terça-feira, 20 de setembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Comício infame

O Estado de S. Paulo

Incapaz de sentir compaixão por seus compatriotas, Bolsonaro desrespeita o luto dos britânicos, usa funeral da rainha como palanque e, de quebra, volta a duvidar do sistema eleitoral

A pretexto de atender ao funeral de Estado da rainha Elizabeth II, o presidente Jair Bolsonaro viajou a Londres para fazer comício e produzir imagens para sua campanha pela reeleição. Trata-se de evidente abuso de poder político e econômico, o que impõe a aplicação de uma punição exemplar pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Não satisfeito, Bolsonaro ainda ampliou sua extensa folha corrida de crimes de responsabilidade ao difundir – mais uma vez sem provas – suspeitas sobre a segurança do sistema eleitoral do País, dizendo que, se ele não ganhar a eleição no primeiro turno, é porque “algo de anormal aconteceu no TSE”.

Durante essa rápida e infame passagem pela capital do Reino Unido, Bolsonaro envergonhou a grande maioria dos brasileiros, que decerto ainda guarda na alma um senso de decência. Além de usar recursos públicos para fazer campanha eleitoral, o que é expressamente proibido pela lei, Bolsonaro se fez acompanhar de indivíduos que nada têm a ver com a missão de Estado que lhe cabia desempenhar, mas têm tudo a ver com sua campanha eleitoral. Interessado em transformar a eleição numa “guerra santa”, Bolsonaro levou um líder evangélico e um padre. Já em Londres, Michelle Bolsonaro levou a tiracolo um influenciador digital que aproveitou para fazer propaganda, nas redes sociais, dos produtos usados pela primeira-dama – afinal, diante de um presidente capaz de fazer comício num funeral, que mal há em fazer marketing com o luto?

O contraste com outro funeral importante, o do líder sul-africano Nelson Mandela, é gritante. Em 2013, a então presidente, Dilma Rousseff, para enfatizar que se tratava de uma missão de Estado, levou em sua comitiva os ex-presidentes Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Fernando Collor.

Enfrentando uma rejeição proibitiva para um incumbente que tenta a reeleição, Bolsonaro achou que era o caso de usar o funeral da rainha para tentar transmitir a imagem de um governante estimado pela chamada comunidade internacional. Na verdade, ao se comportar como um aproveitador, Bolsonaro só logrou aprofundar o sentimento de comiseração que o mundo civilizado passou a nutrir pelo Brasil desde que ele tomou posse.

Da sacada da residência oficial do embaixador do Brasil, no bairro londrino de Mayfair, Bolsonaro se dirigiu a um pequeno grupo de apoiadores prometendo se opor ao que chama de avanço da “ideologia de gênero”, da “ideologia do aborto” e da “ameaça comunista”. De quebra, ignorando completamente o motivo oficial da visita, foi a um posto de combustíveis em Londres para mostrar que a gasolina ali é mais cara do que no Brasil, o que seria um feito de seu governo. Mas a tosca propaganda eleitoral – que, enfatize-se, usou recursos públicos – obviamente não levou em conta o poder de compra de cada país: no Brasil, abastecer com cerca de 50 litros custa 22% de um salário mínimo; no Reino Unido, custa menos de 6% do piso salarial britânico.

Questionado por jornalistas sobre o óbvio uso da viagem para fins eleitorais, Bolsonaro se irritou, mandou os repórteres fazerem “uma pergunta decente”, virou as costas e encerrou a entrevista.

Em países democráticos, uma das regras mais elementares das disputas eleitorais é a igualdade de condições entre os candidatos. No Brasil, tanto a Constituição como a Lei Eleitoral dispõem de normas muito bem definidas para garantir que candidatos que detêm mandatos eletivos não abusem do poder político e econômico de seus cargos a fim de obter vantagens indevidas em relação aos adversários. Bolsonaro tem obliterado impunemente cada um desses anteparos republicanos. Até quando?

No Twitter, o presidente se apropriou de uma fala do arcebispo da Cantuária durante a cerimônia em memória da rainha Elizabeth II para continuar fazendo campanha e transmitir a ideia segundo a qual é um “servo” do povo brasileiro. “Aqueles que servem serão amados e recordados. Aqueles que se apegam ao poder e aos privilégios serão esquecidos.”

Esquecido Bolsonaro seguramente não será. Haverá de ser lembrado como um dos presidentes mais indignos que já governaram o Brasil.

Tempo de ideias extravagantes

O Estado de S. Paulo

É difícil entender por que, nas vésperas da eleição presidencial, o governo federal estuda mudanças na gestão das reservas internacionais, que são especialmente sensíveis para o câmbio

De repente, a cerca de três semanas do primeiro turno da eleição presidencial, as reservas internacionais do País foram trazidas de volta às páginas dos jornais. Segundo as informações, o governo estuda a adoção de meta para o volume das reservas. O total, de pouco menos de US$ 340 bilhões, vem caindo desde setembro do ano passado, quando alcançou US$ 370 bilhões, mas continua elevado e mantém o País em situação bastante confortável no front externo. É estranho que tema de forte impacto imediato e também de médio e longo prazos em importantes indicadores da economia seja trazido à discussão neste momento. Deveriam os agentes econômicos se preparar para alguma medida intempestiva e de natureza eleitoral numa área tão sensível?

O objetivo do governo seria reduzir a volatilidade da taxa de câmbio. Dessa taxa dependem todos os preços em reais dos bens exportados ou importados. Nos últimos meses, a cotação do dólar teve papel destacado na variação de preços como os dos derivados de petróleo e dos alimentos, que foram igualmente pressionados pelos preços internacionais desses bens.

Em resumo, a meta balizaria a política cambial do Banco Central (BC). Quando as reservas ficassem acima da meta, sinalizariam excessiva desvalorização do real, levando o Banco Central a vender ativos internacionais. Se a sinalização for de real valorizado, com as reservas abaixo da meta, a autoridade monetária compraria dólares.

Os que defendem essa política alegam que, com ela, haveria maior previsibilidade sobre a trajetória da taxa de câmbio. Os que a criticam observam que a fixação de meta imporia limites visíveis à atuação do Banco Central, abrindo espaço para operações especulativas do mercado contra a autoridade monetária – e daí resultando maior volatilidade, ao contrário do objetivo que em tese essa política de meta estaria buscando.

Hoje, o Banco Central dispõe de diversos instrumentos para atuar no mercado de câmbio sempre que julgar necessário. A fixação de meta pode restringir o uso desses instrumentos, destinados a conter a volatilidade, por meio de ação no sentido contrário ao praticado pelo mercado. Com a meta, haveria o risco de ação do BC estimular a tendência do mercado, ampliando a instabilidade. Num caso mais grave, quando as reservas estivessem abaixo da meta e num quadro de turbulência, o Banco Central passaria a ser comprador de moeda forte no momento de escassez no mercado, valorizando-a ainda mais.

Há cerca de 20 anos, superadas as crises da dívida externa, o Brasil mantinha reservas de cerca de US$ 30 bilhões. Esse montante foi aumentado nos anos seguintes, tendo passado de US$ 100 bilhões no início de 2007, de US$ 200 bilhões em junho de 2008 e de US$ 300 bilhões no início de 2011, até alcançar o pico de US$ 388 bilhões em junho de 2019. Tem se mantido acima de US$ 300 bilhões desde então. É um volume suficiente para mostrar a capacidade de intervenção do BC no mercado, o que tende a mantê-lo mais calmo.

A grande questão é definir qual o nível ideal de reservas para a fixação da meta. O governo não parece ter ideia muito precisa disso. Já defendeu a venda de reservas até como opção para reduzir a dívida pública. Isso leva alguns analistas financeiros do setor privado a temer que a mudança na política de gestão das reservas leve à adoção de medidas nessa direção ou à facilitação da flexibilização do teto de gastos.

Garantia financeira em moeda forte, as reservas internacionais “funcionam como uma espécie de seguro para o País fazer frente às suas obrigações no exterior e a choques de natureza externa, tais como crises cambiais e interrupções nos fluxos de capital para o País”, como resume o Banco Central. O volume expressivo mantido atualmente tem assegurado tranquilidade na área externa. Há, decerto, um custo financeiro na manutenção de um nível elevado de reservas, que é a diferença entre as taxas de juros internas (a Selic está em 13,75% ao ano) e as externas (de 2,25% a 2,50% ao ano). Mas não parece ser esse o motivo da mudança em estudo pelo governo.

Reação lenta de um país fora do ritmo

O Estado de S. Paulo

Prévia do PIB confirma continuação da retomada econômica, mas inferior à média mundial e com indústria fraca

A lenta recuperação econômica prosseguiu em julho, com avanço de 0,6% sobre junho e de 2,5% em 12 meses, puxada pelos serviços, segundo o Monitor do PIB-FGV, a mais detalhada prévia das contas nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esses números podem sustentar a esperança de um crescimento próximo de 3% em 2022, insuficiente para tornar menos pífio o balanço do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Pouco antes de publicada a nova edição do Monitor, o Banco Central divulgou as últimas projeções do mercado, resumidas na pesquisa Focus. Pela mediana das estimativas, o PIB aumentará 2,65% neste ano, 0,50% em 2023 e 1,70% em 2024.

A economia brasileira cresceu em média 0,59% entre 2019 e 2021, enquanto a produção mundial aumentou em média 1,54%, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). No ranking de crescimento de 50 nações, o Brasil ficou em 32.º lugar. Se o crescimento brasileiro atingir 2,9% neste ano, hipótese mais favorável que a do mercado, a expansão global ainda poderá ser superior, alcançando 3,2%, segundo cenário construído pelo economista Sérgio Gobetti para o Estadão.

Enquanto esses números eram conhecidos pelos leitores, no domingo, o presidente Jair Bolsonaro aproveitava sua viagem a Londres, oficialmente motivada pelo funeral da rainha Elizabeth II, para um comício eleitoral e para novas palavras de suspeita sobre a eleição de outubro. Só haverá sinais de lisura, segundo o presidente, se ele for vitorioso no primeiro turno. Até agora, a vitória de seu principal oponente foi apontada como o resultado mais provável pela maior parte das pesquisas.

Por enquanto, o presidente Bolsonaro só se distingue, interna e externamente, por seus ataques ao Judiciário, pelo desapreço às instituições, pela tolerância à devastação ambiental, pelas manifestações de desprezo à ciência, à cultura e à saúde pública, pelos desacertos diplomáticos e pela desastrosa gestão econômica, a pior desde a recessão deixada pela petista Dilma Rousseff.

De fato, mal se pode falar da existência de uma política econômica em quase quatro anos de mandato. As ações contracíclicas na fase inicial da pandemia foram semelhantes, em vários aspectos, àquelas observadas em cerca de uma centena de outros países. Nunca houve, no entanto, definição de metas de crescimento de médio e de longo prazos, nem projetos e programas de modernização produtiva, nem fixação de prioridades sociais.

Ao assumir o posto, em 2019, o presidente já encontrou uma agropecuária vigorosa e em continuada expansão. Nenhuma contribuição notável foi feita, a partir daí, para o progresso do setor. Em contrapartida, Bolsonaro favoreceu o protecionismo europeu ao manchar, com ações antiecológicas, a imagem do agronegócio brasileiro. Uma necessidade evidente, a recuperação da indústria, nunca foi enfrentada nestes anos. Em 12 meses, segundo o Monitor, a produção industrial cresceu apenas 0,1%. Nada menos surpreendente, numa gestão como a do presidente Bolsonaro e de sua equipe.

Mais uma vez, Bolsonaro envergonha o Brasil no exterior

O Globo

Presidente transforma viagem para funeral de Elizabeth II em palanque de sua campanha presidencial

Nem o mais ferrenho crítico do presidente Jair Bolsonaro poderá dizer que ele é imprevisível. Antes de decolar rumo, primeiro, ao Reino Unido, para o funeral da rainha Elizabeth II, em seguida para Nova York, onde participa hoje da abertura da Assembleia Geral da ONU, seus assessores sonhavam projetar a imagem do presidente como um estadista, com a ajuda de vídeos ao lado de outros chefes de Estado. A compostura daria o tom “presidencial” ao presidente. A ilusão não demorou a se dissipar.

Bolsonaro provou, mais uma vez, ser incapaz de mudar sua conduta. Horas depois de chegar a Londres no domingo, foi para a sacada da residência do embaixador brasileiro fazer discurso de campanha para um grupo de apoiadores que o esperava. Como se estivesse no Brasil, não num país em luto pela morte de uma monarca admirada por seus súditos, repisou sua agenda: combate às drogas, oposição à legalização do aborto, à “ideologia de gênero” etc. Ontem voltou a atacar o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o Supremo Tribunal Federal (STF). Jornais locais e agências de notícias internacionais registraram a transformação de um momento que exigiria contrição e respeito num palanque em busca de votos.

Aproveitar a política internacional para reforçar o apoio interno é uma estratégia usada por diferentes presidentes e primeiros-ministros há muito tempo. A maneira como os Estados Unidos definem as relações com Cuba é há décadas influenciada pelo peso político da comunidade latina, principalmente no estado da Flórida. O erro de Bolsonaro em Londres foi ter desconsiderado o ambiente. Trata-se, afinal, de um cerimônia fúnebre. Os poucos apoiadores que o esperavam em frente à residência do embaixador certamente teriam ficado satisfeitos com um aceno. Mas circunspecção não é algo que se possa esperar de Bolsonaro.

Em Nova York, ele não manterá reunião bilateral com nenhum chefe de Estado de país expressivo. Faz tempo que se tornou radioativo pelas grosserias que comete (caso das ofensas à mulher do presidente francês, Emmanuel Macron), pela devastação da Amazônia e por ser visto como ameaça à democracia no maior país da América Latina.

A diplomacia busca beneficiar o país ao cumprir determinados objetivos previamente estabelecidos. Faz isso com base em persuasão e pressão sobre diversos protagonistas da cena internacional, trabalho diário dos diplomatas que representam o Brasil no exterior. A diplomacia presidencial, dependendo de quem ocupe o cargo, pode ser uma arma potente de representação simbólica ao personalizar a política de Estado. Quando bem feita, capta a atenção da opinião pública internacional para temas positivos da agenda brasileira. Fernando Henrique Cardoso e Lula souberam fazer isso com competência. Dilma Rousseff foi abaixo da média. Bolsonaro é um desastre.

Produtividade pífia deveria ser tema da campanha eleitoral

O Globo

Em quatro décadas, economia foi incapaz de reagir no indicador decisivo para desenvolvimento do país

Em suas propostas de governo, os candidatos à Presidência têm falado muito em geração de emprego e crescimento. Mas o desafio mais relevante para a economia brasileira é outro: chama-se produtividade. Tem sido crônica, na nossa História, a ocupação de enormes contingentes da população em atividades com baixíssima capacidade de gerar riqueza, fator que contribui para agravar a pobreza e a desigualdade. De acordo com os números compilados pelo Observatório de Produtividade Regis Bonelli, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a produtividade da economia brasileira cresceu mísero 0,4% anual entre 1982 e 2019.

O motivo tradicionalmente associado a esse desempenho vergonhoso é a formação deficiente da mão de obra, que faz do Brasil um país onde faltam profissionais qualificados para ocupações produtivas, enquanto proliferam cobradores de ônibus, ascensoristas, porteiros, empacotadores, flanelinhas e tantas outras atividades que não existem mais em países desenvolvidos.

Nesse quesito, contudo, os resultados até que não foram os piores. A produtividade do trabalho cresceu 0,6% ao ano, com picos de 1,6% entre 2001 e 2010 e de 1,2% antes da recessão de 2014. Desde então ela tem recuado, mesmo assim sempre se manteve acima da produtividade da economia no período de quase quatro décadas. O resultado pode ser explicado pela ampliação do tempo de estudo (de 3,5 anos na década de 1980 para quase nove em 2010) e da população com nível superior, que alcançou 22,2% neste ano.

Em contrapartida, a produtividade do capital — relativa a novas fábricas, máquinas e infraestrutura — simplesmente não cresceu em 40 anos. Entre os motivos da estagnação, dois se destacam. Primeiro, a barafunda tributária incentiva escolhas improdutivas e aumenta o custo de investimento. É comum empresas preferirem deixar de crescer ou alocarem recursos em atividades que geram menos renda, só para não abrir mão dos regimes especiais de tributação que infestam a economia.

O segundo motivo é a intromissão recorrente do setor público onde não deveria. São inúmeros os projetos, obras de infraestrutura e delírios considerados “estratégicos” pelas diferentes versões do desenvolvimentismo que volta e meia assumem o poder no Brasil. Não é coincidência que a produtividade do capital tenha desabado com o desastrado Programa de Aceleração do Crescimento do governo Dilma Rousseff e com as dezenas de refinarias, hidrelétricas e outros projetos economicamente catastróficos. Capital mal alocado gera baixa produtividade.

Um terceiro componente, chamado “produtividade total dos fatores”, avalia a eficiência da interação entre capital e trabalho. É uma medida de modernização tecnológica, técnicas de produção, melhoras no ambiente jurídico, de negócios etc. Como sempre dispôs de mão de obra abundante e barata, o Brasil nunca se destacou nesse quesito.

Somos uma economia de capital escasso, que tradicionalmente cresce à base da força bruta, pondo mais gente para trabalhar mais horas. Infelizmente, o bônus demográfico que garantiu o crescimento da população economicamente ativa está perto do fim. Será preciso crescer com inteligência. Gerar mais riqueza com menos capital e menos horas de trabalho. Os meios para isso são conhecidos: educação, tecnologia, um ambiente favorável às empresas e acolhedor aos investimentos. A classe política já deveria ter acordado.

Colapso educacional

Folha de S. Paulo

Exame indica regressão trágica no ensino básico, que exige esforço federativo

Após quase dois anos de escolas fechadas e ensino a distância precário e desigual, era esperado que o resultado da avaliação nacional dos estudantes do ensino básico fosse ruim. O conjunto de indícios e indicadores de 2021, afinal conhecido, sugere um desastre a ser tratado como emergência em uma situação já cronicamente grave.

A avaliação foi prejudicada pela queda da participação dos estudantes e escolas no exame do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), realizado a cada dois anos. Por si, o fenômeno sugere uma espécie de desligamento da escola —abandono dos estudos, desalento ou falta de condições quaisquer para fazer a prova.

Essa abstenção dificulta comparações com o desempenho em anos anteriores. Feita a ressalva, os resultados parecem aterradores.

No caso do segundo ano do ensino fundamental, o Saeb realizou um exame com apenas uma amostra dos estudantes; no quinto e no nono ano do fundamental e do final do ensino médio, a avaliação se pretende censitária. Como ressaltado pelo instituto Todos pela Educação, verificou-se que um terço dos avaliados é incapaz de ler palavras isoladas em um texto.

Em certas disciplinas e séries, houve regressões de anos no nível de aprendizado, como se fosse perdido mesmo o pequeno, mas regular, progresso de uma década.

O diagnóstico preciso do prejuízo será, mais do que nunca, trabalho de investigação detalhada de cenários locais. Quanto aos esforços para atenuar a catástrofe, urge também uma iniciativa nacional.

Não se trata de retórica. A educação básica é da alçada de cidades e estados, porém o financiamento desses níveis de ensino tem complementação federal. Agora, de modo tardio, é preciso que se realize um esforço federativo a fim de alertar para a gravidade do problema, identificar os auxílios necessários e coordenar ações.

É uma crise nacional, um subproduto da epidemia, mas também da desigualdade crônica e de descaso secular com a escola. Como agravante, o Ministério da Educação está em ruínas depois dos anos de convulsão ideológica e administrativa de Jair Bolsonaro (PL).

É uma emergência, embora se saiba que avanços na educação tendam a ser lentos. A indiferença em relação ao colapso de 2020-21 pode prejudicar uma geração.

Trata-se também de um assunto de presidente da República, que deveria se dirigir de modo solene ao país e convocar um plano de recuperação, e de Congresso Nacional —ainda que as soluções devam ser locais e descentralizadas.

O tema, contudo, não está no centro dos debates desta campanha eleitoral, até aqui muito pobre de conteúdo programático.

A eterna reforma

Folha de S. Paulo

Candidatos pregam redesenho tributário, no qual consenso se desfaz nos detalhes

Se há bandeira a unir esquerda, centro e direita em todas as eleições presidenciais, trata-se da reforma ampla do sistema nacional de impostos e contribuições sociais —que, a despeito de tanto apoio declarado, pouco avançou até aqui.

Desta vez, os quatro candidatos mais bem colocados nas pesquisas apresentam as mesmas linhas principais a orientar as mudanças pretendidas. Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) falam em simplificar a tributação do consumo e em alterar a cobrança do Imposto de Renda.

Todos partem de um diagnóstico geral amadurecido ao longo de três décadas de debates, o qual esta Folha endossa: no Brasil, a taxação de mercadorias e serviços, além de excessiva, é regida por uma legislação labiríntica e irracional que abarca cinco grandes tributos (PIS, Cofins e IPI, federais, ICMS, estadual, e ISS, municipal).

Tal anomalia sabota a eficiência empresarial e encarece produtos, penalizando sobretudo os mais pobres. Ao mesmo tempo, a tributação direta da renda, em especial nas faixas mais elevadas, é relativamente baixa para padrões globais.

A experiência mostra, porém, que os consensos em torno da reforma tributária se desfazem à medida que se desce aos detalhes.

Setores hoje menos onerados ou que contam com regimes especiais rejeitam a ideia de uma cobrança uniforme sobre os produtos; estados e municípios resistem a abrir mão da autonomia na definição de seus impostos e demandam compensações por perdas; categorias com grande poder de pressão sobre o Congresso rejeitam mais IR.

Não parece clara, ademais, qual a melhor estratégia para levar adiante a reforma. O governo Bolsonaro preferiu apresentar propostas localizadas, em vez de tentar uma mudança ampla, mas nem mesmo conseguiu que o Congresso aprovasse um projeto de lei razoável para a tributação de dividendos.

A agravar o quadro, o Planalto ignorou a meta de eliminar subsídios para promover um corte eleitoreiro de impostos —de fato excessivos— sobre combustíveis e energia. A taxação do consumo ficou ainda mais cheia de discrepâncias.

É possível que a própria necessidade de repensar a intervenção apressada sirva de estímulo a um redesenho mais ambicioso do modelo. Em qualquer hipótese, o avanço dependerá da convicção, da liderança e da capacidade de negociação do vencedor das eleições.

Desastres na educação durante a pandemia

Valor Econômico

Os bons resultados das escolas em tempo integral confirmam que essa é uma política adequada para incentivar a aprendizagem

Dados divulgados pelo governo federal na semana passada confirmaram o que já se temia: o período da pandemia foi um desastre para a educação. Os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e do Índice de Desenvolvimento da Educação Brasileira (Ideb), informados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacionais Anísio Teixeira (Inep), ligado ao Ministério da Educação (MEC), mostraram que a aprendizagem recuou em todos as fases escolares em 2021, voltando até meados da década passada em alguns casos.

O Brasil foi um dos países que mais tempo ficou com as escolas fechadas em consequência do atraso do governo em comprar vacinas e dispor de doses suficientes para toda a população, de modo a garantir a segurança sanitária de professores e estudantes. As atividades presenciais nas escolas só foram retomadas no segundo semestre do ano passado e, ainda assim, em esquema de rodízio de alunos no início. Houve falha também na organização do ensino remoto, alternativa à qual se apelou em um primeiro momento. Sem apoio do governo federal na instalação de infraestrutura de redes de internet e disposição de equipamentos para a conectividade dos alunos, a oferta foi bastante desigual.

Isso trouxe consequências negativas previsíveis para o ensino, refletidas agora no Saeb. Realizado a cada dois anos desde 1990, o mais recente exame cobriu exatamente o período da pandemia. Pelo Saeb, são aplicadas provas de língua portuguesa e matemática a estudantes do quinto e do nono anos do ensino fundamental e do terceiro ano do ensino médio. Em sistema amostral, aferiu também alunos do segundo grau, faixa em que foram registradas as maiores perdas. A nota média desses estudantes, em fase de alfabetização, despencou 24,5 pontos para 725,5 pontos em comparação a 2019. Nessa fase, as crianças já deveriam saber ler e escrever plenamente, mas muitas não conseguem ainda localizar uma informação explícita em texto de duas linhas.

Houve perdas também nas outras faixas etárias. A maior delas ocorreu em matemática entre os alunos do quinto ano do ensino fundamental, que recuaram para o patamar de 2013 e não conseguem resolver problemas como adição e subtração de cédulas e moedas, em reais, ou converter uma hora em minutos. Mais de um terço deles não identifica figuras geométricas como triângulo ou círculo. A nota dessa faixa na disciplina caiu quase 5% para 216,85 pontos. Em língua portuguesa, a perda foi menor, de 3% para 208,01, equivalente a meio ano de aprendizado.

Nos anos finais do ensino fundamental (nono ano), a queda em matemática foi de 2,5% para 258,64; e ficou praticamente estável em língua portuguesa, com 260,41 pontos, mas indica que os alunos não conseguiriam reconhecer opiniões distintas sobre o mesmo assunto em reportagens, contos e enquetes. No ensino médio, a nota de matemática caiu 2,7% para 271; e a de língua portuguesa, 1,3% para 275,97 pontos.

Já os resultados do Ideb, que combinam as notas do Saeb com a taxa de aprovação dos estudantes, foram comprometidos pela orientação do Conselho Nacional de Educação (CNE) de aprovar automaticamente os alunos para evitar desestimular os alunos. Por esse motivo, o resultado ficou distorcido. Mesmo nesse cenário catastrófico, a nota do Ideb apenas recuou, e ainda assim ligeiramente, nos anos iniciais do ensino fundamental, de 5,9 antes da pandemia para 5,8. Nos anos finais do fundamental, até subiu, de 4,9 para 5,1 pontos; e ficou estável em 4,2 pontos no ensino médio.

Outro problema desses testes em períodos excepcionais foi a baixa na participação dos alunos, com queda de 10 pontos percentuais, para cerca de 71%. No caso do ensino médio, foi de apenas 61,4% em comparação com 75,6% antes da pandemia, percentual já considerado usualmente o menor entre as faixas de alunos examinados. Também afetado pela interferência política, o Inep vem passando tempos turbulentos no governo de Bolsonaro e isso contribuiu para o atraso na distribuição das provas, aplicadas entre outubro e novembro de 2021, o que influenciou negativamente na participação das escolas.

Apesar disso, as provas do Ideb e Saeb trazem valiosas lições. Uma delas é a limitação do homeschooling, defendido pelo governo Bolsonaro, como ficou evidente nas deficiências apresentadas pelo ensino remoto, especialmente na fase de alfabetização. Do lado positivo, os bons resultados das escolas em tempo integral confirmam que essa é uma política adequada para incentivar a aprendizagem.

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