Valor Econômico
Parte preponderante dos efeitos
deflacionários do aperto monetário de 725 pontos básicos ainda está por vir
O Brasil é um dos países com maior elevação
de preços desde o fim do 1º semestre de 2020. A inflação IPCA aumentou de 1,9%
em maio de 2020 para quase 11% em novembro. O movimento é expressivo quando
comparado à mediana da inflação desde 1998 de 6% e ainda mais forte frente à
mediana de 3,5% do período entre 2017 e 2019 - antes da pandemia.
Mesmo assim, a diferença da inflação atual frente à mediana entre 2017 e 2019 não é tão maior no Brasil - com um ciclo monetário em progresso - do que em outros países - com juros estáveis ainda por vários trimestres. A variação é de cerca de 7,5 pontos percentuais (pp) no Brasil, enquanto, por exemplo, é em torno de 4,5 pp nos EUA e na Alemanha. Essa é mais uma razão para não fazerem sentido as afirmativas de que haverá perda de ancoragem da inflação e dano à credibilidade da instituição caso o Banco Central (BC) não eleve o ritmo de alta dos juros. As alegações eram equivocadas antes mesmo das notícias negativas sobre a variante ômicron do coronavírus.
Isso é diferente de argumentar que a
trajetória da inflação no Brasil é benigna. Após recuar por um período
prolongado, a persistência inflacionária no país aumentou com a rápida
aceleração dos preços. A correta resposta do Copom a esse ambiente desfavorável
foi a de implementar um vigoroso aperto monetário, que já alcança 725 pontos
base (pb), assumindo alta de 150 pb na reunião desta 4ª feira.
A atual incerteza, porém, requer maior
cuidado na gestão de política monetária, ainda mais depois da expressiva
elevação dos juros. Nesse sentido, uma resposta mecânica ao comportamento da
inflação corrente desconsidera que uma parte significativa do aumento dos juros
ainda não teve o seu impacto contracionista incorporado. Essa estratégia também
esquece que os choques em energia elétrica, combustíveis e commodities não
apenas tendem a não se repetir como podem se reverter. O surgimento da nova
variante com imediata reação dos mercados é um exemplo dos riscos existentes.
A estagnação do PIB desde o 2º trimestre, a
contração da produção industrial em outubro pelo 5º mês consecutivo e uma
eventual 4ª onda de contaminação pela nova variante aumentam a probabilidade de
uma recessão mais profunda, o que contribui, pelo canal de demanda, para o
recuo da inflação acima do projetado. Assim, a elevação do ritmo de aperto
monetário por conta simplesmente das surpresas inflacionárias recentes pode
exigir sua rápida reversão, com início de um ciclo de afrouxamento, conforme
apreçado na curva de juros. Isso ampliaria a volatilidade da inflação, dificultando
sua estabilização. Terminantemente, não é a melhor forma de gestão da política
monetária.
A resposta apropriada do Copom neste
ambiente é a de elevar a taxa Selic em 150 pb hoje e indicar no comunicado uma
possível redução do ritmo de alta para 100 pb, que ainda é muito
contracionista, na reunião de 2 de fevereiro. A estratégia tem suporte na
evidência de que parte preponderante dos efeitos deflacionários do aperto
monetário de 725 pb ainda está por vir. Mesmo em circunstâncias mais graves,
quando a credibilidade da instituição ainda não tinha sido consolidada, o BC
elevou a taxa Selic em 150 pb ou mais em apenas quatro reuniões das 202
ocorridas desde 2000, sendo que os juros diminuíram na mesma magnitude ou mais
em somente cinco ocasiões.
A decisão do Copom nesta semana envolve,
portanto, uma questão importante: a sinalização dos seus próximos passos.
Apesar de ser só uma impressão, os últimos documentos do Copom parecem ter
reduzido a transparência sobre sua avaliação acerca do cenário prospectivo.
Essa percepção pode ser capturada pela redução do número de caracteres nos
documentos - assumindo que seja uma boa aproximação para o conteúdo
informacional. O comunicado e a sessão C, “Discussão sobre a condução da
política monetária”, da ata da reunião de 27 de outubro têm, respectivamente,
1915 e 2497 caracteres, desconsiderando espaços entre palavras. Os valores de
outubro foram os menores desde o início da atual presidência do BC - mediana de
2186 caracteres nos comunicados e 4277 na sessão C das atas, bem como
inferiores à mediana das reuniões anteriores de 2021 de, respectivamente, 2248
e 4152.
O “forward guidance” é ainda mais
importante em momentos de maior incerteza sobre a evolução da economia. O Copom
reduziria a volatilidade dos preços dos ativos e melhoraria a coordenação das
expectativas caso indicasse o caminho mais provável da Selic no curto prazo,
reforçando que os desvios dos fundamentos ou o alastramento da variante ômicron
frente ao cenário base afetariam suas projeções e, por consequência, a
orientação acerca da trajetória da Selic.
Essa sinalização não é uma promessa
inquebrável e, portanto, está condicionada à convicção sobre o recuo gradual da
inflação nos próximos meses. Um ciclo que eleve a Selic para 11%, com alta de
150 pb hoje e de 100 pb, 50 pb e 25 pb nas três reuniões seguintes, é
suficiente para garantir a convergência da inflação para suas metas, mesmo que
não necessariamente em 2022 - os efeitos do aperto monetário a partir de agora
serão cada vez mais concentrados em 2023.
Não partilho da ideia de que o banco
central de um mercado mais volátil não tem condições de dar transparência sobre
a provável decisão referente à taxa Selic além da reunião seguinte. Se assim o
fosse, também não haveria condições de a instituição publicar sua avaliação
sobre a dinâmica prospectiva dos preços e, muito menos, a projeção para a
trajetória da inflação até dois anos à frente. A margem relativa de erro das
duas previsões é parecida, pois uma avaliação está intimamente relacionada à
outra.
Em suma, defendo que o BC eleve a taxa
Selic em 150 pb na sua reunião de hoje e sinalize uma provável redução do
aumento de juros para 100 pb na reunião de fevereiro. Seria a decisão correta.
Espero também que a percepção sobre a redução da transparência da instituição
esteja errada, pois isso elevaria a incerteza e prejudicaria a coordenação das
expectativas. O que se quer é justamente o oposto.
*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro
Capital Gestão de Recursos
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