EDITORIAIS
Dinheiro público, orçamento privado
O Estado de S. Paulo
Contribuinte fornece o dinheiro, mas o
orçamento atende objetivos privados.
Feito com dinheiro público, o Orçamento da
União, apropriado para atender aos interesses do presidente e de seus aliados,
é cada vez menos público na sua elaboração e no seu uso. Conhecido como
“orçamento secreto”, o conjunto das emendas de relator consagra o manejo das
finanças federais como um exercício privado. Tudo se passa como se alguns
privilegiados tivessem o direito de usar essas verbas sem dar explicações aos
demais cidadãos. Ao liberar o pagamento dessas emendas, depois de mantê-las
suspensas por alguns dias, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal
(STF), deu mais uma vitória aos defensores das práticas fiscais
antirrepublicanas.
Dois argumentos, ambos duvidosos, foram usados para justificar a liberação. O Congresso estaria empenhado em esclarecer as práticas orçamentárias e, além disso, seria preciso evitar a interrupção de obras e de serviços. Não seria necessário, no entanto, continuar esperando os tais esclarecimentos. Quem aprovou o uso das verbas deve ter anotado a destinação do dinheiro e os nomes dos políticos envolvidos. A inexistência desse tipo de registro só seria explicável por uma extraordinária mistura de incompetência, irresponsabilidade e ingenuidade política. Quanto ao segundo ponto: como falar de obras e serviços, quando se desconhece a destinação do dinheiro? Se os pagamentos foram inicialmente suspensos por falta desse tipo de informação, nada justifica o recuo da ministra.
A apropriação ostensiva do Orçamento de
2021 repete-se no projeto orçamentário de 2022, ainda em tramitação no
Congresso. Pelo parecer do relator, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), as emendas
poderão chegar a R$ 16,2 bilhões, mas haverá espaço para aumento, se for
aprovada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, também
conhecida como PEC do Calote. Não há, até agora, razão para esperar maior
transparência nas emendas de relator. Os brasileiros provavelmente continuarão
assistindo, a distância, ao manejo de um orçamento secreto, adaptado, é claro,
às necessidades de um ano eleitoral.
Como ficará o Orçamento da União ninguém
sabe, ainda, mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, já se esforça para
aumentar o espaço das despesas. Aprovada a PEC dos Precatórios e recalculado o
teto de gastos, ainda faltará espaço para acomodar R$ 2,6 bilhões. Para atender
às cobranças do presidente Jair Bolsonaro, será preciso garantir a presença, no
Orçamento, de verbas para o Auxílio Brasil, versão revista do programa Bolsa
Família, com custo adicional previsto de R$ 54,6 bilhões. Essa ajuda deve ser
parte importante da campanha de reeleição do presidente.
Prorrogar a desoneração da folha de
pagamentos de 17 setores, já aprovada na Câmara, custará R$ 5,3 bilhões e
também será necessário encontrar recursos para isso. Importante para a
preservação de empregos, essa medida pelo menos impedirá, ou limitará, o
aumento da desocupação num período politicamente complicado.
Será indispensável, enfim, preservar
condições para atender às cobranças do Centrão. Isso inclui o dinheiro
destinado a emendas. Qualquer corte para garantir despesas obrigatórias ou
politicamente importantes terá de passar longe, portanto, das emendas do orçamento
secreto. Além disso, o Ministério da Economia terá de garantir recursos para
cobrir o aumento dos gastos sujeitos à indexação, como os benefícios
previdenciários. Preservar as contas públicas, uma obrigação sempre
desafiadora, torna-se bem mais difícil quando a equipe econômica tem de lidar
com um orçamento apropriado pelo presidente e por seus aliados, em vez de
cuidar de um orçamento realmente público.
Se as projeções do mercado estiverem
corretas, o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá cerca de 0,5% no próximo ano.
Isso garantirá algum aumento da arrecadação, mas, ainda assim, 2022 será um ano
complicado, na área fiscal. A dívida pública, já muito alta para um país
emergente, ficará mais cara, por causa dos juros altos, e tenderá a crescer, ficando
como um legado muito incômodo para o próximo mandato presidencial.
Bolsonaro atropela a Petrobras
O Estado de S. Paulo
Obsessão de Bolsonaro por tentar controlar o preço dos combustíveis prejudica a empresa e o País e rende mais um processo na CVM
A pérfida combinação de uma empresa sob
controle estatal, mas com ações negociadas em bolsa, com um controlador (o
governo federal) dirigido por um descontrolado (o presidente da República) está
produzindo resultados que talvez não surpreendam, mas prejudicam quase todos. A
insistência com que o presidente Jair Bolsonaro tenta impor à Petrobras uma
política de controle de preços dificulta a operação da empresa, que ainda busca
o equilíbrio econômico-financeiro depois de anos de exploração pelo populismo lulopetista.
O ambiente econômico, deteriorado pelo desemprego, pela inflação e pela
fraqueza da recuperação pós-pandemia, fica mais turvo com iniciativas do
governo para quebrar regras de funcionamento dos mercados. E o preço do
combustível continua a depender não do voluntarismo do presidente, mas das
circunstâncias de um mercado que, felizmente, Bolsonaro não controla.
Se alguém pensa em ganhar é o próprio
Bolsonaro, pois sua insistência em controlar preços e mostrar-se senhor da
evolução da economia pode lhe render alguma vantagem na luta para conter o
processo de corrosão de seu prestígio popular que já coloca em sério risco seu
projeto de reeleição em 2022.
De concreto, a irresponsabilidade com que
Bolsonaro vem agindo na questão do preço da gasolina e do diesel já rendeu, em
menos de dois meses, três processos administrativos na Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), órgão regulador das operações do mercado de valores
mobiliários. O último foi aberto na segunda-feira, dia 6 de dezembro, depois de
Bolsonaro dizer publicamente que a Petrobras passaria a anunciar reduções
semanais e sucessivas do preço dos combustíveis.
Se verdadeira a informação, o presidente
teria antecipado uma decisão que, por sua importância sobre o desempenho e os
resultados da Petrobras, deveria ter sido prévia e formalmente anunciada ao
mercado, pela empresa, como fato relevante. Trata-se de exigência para evitar
que, de posse de informações privilegiadas, alguns investidores ganhem mais que
outros. Bolsonaro pode não saber de muita coisa, como tem demonstrado desde que
assumiu o cargo que hoje ocupa, mas sabia que havia algo de esquisito na sua
fala sobre os preços dos combustíveis. “Eu falei isso aí, pronto, informação
privilegiada”, disse em seu típico linguajar marcado por intercalações de
ideias e por subentendidos.
No caso, até procurou dar alguma
fundamentação para o que vem dizendo. Em declarações a apoiadores, depois de
afirmar que o preço da gasolina “tem de cair”, citou dados do mercado
internacional do petróleo. “Precisa ter bola de cristal para dizer que tem de
cair o preço da gasolina caindo o Brent (um dos dois principais tipos de
petróleo negociado no mercado mundial; o outro é o WTI)? Se eu não me engano,
quase US$ 10.”
De fato, a cotação do petróleo Brent caiu
mais de 10% desde o dia 25 de outubro, quando o mercado foi abalado pela
identificação de uma nova variante de vírus, a Ômicron, com maior poder de
contágio. Mas a definição de preços dos derivados não se resume à aritmética,
embora ela seja imprescindível.
“A Petrobras reitera seu compromisso com a
prática de preços competitivos e em equilíbrio com o mercado, ao mesmo tempo em
que evita o repasse imediato das volatilidades externas e da taxa de câmbio
causadas por eventos conjunturais”, disse a empresa em comunicado para os
investidores e para a CVM. Cotações internacionais do petróleo pesam, e muito,
na definição do preço da gasolina no mercado interno; mas há outros fatores,
como a volatilidade dos preços externos e a cotação do dólar, que precisam ser
devidamente considerados. Além do mais, como afirmou a Petrobras, ela “não
antecipa decisões de reajuste” e não tem nenhuma decisão que não tenha sido
anunciada ao mercado.
Para contornar mais uma saia-justa criada pelo presidente, a Petrobras atribuiu a confusão “às notícias veiculadas na mídia”. Ora, a confusão foi criada, como sempre, por Bolsonaro, e não pela imprensa, que se limitou a noticiá-la – e continuará a fazê-lo sempre que o presidente tentar interferir na política de preços de uma estatal de capital aberto.
MP deseducativa
Folha de S. Paulo
Governo faz mudanças controversas no
Prouni, o que demandaria projeto e debate
É natural e esperado que governantes
busquem, mediante a análise dos resultados alcançados, tornar mais eficientes
as políticas públicas. Esse, no entanto, não parece ter sido o caso das alterações
promovidas pela administração Jair Bolsonaro no Programa Universidade para
Todos (Prouni).
Criado em 2005, o Prouni acumulou êxitos ao
franquear o acesso ao ensino superior a mais de 2 milhões de estudantes de
baixa renda. No segundo semestre deste ano, 287,7 mil candidatos se inscreveram
no programa.
Não são números desprezíveis num país onde
meros 21% dos adultos de 25 a 34 anos concluíram o ensino superior. Trata-se de
marca bastante inferior à média das nações mais desenvolvidas (44%) e abaixo
das observadas em México (24%) e Argentina (40%).
Para concorrer às bolsas parciais e
integrais que o programa oferece, como contrapartida por isenções tributárias
às universidades participantes, os estudantes precisam comprovar renda familiar
per capita de até três salários mínimos.
Eles também devem ter cursado todo o ensino
médio em escolas públicas ou privadas —mas, nesta última hipótese, apenas se
tiverem tido isenção de mensalidades.
Por meio de uma medida provisória, o
governo Bolsonaro promoveu mudanças no mínimo questionáveis no programa. Embora
os critérios de renda tenham sido mantidos, o texto cria novas possibilidades
de participação, tornando elegíveis até mesmo estudantes que tenham cursado,
sem bolsa, todo o ensino médio em estabelecimentos particulares.
Dada a conhecida disparidade educacional no
país, pode-se prever que o aumento de concorrentes vindos de escolas pagas deve
tornar mais difícil para os egressos de instituições públicas acessar os
benefícios do Prouni. Esse efeito tende a se exacerbar no atual contexto da
pandemia, que prejudicou os alunos mais pobres.
É difícil, ademais, entender que ganhos
para a educação brasileira podem advir das mudanças nas regras de enquadramento
das entidades filantrópicas de ensino, que gozam de isenção de impostos.
O texto extingue contrapartidas das
instituições, como a obrigação de oferecer bolsa de estudo a cada nove alunos
pagantes e de investir 20% de sua renda em gratuidade.
Pior que as mudanças foi o meio escolhido
para implementá-las. Ao optar por MP, e não projeto de lei, o Executivo mais
uma vez abusa de um expediente que, como reza a Constituição, deveria ser
reservado para situações de urgência.
O Prouni pode ser aprimorado, mas para isso
são necessários estudos, consultas públicas e um extenso debate no Congresso
—tudo o que não ocorreu desta vez.
Linhas vermelhas
Folha de S. Paulo
Impasse entre Rússia e Ocidente sobre
Ucrânia se arrasta de forma mais perigosa
Por duas horas e cinco minutos nesta terça
(7), os presidentes que controlam mais de 90% das armas nucleares do
planeta discutiram o
impasse em torno da Ucrânia.
Como seria esperado, não houve nenhum
avanço visível, apenas a reiteração por parte de Joe Biden e de Vladimir Putin
das chamadas linhas vermelhas percebidas pelos líderes dos EUA e da Rússia.
Há quase oito anos, o mapa europeu foi
redesenhado por Putin, que recuperou o presente dado pelo soviético Nikita
Khruschov à Ucrânia, onde fizera carreira.
A anexação da Crimeia, aprovada pela
maioria dos russos étnicos que lá vivem, foi uma resposta ao movimento que
derrubou o governo pró-Kremlin em Kiev naquele 2014. Não reconhecida pela
comunidade internacional, ela é um fato consumado sob a ótica política.
Já a situação no leste ucraniano era mais
complexa, até pela maior heterogeneidade étnica e peso industrial da região do
Donbass. Uma guerra civil foi estabelecida, um cessar-fogo mambembe, alcançado,
e na prática há um encrave separatista autônomo em vigor.
Kiev, por óbvio, não está satisfeita. Não
aceita os termos mediados por russos e ocidentais, que garantem direitos
especiais aos rebeldes.
De tempos em tempos, a situação volta a
esquentar. Já morreram 14 mil pessoas no conflito. Neste ano, Putin mobilizou
tropas perto das fronteiras, gerando sirenes em todo o Leste Europeu. Queria
evitar uma ação militar dos ucranianos contra separatistas —e conseguiu, ao
fim. Mas a crise segue.
A Rússia não aceita uma Ucrânia integrada
ao Ocidente pois, historicamente, o vizinho e a Belarus formam áreas de
profundidade estratégica, alongando rotas de invasão e separando tropas
adversárias.
Esta é a linha vermelha de Putin. A de
Biden, uma invasão militar que o americano denuncia como iminente desde que o
russo voltou a concentrar forças na área.
Putin provavelmente só está jogando com o
temor para tentar uma acomodação que lhe seja favorável, dado que os riscos de
uma escalada envolvendo a Otan são muito grandes. Porém ele já os assumiu na
Crimeia antes, e nada garante que não tentará de novo.
Biden ameaçou novas sanções econômicas e
medidas como o reforço militar de membros da Otan em caso de invasão, algo que
ocorreu após 2014. Já Putin quis em vão garantias de que a Otan não irá se
expandir. De impasse em impasse, a situação fica mais perigosa.
Inflação deve preocupar mais que
crescimento
O Globo
Há certo mau humor nas previsões para o
crescimento da economia brasileira no ano que vem. A sucessão de dois
trimestres de retração despertou nos analistas o fantasma da recessão e, embora
haja motivos sensatos para preocupação, é preciso saber dirigi-la ao problema
maior, sob pena de errar o diagnóstico e, portanto, o remédio. O problema maior
da economia brasileira hoje não está nas perspectivas de crescimento. Está na
inflação.
Obviamente é preciso não criar ilusões. O
crescimento do PIB brasileiro está muito aquém do que deveria. Numa comparação
da agência de classificação de risco Austin Rating, o número do terceiro
trimestre divulgado pelo IBGE — leve queda de 0,1%, pelo segundo trimestre
consecutivo, configurando o cenário classificado de “recessão técnica” — põe o
Brasil na 26ª posição entre 33 países. Nada comparável à alta de 5,7% na
Colômbia, 4,9% no Chile ou 3,6% no Peru. Nos rankings de crescimento, o Brasil
sempre tem estado nas últimas posições.
Mas isso não é exatamente novidade. O
potencial de crescimento é sabidamente menor no Brasil que em economias de
características semelhantes, em virtude das taxas baixas de poupança e
investimento, drenadas por um Estado de tamanho incompatível com o que a
sociedade produz. Levando isso em consideração, os números do IBGE não são
desastrosos.
A curva que compara as taxas acumuladas dos
últimos quatro trimestres aos quatro anteriores continua em trajetória
ascendente (subiu de 1,9% para 3,9%). A economia ainda tem capacidade ociosa e
nível de emprego aquém do potencial. Houve recuperação nos gastos das famílias
e do governo e, finalmente, o setor de serviços, o mais afetado pela pandemia,
esboça reação.
Os problemas enfrentados pela indústria
estão, como em todo o mundo, ligados às turbulências nas cadeias globais de
suprimento, em particular a disparada nos preços do frete e a falta de
componentes, de plásticos a chips eletrônicos. Daí advém a dificuldade de
manter a produção no mesmo ritmo, não da falta de demanda. No caso do
agronegócio, setor que registrou maior queda no trimestre, a explicação está
mais ligada a questões sazonais e metodológicas, já que a demanda externa
continua alta.
Seria, por tudo isso, prematuro acreditar
que a recessão se aprofundará. Em pleno ano eleitoral, a confirmar-se o
arrefecimento da pandemia, a combinação de investimentos públicos na ascendente
com retomada nas atividades e serviços tende a exercer uma força propulsora
positiva. Mas é justamente aí que pairam os maiores riscos. A queda na massa
salarial verificada pelo IBGE e os últimos indicadores do varejo sugerem que a
demanda já sofre efeitos da inflação crescente. O consumidor tem adiado
decisões de compra, a alta nos juros tem feito o crédito encolher — e esse
quadro não deverá mudar tão cedo, já que a luta contra a inflação tem todas as
características de uma ladeira íngreme ou mesmo de um paredão de escalada.
É difícil saber, a esta altura, qual das
duas forças será preponderante na trajetória do PIB em 2022. Os otimistas se
justificam apontando para o lado da oferta; os pessimistas, para os efeitos já
evidentes na demanda. Quem quer que tenha razão precisa reconhecer o fato
central: a perspectiva econômica brasileira será ditada pela capacidade das
autoridades de enfrentar a inflação.
Colher de chá do STF é chance para
Congresso rever emendas do relator
O Globo
A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal
Federal (STF), deu um voto de confiança ao Congresso autorizando o pagamento
neste ano das verbas identificadas pela sigla RP9 no Orçamento da União,
conhecidas como “emendas do relator”. A medida destrava um montante de R$ 13
bilhões e passará a valer se aprovada pelo plenário da Corte em votação
prevista para breve. Caso confirmada pela maioria dos ministros, deputados e
senadores precisarão, além de dar maior transparência a tais emendas,
implementar uma distribuição mais justa para tornar inócua a alcunha de
“orçamento secreto”.
No início de novembro, Rosa suspendeu os
pagamentos efetuados por meio do mecanismo, recriado em 2019 para dar ao autor
da peça orçamentária o poder de destinar recursos a parlamentares da sua
escolha sem transparência. Em decisão depois aprovada no plenário por oito
votos a dois, Rosa determinou a identificação dos recursos e dos beneficiários
em 30 dias.
As lideranças parlamentares se dispuseram a
cumprir a determinação no futuro e, num gesto de boa vontade, aprovaram uma
resolução do Congresso determinando isso. Mas afirmaram, sem dar nenhuma
explicação convincente, ser inviável divulgar os beneficiários de 2020 e 2021.
Em seguida recuaram. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), informou
ao Supremo que forneceria as informações em 180 dias. Ontem Rosa fixou o prazo
em 90 dias, abrindo a possibilidade de prorrogação.
Nas palavras do ex-ministro do STF Carlos
Ayres Britto, “o Orçamento não pode ser camuflado, a Constituição exige a
cultura do sol a pino, não da escuridão”. Sem saber quem são os deputados e
senadores beneficiados, não há como manter um sistema de fiscalização
minimamente eficaz. Apenas se for resolvido o aspecto secreto das RP9, será
possível examinar se o dinheiro é bem gasto.
O caráter intrinsecamente paroquial das
emendas parlamentares sempre levanta dúvidas sobre sua eficácia. Não há
explicação razoável para destinar verbas a esta ou aquela prefeitura, sem
garantir que sejam usadas em políticas públicas comprovadas e áreas críticas.
Para assegurar ao menos a isonomia entre os parlamentares e evitar o uso das
emendas como moeda de troca em negociatas políticas, foram criados critérios
equânimes para distribuir os recursos das emendas individuais e de bancada.
Nada disso foi estabelecido na resolução do Congresso aprovada para as RP9, apenas um limite de gastos que, no ano que vem, poderá chegar a R$ 17 bilhões (equivalente à soma das emendas individuais e de bancada, ou meio Bolsa Família neste ano). Ao aceitar um prazo para a divulgação dos beneficiários, Rosa deu ao Parlamento tempo para que crie critérios de distribuição justos, semelhantes aos existentes para as demais emendas. Os congressistas fariam bem em aproveitá-lo se quiserem manter o acesso aos recursos.
Governo dispunha de opções decentes à PEC
dos precatórios
Valor Econômico
A situação fiscal não é horrível, mas pode
ficar, com um presidente que não medirá esforços para se reeleger
O meteoro que o ministro da Economia, Paulo
Guedes, avistou tardiamente e que originou a infame PEC dos Precatórios, tem
trajetória definida e nada surpreendente. Entre 2021 e o orçamento de 2022 não
há aumento exorbitante dessas despesas obrigatórias. A interpretação de
relatório da Secretaria do Tesouro indica que o que desequilibrou o saldo foram
R$ 17 bilhões em precatórios dos Estados. Os precatórios de pessoal
mantiveram-se em R$ 10 bilhões (mesmo volume de 2020), houve queda de R$ 7
bilhões nos precatórios de terceiros, e aumento dos de benefícios da
previdência (de R$ 15 bilhões para R$ 18 bilhões) e, mais expressivamente, nos
Requerimentos de Pequeno Valor, de R$ 18 bilhões para R$ 23 bilhões. Ou seja,
retirando-se os débitos dos Estados, as obrigações cresceram R$ 1 bilhão.
Este é mais um motivo para reforçar a ideia
de que o verdadeiro objetivo da PEC do calote é abrir espaço para gastos
político-eleitorais de uma base aliada ávida por recursos, acoplado à mudança
prematura no teto de gastos. Ainda que Estados prefiram sempre, em qualquer
circunstância, dinheiro no caixa do que encontro de contas de seus débitos com
a União, uma barganha política era um caminho possível, não a destrutiva
algazarra que se criou - e que ainda não terminou. O governo, porém, preferiu
impor perdas aos credores do Estado e inscrever na Constituição o direito do
Executivo de burlar decisões do Judiciário.
A segunda linha de defesa do governo para
uma PEC indefensável está no aumento da arrecadação e redução do endividamento
bruto do Estado. Eles sancionariam um aumento de gastos, ainda que não se devam
à austeridade fiscal - ao contrário, houve furo do teto - e sejam temporários.
Anteontem, o Tesouro apresentou cenários para a dívida bruta do governo central
e dívida líquida do setor público, com cenário base calcado nas projeções da
Secretaria de Política Econômica. Nele, a dívida bruta encolheu de 88,8% do PIB
previstos para este ano para 80,6% e continuará caindo até o fim da década,
quando atingirá 76,6% do PIB. A dívida líquida, ao contrário, seguirá em
trajetória ascendente até 2030.
Pelos números escolhidos, a situação fiscal
é confortável, mas as premissas são otimistas como ponto de partida. O PIB
projetado é de 5,1% em 2021 e 2,1% no ano que vem, em contraste com as
projeções do Focus, de 4,71% e 0,51%, respectivamente. O crescimento do PIB daí
em diante até 2030 é de 2,5%, acima do produto potencial estimado por analistas
privados. A Selic em fim do período utilizada é de 9,15% em 2021 e 10,9% em
2022. O Tesouro reconhece a possibilidade de “choques negativos” que podem
desviar a trajetória fiscal. “Em um cenário de juros mais altos e de menor PIB,
de forma estrutural, o esforço fiscal necessário para reduzir a dívida será
significativo e, em algumas combinações, até mesmo inviável na magnitude
necessária”, registra o estudo.
A melhoria da arrecadação e do
endividamento se deve em grande parte ao ciclo econômico - a saída de brutal
queda provocada pela pandemia - e à ajuda indesejável do aumento da inflação. O
denominador da relação dívida-PIB, o PIB nominal, deu um pulo alto, para 16,35%
este ano e 10% em 2022. Em abril, o mesmo deflator foi projetado em 3,2%.
Mas a inflação eleva a arrecadação e também
a dívida. O salto do IPCA acrescentará R$ 80,6 bilhões, ou 0,93% do PIB, à
dívida bruta este ano - mais do que o calote planejado nos precatórios, de R$
50 bilhões, enquanto que a elevação da Selic trará mais R$ 59,4 bilhões em
débitos, ou 0,69% do PIB. De 2021 para 2022 os juros da dívida bruta saltam de
R$ 461 bilhões para R$ 670 bilhões, uma enormidade.
O Tesouro calculou qual o superávit
primário necessário para estabilizar a dívida bruta e, também, para fazê-la
convergir ao nível médio dos países emergentes (64% do PIB). Em um cenário em
que o superávit primário reaparece em 2024 e vai na média de 0,5% do PIB até
2030, seria preciso 1,6% do PIB para que a dívida bruta parasse de crescer, e
de 1,9% do PIB para igualá-la ao longo do tempo à média dos emergentes. Em
2024, o país completa uma década de déficits e não é simples atingir até mesmo uma
cifra razoável. Nenhuma projeção do Focus, no entanto, aponta redução constante
da dívida bruta no período.
O governo Bolsonaro não encerrará seu
mandato com as contas no azul e arruinou sua credibilidade fiscal após a PEC
dos precatórios. A situação fiscal não é horrível, mas pode ficar, com um
presidente que não medirá esforços para se reeleger.
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