terça-feira, 20 de setembro de 2022

Pedro Cafardo - Em tempos excepcionais, medidas excepcionais

Valor Econômico

Brasil já foi fulminado por desrespeitar a excepcionalidade

Os mais jovens talvez não tenham consciência do que foi a crise do petróleo dos anos 1970 e do ensinamento que ela deixou ao Brasil. O país vivia os anos do “milagre econômico”, cantado em prosa e verso pela ditadura militar, quando os produtores, unidos na Opep e dominados pelos árabes, fizeram um embargo ao fornecimento a países aliados de Israel na Guerra do Yom Kipur.

A decisão, em 1973, pegou o Ocidente de surpresa. Em cinco meses, a cotação do petróleo, que rastejara por décadas abaixo de US$ 3 o barril, subiu 300%, para US$ 12. O Brasil importava, então, 70% do petróleo que consumia.

Críticos dizem que o país deveria, naquele momento, ter adotado um racionamento do consumo de derivados e lançado programas para substituir a fonte de energia ou aumentar sua produção interna. Foram, é verdade, criados o Proálcool, que viria a ser bem-sucedido muitos anos depois, e os contratos de risco, pelos quais companhias privadas nacionais e estrangeiras assumiam a prospecção de petróleo, até então monopólio da Petrobras. Os resultados dos dois programas, como se previa, não foram imediatos, e o racionamento não foi adotado a tempo.

Com boas relações internacionais, a Petrobras continuou a importar o petróleo necessário para tocar a economia, mas a preços exorbitantes, o que levou a déficits constantes na balança comercial e à acumulação de uma impagável dívida externa. Em 1979, houve o segundo choque do petróleo, quando a Revolução Islâmica reduziu drasticamente a produção do Irã, na época um dos maiores fornecedores internacionais. E a cotação do óleo subiu para quase US$ 40.

Para não quebrar, segundo os críticos, o Brasil deveria desaquecer a economia e reduzir importações. Mario Simonsen, ministro da Fazenda de 1974 a 1979, até tentou, mas sem sucesso. Seguiu-se então uma década de flagelo econômico para o país, que enfrentou a superinflação e foi ao FMI em busca de dólares para não dar um calote externo. A crise ajudou até a derrubar a ditadura militar, mas deixou nas mãos do novo regime civil democrático um país quase destruído. A dívida com o FMI, que impunha ao Brasil uma política de austeridade, só foi paga em 2005, no governo Lula.

Essa lembrança serve para mostrar que tempos excepcionais exigem decisões excepcionais, seja para arrocho, seja para expansão da economia. Por desobedecer a esse princípio, o Brasil foi fulminado nos anos 1970 e interrompeu um ciclo de crescimento não retomado até hoje. A crise energética atual não parece tão grave quanto aquela, até porque o petróleo não subiu como na década de 1970. Mas o impacto da covid ainda prevalece, e o inverno europeu que vem aí, sem gás russo, porém, pode jogar pessimismo no ventilador.

O Banco Central, agora independente, não considera a necessidade de medidas excepcionais. Aumentou os juros como se estivéssemos em período de inflação de demanda. De 2% em março de 2021, a Selic foi para 13,75% e pode subir mais amanhã. A inflação média caiu, mas em função da redução dos impostos e dos preços dos combustíveis, não pelo efeito monetário.

Os bancos centrais de outros países olham diferentemente para a atual situação da economia mundial. Na zona do euro, o BCE mantém os juros básicos em 0,75% para uma inflação de 9,1%. Nos EUA, o Fed impõe 2,5%, taxa que deve subir também amanhã para 3% ou até 3,5%, com inflação de 8,3%. São juros altos para o primeiro mundo, mas ainda negativos, porque se pretende evitar uma nova recessão em um momento excepcional.

As políticas fiscais são expansionistas. O governo Biden, depois de pacotes de ajuda trilionários, baixou outro de US$ 430 bilhões agora. O governo alemão aplicará € 65 bilhões para ajudar famílias golpeadas pela inflação e pelas contas de energia. O programa será sustentado por recursos de um imposto excepcional sobre os ganhos inesperados dos produtores de eletricidade.

No Brasil, a 12 dias das eleições, a medida da Alemanha fez candidatos olharem com cobiça para lucros extraordinários obtidos por alguns setores na pandemia. Aliás, o incomparável anuário “Valor 1000” acaba de mostrar que o lucro líquido das mil maiores empresas do país aumentou 266,3% em valores reais em 2021.

O governo Bolsonaro demorou a admitir a excepcionalidade do momento na pandemia, com enfoque negacionista sobre a gravidade da crise - tentou impor a ideia de que seria melhor preservar a economia, mesmo diante da mortandade. Depois, pressionado pela sociedade e em seguida por interesses eleitoreiros, aceitou o aumento do Auxílio Brasil e concedeu benefícios tributários na área de combustíveis. Agora voltou a cortar recursos orçamentários para 2023 na área social, inclusive da Farmácia Popular e Mais Médicos.

A crise atual já deixou sequelas tenebrosas. Mas um benefício dela é a aceitação mundial de que transferências de renda, principalmente em situações excepcionais, são indispensáveis. Elas podem aliviar o sofrimento de milhões de pessoas que vivem na pobreza pelo mundo e, quem sabe, revigorar o capitalismo.

Melancólica desilusão

Por falar em períodos excepcionais, num momento em que fascitoides pedem a volta do regime militar, vale lembrar uma frase de Eugênio Gudin, um dos maiores economistas brasileiros do século XX, ministro da Fazenda no governo Café Filho. Em coluna no “Globo” sob o título “Melancólica desilusão”, em janeiro de 1978, ele escreveu: “Dentre as coisas que eu almejava ver realizadas, antes que a avançada faixa etária a que pertenço chegasse ao desfecho final, figurava a esperança de ver desaparecer o nome de meu país entre os das nações latino-americanas governadas por generais que se revezam no governo, de forma mais ou menos pacífica e endêmica”.

O presidente Ernesto Geisel havia acabado de indicar para sucedê-lo o general João Figueiredo, que ficaria no cargo até 1985. Já nonagenário, Gudin concluiu: “Não tenho evidentemente qualquer possibilidade de ver realizada a minha esperança”.

Mas ele viveu para ver a posse de José Sarney, primeiro presidente civil pós-ditadura. Às vezes divertido, Gudin dizia não gostar de beber água, só vinho. E tinha uma explicação: “Todas as pessoas que morreram tinham uma coisa em comum, bebiam água.” Escreveu seu último artigo no “Globo” em 19 de março de 1986 e morreu em 24 de outubro daquele ano, aos 100 anos.

Nenhum comentário: