Editoriais / Opiniões
Comício infame
O Estado de S. Paulo
Incapaz de sentir compaixão por seus compatriotas, Bolsonaro desrespeita o luto dos britânicos, usa funeral da rainha como palanque e, de quebra, volta a duvidar do sistema eleitoral
A pretexto de atender ao funeral de Estado
da rainha Elizabeth II, o presidente Jair Bolsonaro viajou a Londres para fazer
comício e produzir imagens para sua campanha pela reeleição. Trata-se de
evidente abuso de poder político e econômico, o que impõe a aplicação de uma
punição exemplar pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Não satisfeito,
Bolsonaro ainda ampliou sua extensa folha corrida de crimes de responsabilidade
ao difundir – mais uma vez sem provas – suspeitas sobre a segurança do sistema
eleitoral do País, dizendo que, se ele não ganhar a eleição no primeiro turno,
é porque “algo de anormal aconteceu no TSE”.
Durante essa rápida e infame passagem pela capital do Reino Unido, Bolsonaro envergonhou a grande maioria dos brasileiros, que decerto ainda guarda na alma um senso de decência. Além de usar recursos públicos para fazer campanha eleitoral, o que é expressamente proibido pela lei, Bolsonaro se fez acompanhar de indivíduos que nada têm a ver com a missão de Estado que lhe cabia desempenhar, mas têm tudo a ver com sua campanha eleitoral. Interessado em transformar a eleição numa “guerra santa”, Bolsonaro levou um líder evangélico e um padre. Já em Londres, Michelle Bolsonaro levou a tiracolo um influenciador digital que aproveitou para fazer propaganda, nas redes sociais, dos produtos usados pela primeira-dama – afinal, diante de um presidente capaz de fazer comício num funeral, que mal há em fazer marketing com o luto?
O contraste com outro funeral importante, o
do líder sul-africano Nelson Mandela, é gritante. Em 2013, a então presidente,
Dilma Rousseff, para enfatizar que se tratava de uma missão de Estado, levou em
sua comitiva os ex-presidentes Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, José
Sarney e Fernando Collor.
Enfrentando uma rejeição proibitiva para um
incumbente que tenta a reeleição, Bolsonaro achou que era o caso de usar o
funeral da rainha para tentar transmitir a imagem de um governante estimado
pela chamada comunidade internacional. Na verdade, ao se comportar como um
aproveitador, Bolsonaro só logrou aprofundar o sentimento de comiseração que o
mundo civilizado passou a nutrir pelo Brasil desde que ele tomou posse.
Da sacada da residência oficial do
embaixador do Brasil, no bairro londrino de Mayfair, Bolsonaro se dirigiu a um
pequeno grupo de apoiadores prometendo se opor ao que chama de avanço da
“ideologia de gênero”, da “ideologia do aborto” e da “ameaça comunista”. De
quebra, ignorando completamente o motivo oficial da visita, foi a um posto de
combustíveis em Londres para mostrar que a gasolina ali é mais cara do que no
Brasil, o que seria um feito de seu governo. Mas a tosca propaganda eleitoral –
que, enfatize-se, usou recursos públicos – obviamente não levou em conta o
poder de compra de cada país: no Brasil, abastecer com cerca de 50 litros custa
22% de um salário mínimo; no Reino Unido, custa menos de 6% do piso salarial
britânico.
Questionado por jornalistas sobre o óbvio
uso da viagem para fins eleitorais, Bolsonaro se irritou, mandou os repórteres
fazerem “uma pergunta decente”, virou as costas e encerrou a entrevista.
Em países democráticos, uma das regras mais
elementares das disputas eleitorais é a igualdade de condições entre os
candidatos. No Brasil, tanto a Constituição como a Lei Eleitoral dispõem de
normas muito bem definidas para garantir que candidatos que detêm mandatos
eletivos não abusem do poder político e econômico de seus cargos a fim de obter
vantagens indevidas em relação aos adversários. Bolsonaro tem obliterado
impunemente cada um desses anteparos republicanos. Até quando?
No Twitter, o presidente se apropriou de
uma fala do arcebispo da Cantuária durante a cerimônia em memória da rainha
Elizabeth II para continuar fazendo campanha e transmitir a ideia segundo a
qual é um “servo” do povo brasileiro. “Aqueles que servem serão amados e
recordados. Aqueles que se apegam ao poder e aos privilégios serão esquecidos.”
Esquecido Bolsonaro seguramente não será.
Haverá de ser lembrado como um dos presidentes mais indignos que já governaram
o Brasil.
Tempo de ideias extravagantes
O Estado de S. Paulo
É difícil entender por que, nas vésperas da eleição presidencial, o governo federal estuda mudanças na gestão das reservas internacionais, que são especialmente sensíveis para o câmbio
De repente, a cerca de três semanas do
primeiro turno da eleição presidencial, as reservas internacionais do País
foram trazidas de volta às páginas dos jornais. Segundo as informações, o
governo estuda a adoção de meta para o volume das reservas. O total, de pouco
menos de US$ 340 bilhões, vem caindo desde setembro do ano passado, quando
alcançou US$ 370 bilhões, mas continua elevado e mantém o País em situação
bastante confortável no front externo. É estranho que tema de forte impacto
imediato e também de médio e longo prazos em importantes indicadores da
economia seja trazido à discussão neste momento. Deveriam os agentes econômicos
se preparar para alguma medida intempestiva e de natureza eleitoral numa área
tão sensível?
O objetivo do governo seria reduzir a
volatilidade da taxa de câmbio. Dessa taxa dependem todos os preços em reais
dos bens exportados ou importados. Nos últimos meses, a cotação do dólar teve
papel destacado na variação de preços como os dos derivados de petróleo e dos
alimentos, que foram igualmente pressionados pelos preços internacionais desses
bens.
Em resumo, a meta balizaria a política cambial
do Banco Central (BC). Quando as reservas ficassem acima da meta, sinalizariam
excessiva desvalorização do real, levando o Banco Central a vender ativos
internacionais. Se a sinalização for de real valorizado, com as reservas abaixo
da meta, a autoridade monetária compraria dólares.
Os que defendem essa política alegam que,
com ela, haveria maior previsibilidade sobre a trajetória da taxa de câmbio. Os
que a criticam observam que a fixação de meta imporia limites visíveis à
atuação do Banco Central, abrindo espaço para operações especulativas do
mercado contra a autoridade monetária – e daí resultando maior volatilidade, ao
contrário do objetivo que em tese essa política de meta estaria buscando.
Hoje, o Banco Central dispõe de diversos
instrumentos para atuar no mercado de câmbio sempre que julgar necessário. A
fixação de meta pode restringir o uso desses instrumentos, destinados a conter
a volatilidade, por meio de ação no sentido contrário ao praticado pelo
mercado. Com a meta, haveria o risco de ação do BC estimular a tendência do
mercado, ampliando a instabilidade. Num caso mais grave, quando as reservas
estivessem abaixo da meta e num quadro de turbulência, o Banco Central passaria
a ser comprador de moeda forte no momento de escassez no mercado, valorizando-a
ainda mais.
Há cerca de 20 anos, superadas as crises da
dívida externa, o Brasil mantinha reservas de cerca de US$ 30 bilhões. Esse
montante foi aumentado nos anos seguintes, tendo passado de US$ 100 bilhões no
início de 2007, de US$ 200 bilhões em junho de 2008 e de US$ 300 bilhões no
início de 2011, até alcançar o pico de US$ 388 bilhões em junho de 2019. Tem se
mantido acima de US$ 300 bilhões desde então. É um volume suficiente para
mostrar a capacidade de intervenção do BC no mercado, o que tende a mantê-lo
mais calmo.
A grande questão é definir qual o nível
ideal de reservas para a fixação da meta. O governo não parece ter ideia muito
precisa disso. Já defendeu a venda de reservas até como opção para reduzir a
dívida pública. Isso leva alguns analistas financeiros do setor privado a temer
que a mudança na política de gestão das reservas leve à adoção de medidas nessa
direção ou à facilitação da flexibilização do teto de gastos.
Garantia financeira em moeda forte, as
reservas internacionais “funcionam como uma espécie de seguro para o País fazer
frente às suas obrigações no exterior e a choques de natureza externa, tais
como crises cambiais e interrupções nos fluxos de capital para o País”, como
resume o Banco Central. O volume expressivo mantido atualmente tem assegurado
tranquilidade na área externa. Há, decerto, um custo financeiro na manutenção
de um nível elevado de reservas, que é a diferença entre as taxas de juros
internas (a Selic está em 13,75% ao ano) e as externas (de 2,25% a 2,50% ao
ano). Mas não parece ser esse o motivo da mudança em estudo pelo governo.
Reação lenta de um país fora do ritmo
O Estado de S. Paulo
Prévia do PIB confirma continuação da retomada econômica, mas inferior à média mundial e com indústria fraca
A lenta recuperação econômica prosseguiu em
julho, com avanço de 0,6% sobre junho e de 2,5% em 12 meses, puxada pelos
serviços, segundo o Monitor do PIB-FGV, a mais detalhada prévia das contas
nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esses
números podem sustentar a esperança de um crescimento próximo de 3% em 2022,
insuficiente para tornar menos pífio o balanço do mandato do presidente Jair
Bolsonaro. Pouco antes de publicada a nova edição do Monitor, o Banco
Central divulgou as últimas projeções do mercado, resumidas na pesquisa Focus.
Pela mediana das estimativas, o PIB aumentará 2,65% neste ano, 0,50% em 2023 e
1,70% em 2024.
A economia brasileira cresceu em média
0,59% entre 2019 e 2021, enquanto a produção mundial aumentou em média 1,54%,
de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). No ranking de crescimento
de 50 nações, o Brasil ficou em 32.º lugar. Se o crescimento brasileiro atingir
2,9% neste ano, hipótese mais favorável que a do mercado, a expansão global
ainda poderá ser superior, alcançando 3,2%, segundo cenário construído pelo
economista Sérgio Gobetti para o Estadão.
Enquanto esses números eram conhecidos
pelos leitores, no domingo, o presidente Jair Bolsonaro aproveitava sua viagem
a Londres, oficialmente motivada pelo funeral da rainha Elizabeth II, para um
comício eleitoral e para novas palavras de suspeita sobre a eleição de outubro.
Só haverá sinais de lisura, segundo o presidente, se ele for vitorioso no
primeiro turno. Até agora, a vitória de seu principal oponente foi apontada
como o resultado mais provável pela maior parte das pesquisas.
Por enquanto, o presidente Bolsonaro só se
distingue, interna e externamente, por seus ataques ao Judiciário, pelo
desapreço às instituições, pela tolerância à devastação ambiental, pelas
manifestações de desprezo à ciência, à cultura e à saúde pública, pelos
desacertos diplomáticos e pela desastrosa gestão econômica, a pior desde a
recessão deixada pela petista Dilma Rousseff.
De fato, mal se pode falar da existência de
uma política econômica em quase quatro anos de mandato. As ações contracíclicas
na fase inicial da pandemia foram semelhantes, em vários aspectos, àquelas
observadas em cerca de uma centena de outros países. Nunca houve, no entanto,
definição de metas de crescimento de médio e de longo prazos, nem projetos e
programas de modernização produtiva, nem fixação de prioridades sociais.
Ao assumir o posto, em 2019, o presidente já encontrou uma agropecuária vigorosa e em continuada expansão. Nenhuma contribuição notável foi feita, a partir daí, para o progresso do setor. Em contrapartida, Bolsonaro favoreceu o protecionismo europeu ao manchar, com ações antiecológicas, a imagem do agronegócio brasileiro. Uma necessidade evidente, a recuperação da indústria, nunca foi enfrentada nestes anos. Em 12 meses, segundo o Monitor, a produção industrial cresceu apenas 0,1%. Nada menos surpreendente, numa gestão como a do presidente Bolsonaro e de sua equipe.
Mais uma vez, Bolsonaro envergonha o Brasil
no exterior
O Globo
Presidente transforma viagem para funeral de Elizabeth II em palanque de sua campanha presidencial
Nem o mais ferrenho crítico do
presidente Jair
Bolsonaro poderá dizer que ele é imprevisível. Antes de decolar
rumo, primeiro, ao Reino Unido,
para o funeral da rainha
Elizabeth II, em seguida para Nova York, onde participa hoje da
abertura da Assembleia Geral da ONU, seus assessores sonhavam projetar a imagem
do presidente como um estadista, com a ajuda de vídeos ao lado de outros chefes
de Estado. A compostura daria o tom “presidencial” ao presidente. A ilusão não
demorou a se dissipar.
Bolsonaro provou, mais uma vez, ser incapaz de mudar sua conduta. Horas depois de chegar a Londres no domingo, foi para a sacada da residência do embaixador brasileiro fazer discurso de campanha para um grupo de apoiadores que o esperava. Como se estivesse no Brasil, não num país em luto pela morte de uma monarca admirada por seus súditos, repisou sua agenda: combate às drogas, oposição à legalização do aborto, à “ideologia de gênero” etc. Ontem voltou a atacar o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o Supremo Tribunal Federal (STF). Jornais locais e agências de notícias internacionais registraram a transformação de um momento que exigiria contrição e respeito num palanque em busca de votos.
Aproveitar a política internacional para
reforçar o apoio interno é uma estratégia usada por diferentes presidentes e
primeiros-ministros há muito tempo. A maneira como os Estados Unidos definem as
relações com Cuba é há décadas influenciada pelo peso político da comunidade
latina, principalmente no estado da Flórida. O erro de Bolsonaro em Londres foi
ter desconsiderado o ambiente. Trata-se, afinal, de um cerimônia fúnebre. Os
poucos apoiadores que o esperavam em frente à residência do embaixador
certamente teriam ficado satisfeitos com um aceno. Mas circunspecção não é algo
que se possa esperar de Bolsonaro.
Em Nova York, ele não manterá reunião
bilateral com nenhum chefe de Estado de país expressivo. Faz tempo que se
tornou radioativo pelas grosserias que comete (caso das ofensas à mulher do
presidente francês, Emmanuel Macron), pela devastação da Amazônia e por ser
visto como ameaça à democracia no maior país da América Latina.
A diplomacia busca beneficiar o país ao
cumprir determinados objetivos previamente estabelecidos. Faz isso com base em
persuasão e pressão sobre diversos protagonistas da cena internacional,
trabalho diário dos diplomatas que representam o Brasil no exterior. A
diplomacia presidencial, dependendo de quem ocupe o cargo, pode ser uma arma
potente de representação simbólica ao personalizar a política de Estado. Quando
bem feita, capta a atenção da opinião pública internacional para temas
positivos da agenda brasileira. Fernando Henrique Cardoso e Lula souberam fazer
isso com competência. Dilma Rousseff foi abaixo da média. Bolsonaro é um
desastre.
Produtividade pífia deveria ser tema da campanha
eleitoral
O Globo
Em quatro décadas, economia foi incapaz de
reagir no indicador decisivo para desenvolvimento do país
Em suas propostas de governo, os candidatos
à Presidência têm falado muito em geração de emprego e crescimento. Mas o
desafio mais relevante para a economia brasileira é outro: chama-se
produtividade. Tem sido crônica, na nossa História, a ocupação de enormes
contingentes da população em atividades com baixíssima capacidade de gerar
riqueza, fator que contribui para agravar a pobreza e a desigualdade. De acordo
com os números compilados pelo Observatório de Produtividade Regis Bonelli, da
Fundação Getulio Vargas (FGV), a produtividade da economia brasileira cresceu
mísero 0,4% anual entre 1982 e 2019.
O motivo tradicionalmente associado a esse
desempenho vergonhoso é a formação deficiente da mão de obra, que faz do Brasil
um país onde faltam profissionais qualificados para ocupações produtivas,
enquanto proliferam cobradores de ônibus, ascensoristas, porteiros,
empacotadores, flanelinhas e tantas outras atividades que não existem mais em
países desenvolvidos.
Nesse quesito, contudo, os resultados até
que não foram os piores. A produtividade do trabalho cresceu 0,6% ao ano, com
picos de 1,6% entre 2001 e 2010 e de 1,2% antes da recessão de 2014. Desde
então ela tem recuado, mesmo assim sempre se manteve acima da produtividade da
economia no período de quase quatro décadas. O resultado pode ser explicado
pela ampliação do tempo de estudo (de 3,5 anos na década de 1980 para quase
nove em 2010) e da população com nível superior, que alcançou 22,2% neste ano.
Em contrapartida, a produtividade do
capital — relativa a novas fábricas, máquinas e infraestrutura — simplesmente
não cresceu em 40 anos. Entre os motivos da estagnação, dois se destacam.
Primeiro, a barafunda tributária incentiva escolhas improdutivas e aumenta o
custo de investimento. É comum empresas preferirem deixar de crescer ou
alocarem recursos em atividades que geram menos renda, só para não abrir mão
dos regimes especiais de tributação que infestam a economia.
O segundo motivo é a intromissão recorrente
do setor público onde não deveria. São inúmeros os projetos, obras de
infraestrutura e delírios considerados “estratégicos” pelas diferentes versões
do desenvolvimentismo que volta e meia assumem o poder no Brasil. Não é
coincidência que a produtividade do capital tenha desabado com o desastrado
Programa de Aceleração do Crescimento do governo Dilma Rousseff e com as
dezenas de refinarias, hidrelétricas e outros projetos economicamente
catastróficos. Capital mal alocado gera baixa produtividade.
Um terceiro componente, chamado
“produtividade total dos fatores”, avalia a eficiência da interação entre
capital e trabalho. É uma medida de modernização tecnológica, técnicas de
produção, melhoras no ambiente jurídico, de negócios etc. Como sempre dispôs de
mão de obra abundante e barata, o Brasil nunca se destacou nesse quesito.
Somos uma economia de capital escasso, que tradicionalmente cresce à base da força bruta, pondo mais gente para trabalhar mais horas. Infelizmente, o bônus demográfico que garantiu o crescimento da população economicamente ativa está perto do fim. Será preciso crescer com inteligência. Gerar mais riqueza com menos capital e menos horas de trabalho. Os meios para isso são conhecidos: educação, tecnologia, um ambiente favorável às empresas e acolhedor aos investimentos. A classe política já deveria ter acordado.
Colapso educacional
Folha de S. Paulo
Exame indica regressão trágica no ensino
básico, que exige esforço federativo
Após quase dois anos de escolas fechadas e
ensino a distância precário e desigual, era esperado que o resultado da
avaliação nacional dos estudantes do ensino básico fosse ruim. O conjunto de
indícios e indicadores de 2021, afinal
conhecido, sugere um desastre a ser tratado como emergência em uma
situação já cronicamente grave.
A avaliação foi prejudicada pela queda da
participação dos estudantes e escolas no exame do Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Básica (Saeb), realizado a cada dois anos. Por si, o fenômeno
sugere uma espécie de desligamento da escola —abandono dos estudos, desalento
ou falta de condições quaisquer para fazer a prova.
Essa abstenção dificulta comparações com o
desempenho em anos anteriores. Feita a ressalva, os resultados
parecem aterradores.
No caso do segundo ano do ensino
fundamental, o Saeb realizou um exame com apenas uma amostra dos estudantes; no
quinto e no nono ano do fundamental e do final do ensino médio, a avaliação se
pretende censitária. Como ressaltado pelo instituto Todos pela Educação,
verificou-se que um terço dos avaliados é incapaz de ler palavras isoladas em
um texto.
Em certas disciplinas e séries, houve
regressões de anos no nível de aprendizado, como se fosse perdido mesmo o
pequeno, mas regular, progresso de uma década.
O diagnóstico preciso do prejuízo será,
mais do que nunca, trabalho de investigação detalhada de cenários locais.
Quanto aos esforços para atenuar a catástrofe, urge também uma iniciativa
nacional.
Não se trata de retórica. A educação básica
é da alçada de cidades e estados, porém o financiamento desses níveis de ensino
tem complementação federal. Agora, de modo tardio, é preciso que se realize um
esforço federativo a fim de alertar para a gravidade do problema, identificar
os auxílios necessários e coordenar ações.
É uma crise nacional, um subproduto da
epidemia, mas também da desigualdade crônica e de descaso secular com a escola.
Como agravante, o Ministério da Educação está em ruínas depois dos anos de
convulsão ideológica e administrativa de Jair Bolsonaro (PL).
É uma emergência, embora se saiba que
avanços na educação tendam a ser lentos. A indiferença em relação ao colapso de
2020-21 pode prejudicar uma geração.
Trata-se também de um assunto de presidente
da República, que deveria se dirigir de modo solene ao país e convocar um plano
de recuperação, e de Congresso Nacional —ainda que as soluções devam ser locais
e descentralizadas.
O tema, contudo, não está no centro dos
debates desta campanha eleitoral, até aqui muito pobre de conteúdo
programático.
A eterna reforma
Folha de S. Paulo
Candidatos pregam redesenho tributário, no
qual consenso se desfaz nos detalhes
Se há bandeira a unir esquerda, centro e
direita em todas as eleições presidenciais, trata-se da reforma ampla do
sistema nacional de impostos e contribuições sociais —que, a despeito de tanto
apoio declarado, pouco avançou até aqui.
Desta vez, os quatro candidatos mais bem
colocados nas pesquisas apresentam as mesmas linhas
principais a orientar as mudanças pretendidas. Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) falam em
simplificar a tributação do consumo e em alterar a cobrança do Imposto de
Renda.
Todos partem de um diagnóstico geral amadurecido
ao longo de três décadas de debates, o qual
esta Folha endossa: no Brasil, a taxação de mercadorias e
serviços, além de excessiva, é regida por uma legislação labiríntica e
irracional que abarca cinco grandes tributos (PIS, Cofins e IPI, federais,
ICMS, estadual, e ISS, municipal).
Tal anomalia sabota a eficiência
empresarial e encarece produtos, penalizando sobretudo os mais pobres. Ao mesmo
tempo, a tributação direta da renda, em especial nas faixas mais elevadas, é
relativamente baixa para padrões globais.
A experiência mostra, porém, que os
consensos em torno da reforma tributária se desfazem à medida que se desce aos
detalhes.
Setores hoje menos onerados ou que contam
com regimes especiais rejeitam a ideia de uma cobrança uniforme sobre os
produtos; estados e municípios resistem a abrir mão da autonomia na definição
de seus impostos e demandam compensações por perdas; categorias com grande
poder de pressão sobre o Congresso rejeitam mais IR.
Não parece clara, ademais, qual a melhor
estratégia para levar adiante a reforma. O governo Bolsonaro preferiu
apresentar propostas localizadas, em vez de tentar uma mudança ampla, mas nem
mesmo conseguiu que o Congresso aprovasse um projeto de lei razoável para a
tributação de dividendos.
A agravar o quadro, o Planalto ignorou a
meta de eliminar subsídios para promover um corte eleitoreiro
de impostos —de fato excessivos— sobre combustíveis e energia. A taxação do
consumo ficou ainda mais cheia de discrepâncias.
É possível que a própria necessidade de repensar a intervenção apressada sirva de estímulo a um redesenho mais ambicioso do modelo. Em qualquer hipótese, o avanço dependerá da convicção, da liderança e da capacidade de negociação do vencedor das eleições.
Desastres na educação durante a pandemia
Valor Econômico
Os bons resultados das escolas em tempo
integral confirmam que essa é uma política adequada para incentivar a
aprendizagem
Dados divulgados pelo governo federal na
semana passada confirmaram o que já se temia: o período da pandemia foi um
desastre para a educação. Os resultados do Sistema de Avaliação da Educação
Básica (Saeb) e do Índice de Desenvolvimento da Educação Brasileira (Ideb),
informados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacionais Anísio
Teixeira (Inep), ligado ao Ministério da Educação (MEC), mostraram que a
aprendizagem recuou em todos as fases escolares em 2021, voltando até meados da
década passada em alguns casos.
O Brasil foi um dos países que mais tempo
ficou com as escolas fechadas em consequência do atraso do governo em comprar
vacinas e dispor de doses suficientes para toda a população, de modo a garantir
a segurança sanitária de professores e estudantes. As atividades presenciais
nas escolas só foram retomadas no segundo semestre do ano passado e, ainda
assim, em esquema de rodízio de alunos no início. Houve falha também na
organização do ensino remoto, alternativa à qual se apelou em um primeiro
momento. Sem apoio do governo federal na instalação de infraestrutura de redes
de internet e disposição de equipamentos para a conectividade dos alunos, a
oferta foi bastante desigual.
Isso trouxe consequências negativas
previsíveis para o ensino, refletidas agora no Saeb. Realizado a cada dois anos
desde 1990, o mais recente exame cobriu exatamente o período da pandemia. Pelo
Saeb, são aplicadas provas de língua portuguesa e matemática a estudantes do
quinto e do nono anos do ensino fundamental e do terceiro ano do ensino médio.
Em sistema amostral, aferiu também alunos do segundo grau, faixa em que foram
registradas as maiores perdas. A nota média desses estudantes, em fase de
alfabetização, despencou 24,5 pontos para 725,5 pontos em comparação a 2019.
Nessa fase, as crianças já deveriam saber ler e escrever plenamente, mas muitas
não conseguem ainda localizar uma informação explícita em texto de duas linhas.
Houve perdas também nas outras faixas
etárias. A maior delas ocorreu em matemática entre os alunos do quinto ano do
ensino fundamental, que recuaram para o patamar de 2013 e não conseguem
resolver problemas como adição e subtração de cédulas e moedas, em reais, ou
converter uma hora em minutos. Mais de um terço deles não identifica figuras
geométricas como triângulo ou círculo. A nota dessa faixa na disciplina caiu
quase 5% para 216,85 pontos. Em língua portuguesa, a perda foi menor, de 3%
para 208,01, equivalente a meio ano de aprendizado.
Nos anos finais do ensino fundamental (nono
ano), a queda em matemática foi de 2,5% para 258,64; e ficou praticamente
estável em língua portuguesa, com 260,41 pontos, mas indica que os alunos não
conseguiriam reconhecer opiniões distintas sobre o mesmo assunto em
reportagens, contos e enquetes. No ensino médio, a nota de matemática caiu 2,7%
para 271; e a de língua portuguesa, 1,3% para 275,97 pontos.
Já os resultados do Ideb, que combinam as
notas do Saeb com a taxa de aprovação dos estudantes, foram comprometidos pela
orientação do Conselho Nacional de Educação (CNE) de aprovar automaticamente os
alunos para evitar desestimular os alunos. Por esse motivo, o resultado ficou
distorcido. Mesmo nesse cenário catastrófico, a nota do Ideb apenas recuou, e
ainda assim ligeiramente, nos anos iniciais do ensino fundamental, de 5,9 antes
da pandemia para 5,8. Nos anos finais do fundamental, até subiu, de 4,9 para
5,1 pontos; e ficou estável em 4,2 pontos no ensino médio.
Outro problema desses testes em períodos
excepcionais foi a baixa na participação dos alunos, com queda de 10 pontos
percentuais, para cerca de 71%. No caso do ensino médio, foi de apenas 61,4% em
comparação com 75,6% antes da pandemia, percentual já considerado usualmente o
menor entre as faixas de alunos examinados. Também afetado pela interferência
política, o Inep vem passando tempos turbulentos no governo de Bolsonaro e isso
contribuiu para o atraso na distribuição das provas, aplicadas entre outubro e
novembro de 2021, o que influenciou negativamente na participação das escolas.
Apesar disso, as provas do Ideb e Saeb
trazem valiosas lições. Uma delas é a limitação do homeschooling, defendido
pelo governo Bolsonaro, como ficou evidente nas deficiências apresentadas pelo
ensino remoto, especialmente na fase de alfabetização. Do lado positivo, os
bons resultados das escolas em tempo integral confirmam que essa é uma política
adequada para incentivar a aprendizagem.
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