, de acordo com a agência eleitoral nacional.

Na capital do país, Santiago, milhares de pessoas cantaram e agitaram bandeiras em uma praça emblemática para comemorar os resultados.

O Chile, um país de 18 milhões de habitantes, deve agora iniciar um processo de dois anos para redigir uma nova Constituição, um período que analistas políticos e economistas esperam que seja repleto de incertezas. Os eleitores devem eleger em abril uma assembleia de 155 membros para redigir a nova Carta, que precisará ser aprovada em um plebiscito em 2022. Metade dos delegados recém-eleitos serão mulheres. A redação da Constituição coincidirá com a eleição presidencial do próximo ano.

A nova Constituição substituirá a Carta de 1980, que foi elaborada durante a ditadura militar do general Augusto Pinochet. Ele assumiu o poder com um golpe que derrubou o então presidente Salvador Allende, um marxista cuja eleição de 1970 e as subsequentes nacionalizações de indústrias importantes transformaram o Chile em um campo de batalha da Guerra Fria.

Os chilenos há muito estão polarizados quanto à Constituição atual. Enquanto outras nações latino-americanas foram atormentadas por turbulências financeiras nos últimos anos, muitos chilenos atribuem a sua Carta anos de estabilidade e crescimento robusto, fornecendo fortes proteções para a propriedade privada e consagrando a autonomia do banco central.

Mas os críticos dizem que ela é ilegítima devido a sua origem em uma ditadura brutal que torturou e matou milhares de ativistas de esquerda. Eles dizem que tem sido uma camisa-de-força nas reformas sociais, ao impedir mudanças no modelo econômico do país favorável ao mercado, que gerou grandes protestos no ano passado.

“A Constituição prejudicou o sistema político”, disse Claudia Heiss, cientista política da Universidade do Chile. "Isso criou um sistema político muito rígido e desencantou as pessoas sobre a capacidade de mudança política."

Ela disse que uma nova Constituição provavelmente expandirá os direitos sociais, ao mesmo tempo que dará aos futuros governos mais espaço para implementar políticas sem se preocupar com a possibilidade de o Tribunal Constitucional, a corte máxima do país, considerá-las inconstitucionais.

A ira com o status quo do Chile explodiu em outubro passado, quando um protesto de estudantes do ensino médio contra um aumento de 3 centavos nas passagens do metrô se expandiu para incluir centenas de milhares de pessoas em manifestações por todo o país. Suas reivindicações incluíam a abolição do sistema de fundos de pensão privados, que também foi implementado durante o regime de Pinochet, para aumentar os investimentos do Estado em educação e fortalecer os direitos indígenas.

O presidente Sebastián Piñera, um bilionário conservador, há muito tempo se opõe à redação de uma nova Constituição, mas concordou em realizar um referendo no ano passado em uma tentativa de restaurar a estabilidade. Embora as manifestações tenham sido em sua maioria pacíficas, alguns manifestantes incendiaram estações de metrô, saquearam supermercados e destruíram hotéis e restaurantes, causando bilhões de dólares em danos. Mais de 30 pessoas foram mortas nesses protestos.

A coalizão de centro-direita de Piñera está dividida por causa de seu apoio a uma nova Constituição. Joaquín Lavín, um prefeito de direita de um importante distrito de Santiago, considerado um dos principais candidatos à presidência em 2021, votou a favor de uma nova Constituição.

No domingo, Piñera disse esperar que o referendo unisse os chilenos em um momento crucial em meio à turbulência econômica e à crise de saúde causada pela pandemia do coronavírus. A economia do Chile deve contrair 6% este ano, de acordo com o Fundo Monetário Internacional.

"Derrotar o coronavírus exigirá esforços gigantescos", disse Piñera a repórteres. "Temos que criar empregos, reativar a economia, colocar o país nos trilhos novamente."

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Os críticos do referendo temem que os resultados de domingo agravem os problemas do Chile. Eles observam que a Constituição foi emendada mais de 50 vezes, com a maioria das medidas antidemocráticas promulgadas durante a era Pinochet removidas.

"A Constituição não é perfeita, mas nenhuma é", disse Patricio Navia, cientista político chileno da Universidade de Nova York que se opõe à mudança da carta. "Esta aqui tem uma clara ilegitimidade de origem, mas tem funcionado muito bem e os resultados estão aí."

Navia disse que uma nova Constituição cheia de direitos sociais sobrecarregará futuros governos com grandes encargos financeiros, como aconteceu em outras nações latino-americanas. "A pressão fiscal após a promulgação da nova Constituição será excessivamente alta", disse ele.

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