Editoriais / Opiniões
Risco paternalista
Folha de S. Paulo
Na campanha, poder de censura de juízes
eleitorais deve ser usado com parcimônia
Ante a agenda autoritária do presidente da
República, ressalta-se no pleito deste ano a principal virtude do sistema de
votação brasileiro, a de ser conduzido pelo Tribunal Superior Eleitoral —um
árbitro nacional, constitutivamente neutro e distanciado das tarefas de
governar e aprovar as leis.
Já entre os aspectos desafiadores desse
modelo está o padrão excessivo das intervenções da Justiça nas liberdades de
partidos e eleitores.
O labirinto de restrições e minudências
parte da própria legislação e se acentua pela atuação dos juízes, dentro da
prática pouco moderna de considerar o eleitor alguém hipossuficiente, a ser
protegido das artimanhas dos candidatos.
A campanha começa oficialmente apenas nesta
terça-feira (16), mas o TSE já proibiu a veiculação de vídeos porque considerou
que continham pedidos de votos antes do período permitido, utilizavam
termos ofensivos, faziam conexões indevidas ou valiam-se de canais
oficiais para elogiar o combate federal à Covid-19.
Se depender da Procuradoria que atua na corte, vai para o índex dos vídeos proibidos a investida infame do presidente Jair Bolsonaro (PL) contra o sistema eleitoral brasileiro diante de embaixadores estrangeiros. Essa documentação histórica de um dos pontos mais baixos já atingidos pela diplomacia nacional jamais deveria ser apagada.
Sob o impacto da máquina de falsificações e
ameaças catapultada pelas redes sociais e manejada com gozo pelo bolsonarismo,
que com ela alvejou autoridades judiciárias, o maior resguardo dos magistrados
neste pleito é compreensível.
Ampliou-se o escopo hermenêutico dos juízes
eleitorais, que terão o poder de suspender o compartilhamento e a veiculação de
fatos "sabidamente inverídicos". Esse dispositivo, contudo, deveria
ser utilizado com parcimônia.
Será mais efetivo e justo se for reduzido
aos casos em que a concretude verificável dos acontecimentos não permitir a
menor dúvida sobre tratar-se de uma inverdade. Se ultrapassar essas fronteiras
para interpretações mais abstratas, vai cercear o debate político.
A eleição também tem um caráter de batalha
encenada que, paradoxalmente, ajuda a suprimir a violência real na disputa do
poder. Linguagem agressiva, críticas severas, promessas impossíveis e mentiras,
desde que não criminosas, integram o seu repertório comum.
Do entrechoque entre ataques e
contra-ataques no plano do discurso se forja parte da matéria que ajuda os
eleitores a decidirem o voto.
Não cabe, afinal, a magistrados o papel de
árbitros de fato da eleição. Esse poder exercem dezenas de milhões de cidadãos
responsáveis e capazes de fazer as suas escolhas em meio à algazarra cívica.
Tragédia afegã
Folha de S. Paulo
Um ano após saída dos EUA, país vive crise
humanitária e ameaça segurança global
O século 21 começou sob a égide do
terrorismo e de tudo o que ele representa para o Ocidente, em especial a
sensação de vulnerabilidade do fluxo incessante de bens e pessoas que marcou a
globalização acelerada do pós-Guerra Fria.
A sucessão de ações militares lideradas ou
inspiradas pelos norte-americanos após o 11 de Setembro tentou recuperar a
ilusão de controle, com sucesso só relativo, do Afeganistão à Síria, passando
por Iraque, Iêmen, Líbia e outros celeiros de grupos radicais islâmicos.
No casos afegão e iraquiano, além de
intervenções para derrubar governos hostis, os EUA assumiram projetos de
implantação de regimes espelhados nas democracias ocidentais. Foi um fracasso
algo previsível, mais agudo em Cabul.
Ali, 20 anos de presença americana acabaram
por redundar na volta dos anfitriões da Al Qaeda que golpeou Nova York e
Washington em 2001, o grupo fundamentalista Talibã. Em 15 de agosto do ano
passado, suas forças retomaram a capital afegã sem esforço.
Elas vieram amparadas no anúncio do
presidente Joe Biden de que iria deixar de vez o país, cumprindo um acordo
costurado pelo antecessor, Donald Trump. Foi a admissão de um fiasco
espetacular.
As mãos lavadas possibilitariam o
desengajamento de forças no sul da Ásia rumo a outras prioridades envolvendo a
China, agora a rival estratégica da Casa Branca. Segundo o desenho, eventuais
ameaças terroristas seriam tratadas com bombardeios precisos.
Para trás ficou o povo afegão,
particularmente aqueles que não se opunham ao Ocidente —a imagem de
desesperados caindo da fuselagem de um avião americano em fuga é mancha
histórica indelével.
Em que pese a arbitrariedade da intervenção
ocidental, houve ganhos que poderiam ter sido preservados, a começar por direitos de
mulheres e minorias. Não demorou para que as promessas de
comedimento dessem lugar à brutalidade do jugo de zelotes religiosos.
A crise humanitária se agravou, com 90% do
país sob a linha de pobreza e 20% a mais de pessoas deslocadas de suas casas
desde a saída dos ocidentais, segundo a ONU.
Mesmo sob a ótica mais cínica, o problema
não tende a ser contido. Grupos radicais se disseminam, muitos rivais do
Talibã. Se o mundo agora é palco renovado do embate entre potências, como
mostram a guerra na Ucrânia e a crise em Taiwan, basta um atentado para que
eles voltem a ser manchete.
Campanha eleitoral é tempo de paz
O Estado de S. Paulo
Ao colocar em dúvida a lisura das eleições, a retórica golpista de Jair Bolsonaro pode dificultar – ou mesmo interditar – o necessário debate sobre propostas e projetos para o País
Hoje é o início oficial da campanha
eleitoral. Agora a propaganda eleitoral, inclusive na internet, é permitida.
Pode haver distribuição de material gráfico, caminhada, carreata ou passeata,
acompanhadas ou não por carro de som. Também é permitida a divulgação paga de
anúncios de propaganda eleitoral. No período da campanha, os candidatos,
partidos, federações e coligações podem realizar comícios e usar alto-falantes
e amplificadores de som. A chamada propaganda gratuita no rádio e na televisão
– que nada tem de gratuita – começará no próximo dia 26.
A simples menção ao que se pode fazer a
partir de hoje evidencia que a Lei Eleitoral precisa ser respeitada com mais
rigor. Basta ver as motociatas do presidente Jair Bolsonaro nos últimos meses.
Além de desrespeitarem os prazos do calendário eleitoral, esses eventos de
evidente caráter eleitoral custam caro aos cofres públicos.
Toda eleição se reveste de grande
importância para a vida do País. É o momento por excelência em que o cidadão
avalia o exercício do poder político, tanto no Executivo como no Legislativo. A
campanha eleitoral é um chamado a que cada eleitor faça um diagnóstico dos
mandatos que terminam e analise as propostas dos diferentes candidatos para os
diversos cargos. É tempo, portanto, de se informar ainda com mais empenho e
mais responsabilidade. Está em jogo o futuro da educação, da saúde, da
economia, do emprego, da moralidade pública, da preservação ambiental e de
tantos outros temas que afetam diretamente a vida e os sonhos da população.
Numa República, todos são iguais perante a
lei. Mas, se o princípio da igualdade vale sempre, a eleição é uma das ocasiões
em que se vivencia de forma mais explícita sua força. Seja qual for sua raça,
origem, credo religioso, orientação ideológica, grau de instrução, situação
patrimonial ou local de residência, todas as mulheres e todos os homens têm
exatamente o mesmo direito de intervir no futuro do País. Nas urnas, a voz de
cada um tem rigorosamente o mesmo valor. Campanha eleitoral é, portanto,
momento por excelência de respeito e diálogo. O bom funcionamento da democracia
demanda essa livre circulação de ideias.
Se toda campanha eleitoral tem traços
comuns, a de 2022 tem características próprias. É a primeira campanha eleitoral
desde a Constituição de 1988 que foi precedida por ataques sistemáticos do
presidente da República contra as urnas eletrônicas, por suas tentativas de
interferência na apuração dos votos e por suas insinuações de que pode vir a
não respeitar o resultado das eleições.
Trata-se de fenômeno inteiramente inédito,
que deve despertar a vigilância máxima por parte da sociedade e das
instituições. Em regimes democráticos, o Poder Executivo não interfere na
realização das eleições e os eleitos tomam posse. É preciso advertir, no
entanto, que a retórica golpista de Jair Bolsonaro também tensiona a democracia
noutro aspecto, igualmente fundamental. Ao colocar em dúvida a lisura do
processo eleitoral, ela pode dificultar – ou mesmo interditar – o
imprescindível debate sobre as propostas para os problemas nacionais.
Campanha eleitoral deve ser ocasião de
especial normalidade institucional precisamente para que todos possam livre e
serenamente pensar as questões nacionais, dialogar com quem queira e fazer suas
escolhas políticas. Não é tempo de medo, suscitando na população temores de que
as regras do jogo talvez não sejam cumpridas. Em função disso, o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) determinou, de forma prudente e dentro da lei, no
exercício de suas atribuições institucionais, que a desinformação sobre o
processo eleitoral seja coibida e exemplarmente punida, podendo inclusive
suscitar a cassação de candidaturas.
A pauta da campanha eleitoral não são as
urnas eletrônicas, o que representaria um perverso diversionismo, privando a
população de conhecer, refletir e debater sobre o que realmente importa para o
País. É hora de enfrentar os temas com responsabilidade, conhecendo os
candidatos, suas trajetórias e suas propostas.
Trump não está acima da lei
O Estado de S. Paulo
A sociedade americana debate se é conveniente politicamente investigar Donald Trump. Não cabe nenhuma dúvida. No Estado de Direito, todos devem responder por seus atos
A igualdade de todos perante a lei é um dos
princípios republicanos que poucos países no mundo levam tão a sério como os
Estados Unidos. Ali, a jurisprudência da Suprema Corte, ao longo de séculos,
tem sido consistente na defesa do primado da isonomia. De modo que é
surpreendente que o debate público naquele país esteja hoje debruçado sobre a
seguinte questão: investigar ou não o ex-presidente Donald Trump? Não deveria
haver dúvida. Ninguém está acima da lei.
Sobre Donald Trump pairam suspeitas de uso
do cargo público para obtenção de vantagens financeiras particulares e de
guarda irregular de documentos ultrassecretos, incluindo informações que
envolvem a segurança nacional dos Estados Unidos. Há investigações em andamento
para apurar esses fatos. Na semana passada, agentes do FBI realizaram uma
operação de busca na casa do ex-presidente republicano em Mar-a-Lago, um resort
privado em Palm Beach, na Flórida. Além disso, Donald Trump pode ser processado
por seu papel de liderança na tentativa de sedição de 6 de janeiro de 2021,
quando uma horda de seus apoiadores, sob ordens do então presidente, invadiu o
Capitólio para sustar a certificação da vitória do democrata Joe Biden.
Na discussão sobre a conveniência de
investigar Donald Trump, argumenta-se que as autoridades políticas e
judiciárias dos Estados Unidos precisam fazer uma ponderação entre dois
valores: a igualdade de todos perante a lei e a paz social. Investigar Donald
Trump e processá-lo, argumentam os contrários à ação, ampliaria a divisão da
sociedade americana, já bastante cindida, o que, no limite, poderia provocar
uma tensão social de tal monta que uma “guerra civil” não poderia ser
descartada. Em outras palavras: Donald Trump não deveria ser investigado porque
tem muitos apoiadores, e não poucos deles são fanáticos o bastante para pegar
em armas e matar ou morrer em sua defesa.
Por outro lado, os que defendem a
investigação do ex-presidente republicano sustentam que tratá-lo de modo
diferenciado seria ferir de morte um princípio fundamental dos Estados Unidos:
a estrita igualdade de todos os cidadãos perante a lei.
A rigor, não deveria haver esse tipo de
discussão. Os valores da igualdade e da paz social não são antagônicos. Na
realidade, exigem-se mutuamente. Alcança-se a paz cumprindo a lei, e não o
contrário. Por isso, num Estado de Direito, não deve haver dúvidas quanto à
necessidade de dar continuidade a uma investigação quando, pelos critérios
legais – aplicáveis a todos os cidadãos –, há elementos suficientes para isso.
No caso de Donald Trump, as investigações
podem custar-lhe anos de cadeia e a inelegibilidade, especialmente por seu
papel de liderança no 6 de Janeiro. A Seção 3 da 14.ª Emenda da Constituição
americana proíbe que qualquer cidadão que tome parte de “insurreição ou
rebelião contra os Estados Unidos” ocupe cargos públicos federais.
No Brasil, houve, anos atrás, alegações de
que a investigação do petista Lula da Silva, que também conta com um grande
número de seguidores, “convulsionaria” o País. Os temores mostraram-se
injustificados. Lula foi investigado, processado e condenado, e não houve
nenhuma convulsão social. Cumpriu parte da pena e foi solto quando o Poder
Judiciário decidiu que havia razões legais para soltá-lo. Agora, há quem queira
atribuir esse mesmo tipo de imunidade a Jair Bolsonaro. Com tantos seguidores –
muitos deles armados –, seria arriscado pretender que a Justiça aplique a lei
sobre os atos de Jair Bolsonaro. As consequências poderiam ser imprevisíveis,
dizem.
O Judiciário deve aplicar a lei, de forma
isenta e serena, sem medo de eventuais repercussões políticas – e sem receio de
ser tachado de parcial. Quando se trata do cumprimento da lei, não há espaço
para cálculos políticos. A pretensão de que alguns cidadãos ou grupos tenham um
tratamento diferenciado em razão de sua popularidade contraria o princípio da
igualdade e a própria ideia de justiça, que demanda imparcialidade. O Estado
não pode ser refém de ninguém.
Campos Neto entre otimismo e cautela
O Estado de S. Paulo
Ele aponta sinais positivos na economia nacional, mas acentua o quadro externo desfavorável e riscos nas contas públicas
A economia mundial está desacelerando e o
Brasil é um dos poucos países com revisão do crescimento do PIB para cima,
disse o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, num
pronunciamento marcado por alguns toques de otimismo e advertências sobre a
evolução das contas públicas em 2023. “Há preocupação com a continuidade de
medidas recentes”, disse o economista, referindo-se a estímulos fiscais, como o
aumento do Auxílio Brasil e facilidades concedidas a taxistas e caminhoneiros.
Anunciadas há pouco tempo pelo presidente Jair Bolsonaro, essas concessões, de
evidente caráter eleitoreiro, foram desenhadas para valer até o fim do ano. Mas
já se fala em prorrogação e falta explicar como se poderá acomodá-las – sem
grave desarranjo fiscal – no Orçamento do próximo ano. O Comitê de Política
Monetária (Copom), formado por diretores do BC, já havia chamado a atenção para
esse problema, como lembrou o presidente da instituição.
Como indicou Campos Neto, o mercado tem
elevado suas projeções de crescimento econômico para este ano, agora estimado
em 2%, segundo o boletim Focus. Esse número foi atingido na sétima alta
semanal consecutiva. Mas a expansão calculada para 2023 ficou em 0,41%,
praticamente a mesma taxa da semana anterior (0,40%). Mas o presidente do BC
expressou, em sua fala no Instituto Millenium, a esperança de melhora do
emprego no próximo ano, com a desocupação recuando para cerca de 8,5%. A última
pesquisa, referente ao segundo trimestre deste ano, mostrou desemprego de 9,3%,
com 10,1 milhões de desocupados.
O aquecimento da economia brasileira no
primeiro semestre foi apontado pelo Índice de Atividade Econômica do BC
(IBC-Br), divulgado também na manhã de segunda-feira. O indicador subiu 0,69%
de maio para junho, atingindo o mais alto patamar do mês desde 2013. No
primeiro semestre a economia foi 2,24% mais vigorosa que em igual período de
2021 e o crescimento acumulado em 12 meses chegou a 2,18%. Esses números
praticamente garantem a expansão pelo menos igual a 2%, neste ano, já estimada
pelo mercado.
Também segundo a pesquisa Focus, o
mercado continua apostando na manutenção da atual taxa básica de juros, 13,75%,
até o fim de 2022. Só no Brasil e no Japão, disse Campos Neto, referindo-se às
grandes economias, o mercado prevê a continuação dos atuais juros básicos até o
fim do ano. Mas o cenário ainda poderá ser afetado, admitiu o presidente do BC,
pela evolução da taxa nos Estados Unidos.
A boa notícia, nesse caso, foi a queda
recente da inflação americana. Isso pode possibilitar o encerramento do aperto
monetário na maior potência econômica do mundo. Isso será especialmente
benéfico para o Brasil, porque cada aumento de juros nos Estados Unidos afeta
os fluxos de capitais, mexe com o financiamento e com o câmbio e dificulta o
afrouxamento da política pelo BC brasileiro.
Há, portanto, alguns dados positivos para
sustentar a fala um tanto otimista do presidente do BC, embora as projeções do
mercado ainda apontem uma quase estagnação em 2023.
Bolsonaro deixará oportunidade para o
próximo governo
O Globo
Mesmo frágil, redução na folha do
funcionalismo abre caminho para reforma administrativa abrangente
É conhecido o legado que o presidente Jair
Bolsonaro deixará ao próximo governo: devastação na Amazônia, inflação,
armamentismo, retrocesso na educação e na saúde, deterioração do Orçamento —
entre tantas mazelas. Num ponto, contudo, deixará uma oportunidade: a redução
do gasto com funcionalismo.
Pelos últimos dados, a despesa com pessoal
do Executivo federal caiu ao menor nível em termos reais desde 2008. A União
gastou R$ 157,5 bilhões no primeiro semestre com salários, aposentadorias e
sentenças judiciais (ante R$ 186,2 bilhões em 2019). Como proporção do PIB, a
previsão é que o gasto com pessoal atinja neste ano o patamar mais baixo dos
últimos 25: 3,4% — eram 4,2% em 2017.
A redução resulta de uma política
deliberada de encolhimento da máquina. Sob Bolsonaro, os funcionários federais
caíram de 630 mil para 569 mil, resultado sobretudo da suspensão de concursos.
O congelamento salarial na pandemia e a decisão de não reajustar vencimentos
neste ano foram decisivos para diminuir as despesas. Enfim, a PEC dos Precatórios
permitiu à União adiar o pagamento de dívidas com seus próprios funcionários.
Tudo isso contribuiu para a queda da despesa.
Embora o patamar brasileiro esteja no
mínimo histórico, os 3,4% do PIB gastos com o funcionalismo federal ainda são
muito na comparação internacional. Segundo o Fundo Monetário Internacional, em
2020 foram 2,8% na Coreia, 2,4% na Indonésia, 2,2% na Espanha, 1,8% nos Estados
Unidos, 1,7% no México, 1,1% no Japão e na Alemanha. Superavam o Brasil só
países conhecidos pela máquina gigantesca, como Dinamarca (9,2%), Reino Unido
(6,8%) ou França (6%). Levando em conta os demais Poderes, estados e
municípios, a despesa brasileira com funcionalismo ultrapassa todos esses, com
exceção da Dinamarca.
Não está em questão, portanto, que é
preciso reduzir o gasto com funcionalismo. A questão é se a forma como isso vem
sendo feito é a melhor. Embora muitos postos de trabalho cortados sejam
dispensáveis, outros não são — basta lembrar o esvaziamento dos órgãos de
fiscalização ambiental, responsável pela alta na devastação na Amazônia.
Congelar o salário de todos não é uma política de recursos humanos distinta de
dar aumento linear a todos sem levar em conta o mérito, prática canônica ao
longo dos anos.
Ao mesmo tempo que encolhe a máquina, o governo
se esquiva da reforma administrativa, necessidade mais urgente com a crise
fiscal. É importante não apenas gastar menos, mas aprender a gastar melhor, de
modo a elevar a qualidade do serviço prestado à população. É essencial premiar
os melhores, incentivar práticas que dão certo, eliminar entraves que afastam
bons profissionais do setor público — e, naturalmente, extinguir funções e
carreiras obsoletas, como vem sendo feito.
A proposta de reforma que o governo enviou
ao Congresso era ridícula por poupar das mudanças a elite do funcionalismo, os
privilegiados que estão sobretudo no Judiciário, no Ministério Público, no
Legislativo e nas Forças Armadas. São as categorias que mais resistiram à
reforma e já se articulam para introduzir um reajuste descabido de 18% no
Orçamento de 2023 aprovado pelos ministros do Supremo. A pressão só tende a
aumentar. Sem uma reforma abrangente e consistente, a redução na folha do
funcionalismo que Bolsonaro legará ao sucessor é fragílima.
Legislação para reduzir ICMS de armas é um
erro inconsequente
O Globo
Queda de receita acarretaria menos dinheiro
para várias áreas, inclusive a segurança pública
É descabido o movimento para tentar reduzir
ou isentar o ICMS cobrado sobre armas de fogo. Como mostrou reportagem do
GLOBO, em 23 estados há projetos de lei propondo redução ou o fim da alíquota.
Em quatro — Alagoas, Rondônia, Roraima e Rio Grande do Norte — foi aprovada
legislação nesses termos para compra de armas por profissionais da segurança
pública, como policiais civis e militares, bombeiros e guardas municipais. Em
Alagoas, também foram beneficiados os amadores dos grupo conhecido por CAC
(Caçadores, Atiradores e Colecionadores).
Dos 35 projetos de lei existentes, 14
incluem essa categoria. É uma vergonha que as Assembleias Legislativas
considerem abrir mão de receita necessária na construção de escolas, postos de
saúde ou na própria segurança pública para baratear a compra de armamentos que
contribuirão para deteriorar os índices de violência. Os deputados estaduais
que apoiam essa ideia deveriam cobrar uma política de segurança pública mais
eficaz dos governadores.
Armas são uma das bandeiras diletas do bolsonarismo.
Desde 2019, o governo federal anunciou mais de 30 atos normativos para
facilitar a compra, registro, posse e porte. Mesmo com a ação da Justiça, que
barrou parte dessas iniciativas, o número registros de CACs disparou de 117 mil
em 2018 para 605 mil, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
A estratégia de concentrar esforços nos
parlamentos estaduais ficou explícita em encontro realizado no mês passado em
Brasília pelo Proarmas, um grupo de ativistas que defende armar a população. Em
meio a admiradores, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse que a
missão de deputados estaduais era entrar com projetos de lei para reduzir o
ICMS.
Longe dos maiores holofotes, a corrida
pelas Assembleias Legislativas tem atraído a atenção dos defensores da expansão
do armamento entre a população. O Proarmas, imitando a estratégia bem-sucedida
da National Rifle Association (NRA) nos Estados Unidos, divulga a lista de
candidatos simpáticos à causa. O objetivo é aumentar a presença nos
legislativos estaduais.
Com a filiação no começo deste ano do
presidente Jair Bolsonaro ao Partido Liberal (PL), a legenda recebeu um influxo
de parlamentares estaduais: saiu de 43 para mais de cem, tornando-se a maior
bancada nos estados do Rio e de São Paulo. Embora nem todos os seus
representantes sejam favoráveis às armas, a adesão ao bolsonarismo tornará a
cada dia mais difícil dissociar o partido dessa bandeira.
À medida que a eleição se aproxima, é esperado que eleitores contrários ao aumento da venda de pistolas, carabinas, fuzis e outros armamentos fiquem atentos ao que acontece nos legislativos locais e ao que defendem os candidatos em quem pretendem votar em outubro.
Estados investem mais, mas a conta vai
chegar logo
Valor Econômico
Próximos anos serão fracos também por causa
do impacto da inflação nas despesas
Movidos pelo desejo de se reelegerem,
governadores estaduais fizeram investimentos pesados no primeiro semestre. Os
caixas estão abastecidos com recursos que sobraram das remessas feitas pelo
governo federal durante a pandemia e pelo aumento da arrecadação proporcionado
pela alta da inflação e das commodities e pela recuperação da economia. Mas a
previsão é que esse cenário positivo vai mudar neste semestre e,
principalmente, no próximo ano, e os caixas vão emagrecer. Além disso, o que é
um investimento no primeiro momento, como a construção de uma nova escola, se
transforma em fonte de despesa depois, demandando a contratação de professores
e a compra de equipamentos.
Um total de R$ 31,4 bilhões foi investido
pelos 26 Estados e o Distrito Federal de janeiro a junho, quase o triplo em
termos reais do registrado antes das eleições de 2018, segundo o Valor (9/8). Os
investimentos superaram as receitas correntes, que incluem arrecadação e
transferências constitucionais da União, que subiram 21% em termos reais no
primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2018.
Embora a situação não seja a mesma nos
diversos Estados, uma série de fatores abriu espaço para esse aumento de
gastos, com objetivos claramente eleitorais. Inicialmente havia sobras das
transferências extras feitas pela União como resposta à pandemia. Já no começo
deste ano a arrecadação aumentou com a elevação da inflação e alta das
commodities, e o crescimento econômico surpreendeu, especialmente na área de
serviços. Por outro lado, as despesas foram contidas pelas restrições atípicas,
impostas aos reajustes salariais dos servidores públicos na pandemia, quando o
pagamento da dívida também chegou a ser suspenso.
A sobra de caixa nos Estados se aproximou
de R$ 320 bilhões no primeiro trimestre, segundo cálculo da Instituição Fiscal
Independente (IFI). O dinheiro também sobrou nos municípios, que contavam com
R$ 185,7 bilhões, totalizando pouco mais de meio trilhão (O Globo 23/5). Parte
desses recursos tem destino certo para saúde e educação, mas houve sobras para
obras.
O governo federal também ficou de olho
nesse dinheiro e forçou os Estados a cortarem o ICMS aplicado nos combustíveis,
energia elétrica e telecomunicações, além de ter mudado a base do cálculo do
ICMS sobre combustíveis. Os municípios serão igualmente atingidos porque recebem
parte do ICMS. A manobra caiu como uma luva para transformar os Estados nos
vilões da alta da gasolina.
A redução de impostos sobre bens essenciais
como esses é louvável até porque havia Estados que cobravam uma alíquota
superior a 30%. Segundo o IFI, os Estados arrecadaram R$ 652,42 bilhões com
ICMS em 2021, e 27,4% desse total, R$ 178,9 bilhões, vieram da tributação de
energia e combustíveis. Mas não dá para esconder o caráter eleitoreiro da
medida. A União também abriu mão de impostos federais sobre combustíveis, mas,
a medida só vale até o fim do ano nesse caso.
O governo federal estimou que os Estados
vão perder R$ 20 bilhões com as mudanças no ICMS. Mas números do próprio
Tesouro indicam que a perda pode ser maior. O Tesouro registrou superávit de R$
70 bilhões nos governos regionais, o que inclui os municípios, de janeiro a
maio, e prevê no máximo R$ 72 bilhões para o ano todo, o que indica que os
próximos meses serão de receitas magras.
O especialista em contas públicas Sergio
Gobetti prevê uma perda de R$ 57 bilhões apenas no segundo semestre, quase o
dobro dos investimentos do primeiro. Os próximos anos também serão fracos,
antecipa, por causa do impacto da inflação nas despesas. O aumento da inflação
tem efeito em dois tempos nas contas públicas: em um primeiro momento aumenta a
arrecadação e, no segundo, eleva as despesas, esfumando os ganhos. A pressão
por reajuste do salário do funcionalismo já é uma realidade.
Por trás desse embate, há a discussão sobre
o caráter do aumento da arrecadação dos Estados. Os Estados se queixam que o
governo federal promoveu mudanças nas regras tributárias baseado em uma
expansão conjuntural da arrecadação, que não deve se manter a curto prazo - o
Estado de São Paulo já registra desaceleração na receita.
Quatro Estados já conseguiram na Justiça liminar para abater as perdas de arrecadação da dívida a pagar ao Tesouro. Somente São Paulo vai economizar R$ 2,6 bilhões neste ano. Mudanças feitas “na marra” têm pernas curtas.
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