sábado, 25 de março de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

É fundamental disciplinar presença militar no governo

O Globo

Ocupação de cargos civis no período Bolsonaro prejudicou não só imagem da caserna, mas também a gestão

O Ministério da Defesa prepara uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para disciplinar a presença de militares em cargos civis no Estado e sua participação em eleições. Duas apostas de Jair Bolsonaro, a militarização da burocracia federal e a politização dos quartéis, surtiram efeitos negativos não apenas na imagem das Forças Armadas e das polícias militares, mas também na estabilidade da democracia brasileira. Corrigir os erros é fundamental.

Os oficiais das três Forças recebem educação de qualidade, e muitos são profissionais de primeira linha. Mas isso não justifica o aparelhamento da burocracia. O Brasil dispõe de civis qualificados. Ao privilegiar os militares, Bolsonaro tinha objetivos políticos.

Menos de dois anos depois da posse de Bolsonaro, havia 6.157 militares em postos no governo, segundo levantamento do TCU. Grande parte ainda na ativa. Pesquisa posterior do Ipea mostrou que a presença dos oriundos da caserna em cargos civis comissionados triplicou entre 2013 e 2021, em especial nas funções de maior poder. Nesse período, os cargos militares aumentaram 17,2%, e os civis caíram 4,2%.

A ocupação de cargos civis foi prejudicial não apenas para a imagem das Forças Armadas, mas também à gestão. Relatório da CGU identificou vários indícios de irregularidade. No registro de 558 militares da ativa, não havia amparo legal para exercer o cargo civil. Para outros 930, o prazo legal tinha expirado. Em dezembro de 2020, 2.770 militares receberam acima do teto constitucional. Para 729 não houve abatimento como manda a lei (o Erário deveria ter sido ressarcido em mais de R$ 657 mil). Em maio de 2022, o Ministério da Economia permitiu o “teto duplo”, beneficiando sobretudo os militares que ocupavam cargos no governo. Foi um casuísmo inaceitável.

Nos escândalos das joias sauditas e da política desastrosa de combate à Covid-19 se envolveram militares de diversas patentes, da ativa e da reserva. No das joias, o almirante Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e seus auxiliares. No da pandemia, o general Eduardo Pazuello, então ministro da Saúde, e seus ajudantes de farda.

Para evitar que a nódoa se alastre, o mais simples seria a Defesa apoiar a PEC redigida em 2021 pela então deputada Perpétua Almeida, parada na Câmara. Se aprovada, militar com menos de dez anos de serviço só poderá exercer cargos civis se afastando das Forças Armadas. Os que tiverem mais de dez anos precisarão passar para a reserva. Será inócua qualquer tentativa de impor restrições só a quem ocupar ministérios. Dos quatro ministros militares de Bolsonaro que assumiram na ativa, apenas Pazuello ficou na mesma condição até o final. Não será uma mudança no topo que tornará o país imune à militarização da burocracia.

Outra ideia em estudo é determinar o desligamento ou a passagem para a reserva do militar que se candidatar em eleição. Hoje os candidatos se afastam e, se perdem, voltam. A mudança seria positiva, apesar do alcance restrito (apenas 58 militares concorreram em outubro). No âmbito eleitoral, a tarefa mais importante cabe aos governadores. No ano passado, 1.066 policiais militares, civis e bombeiros foram candidatos, 43% mais que em 2014. A maioria não se elegeu, voltou para os quartéis e delegacias, mas não parou de fazer política. Isso precisa mudar.

Disparada de preços aumenta chance de outsider na eleição argentina

O Globo

Com perfil semelhante a Trump e Bolsonaro, Javier Milei se apresenta como candidato antissistema

As eleições argentinas de outubro são marcadas pela maior incógnita dos últimos anos. A inflação anual passou de 100%, e a campanha eleitoral coincidente com o risco de novo surto de hiperinflação garante meses tensos. As incertezas inflaram a chance de Javier Milei, candidato antipolítica e antissistema que guarda semelhanças com Donald Trump e Jair Bolsonaro. Pela primeira vez, ele apareceu em primeiro numa pesquisa.

Milei é o dado novo num cenário que mistura há décadas polarização e imobilismo. De um lado, os peronistas, subdivididos entre kirchneristas e aliados do atual presidente, Alberto Fernández (ele deverá ceder a vaga na cédula ao ministro da Economia, Sergio Massa). Do outro, a centro-direita, que governou o país pela última vez com Mauricio Macri, onde agora disputam a liderança o prefeito de Buenos Aires, Horacio Larreta, e a ex-ministra da Defesa de Macri, Patricia Bullrich.

O sistema eleitoral argentino depende de organização e estrutura partidária. As eleições ocorrem em duas fases, e apenas os nomes que sobrevivem às primárias disputam o pleito para valer. Na hora de votar, o eleitor encontra na cabine cédulas preenchidas pelos partidos. Tudo isso dificulta a vida de Milei, simples deputado sem nenhuma máquina além das redes sociais que reverberam suas declarações polêmicas e sua personalidade histriônica.

Economista libertário que fazia sucesso na televisão, Milei defende um programa com todas as tintas da direita populista. Compara aborto a assassinato. Afirma que acabaria com o recém-criado Ministério da Mulher e o organismo do governo dedicado ao combate ao racismo. É a favor de leis mais brandas para porte e posse de armas. Na economia, defende um liberalismo extremo que inclui até a liberdade para compra e venda de órgãos humanos.

A Argentina é há décadas vítima do populismo peronista que criou uma rede de subsídios de toda ordem, difíceis de cortar, pela resistência sindical. Desafio para qualquer governo, vive em círculos, de crise em crise. A polarização e a fragmentação política impedem o entendimento em torno de um programa de ajuste capaz de cortar gastos e disciplinar o papel do Estado, para o país crescer com níveis civilizados de inflação. O resultado é uma moeda que nada vale, uma sucessão de recessões e o empobrecimento da população. A última chance de um mínimo de equilíbrio, no governo Macri, foi desperdiçada e acabou em mais um calote na dívida externa e em mais um acordo com o FMI que depois não foi respeitado. Sob Fernández, a situação só piorou.

É nesse cenário que tem ganhado adeptos a proposta mais controversa de Milei: não apenas dolarizar a economia — como fez Carlos Menem em 1991 —, mas fechar o próprio Banco Central argentino (que, ao contrário do brasileiro, imprime moeda e baixa juros sem dar a mínima para a inflação). A pontuação de Milei nas pesquisas — ao redor de 20% — leva analistas a duvidar que ele supere os obstáculos e a apostar que sua candidatura murchará com o tempo. Diziam o mesmo de Trump e Bolsonaro, e deu no que deu.

O pior da politicagem

Folha de S. Paulo

Reações levianas a apuração da PF vão do bolsonarismo a fala desastrada de Lula

A revelação de que a Polícia Federal investiga um plano de ataques do crime organizado a autoridades é fato grave, que merece resposta rigorosa das instituições. Na reação do mundo político, porém, prevaleceram o oportunismo rasteiro e afirmações levianas, encabeçadas por ninguém menos que o presidente da República.

Na quarta-feira (22), a PF cumpriu 24 mandados de busca e apreensão, 7 de prisão preventiva e 4 de prisão temporária em São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul e Rondônia, tendo prendido ao menos nove pessoas. A operação, pelo que foi divulgado, mirava esquema articulado pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).

De acordo com a apuração, estavam entre os alvos do PCC o promotor Lincoln Gakiya, que atua em investigações sobre a facção, e o ex-juiz da Lava Jato, ex-ministro da Justiça e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR).

Para azar de Lula, a ação policial ocorreu logo depois de mais uma de suas declarações impensadas. Em entrevista na véspera ao site governista Brasil 247, o presidente usara uma palavra de baixo calão ao contar que quando estava preso falava em retaliar Moro, responsável por sua condenação, posteriormente anulada.

De modo tão previsível como irresponsável, a coincidência foi explorada pela oposição bolsonarista. O próprio Jair Bolsonaro (PL), que nunca teve pudores em espalhar mentiras e teses estapafúrdias, tratou de estimular as hordas por meio das redes sociais.

"É vil, é leviana, é descabida qualquer vinculação desses eventos com a política brasileira. Fico espantado com o nível de mau-caratismo de quem tenta politizar uma investigação séria", declarou o ministro Flávio Dino, da Justiça, pasta que abriga a Polícia Federal.

Dino estava coberto de razão, mas decerto não imaginava que seu chefe levaria a baixeza adiante. Na quinta-feira (23), questionado sobre a operação, Lula saiu-se com a afirmação de que tudo —a apuração da PF, as prisões e os riscos para um promotor, um senador e outros servidores— não passaria de "uma armação do Moro".

Difícil saber se o líder petista deixou-se tomar pelo ressentimento, se tenta explorar as vantagens que a polarização ideológica lhe proporciona ou alguma outra hipótese não abonadora. Fato é que se tornou protagonista de uma espiral de politicagem em torno de tema que deveria ser tratado com máximo cuidado e seriedade.

Já Moro, assim que veio à tona a operação policial, tratou de reapresentar projeto de lei para tornar crime o planejamento de ataque a autoridades que atuam no combate ao crime organizado. Momentos de comoção não são os melhores conselheiros quando se debatem políticas de segurança.

Magistratura presencial

Folha de S. Paulo

CNJ impõe volta de juízes aos tribunais e reconhece benefício das teleaudiências

A partir deste mês, passam a valer regras mais rígidas que determinam a obrigatoriedade do trabalho presencial de juízes no país. A norma, adotada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em novembro de 2022, se justifica pelo arrefecimento da pandemia de Covid-19 e pela natureza do trabalho de prestação jurisdicional.

De modo ponderado, a decisão equilibra, de um lado, a necessidade de presença física do juiz na comarca em que atua e, de outro, as melhorias geradas pelo trabalho remoto. Segundo o relatório Justiça em Números, houve redução de 2% nos processos em tramitação no país entre 2019 e 2020, com economia de R$ 4,6 bilhões.

Respeitada a autonomia administrativa dos tribunais, a medida do CNJ determina que juízes devem comparecer ao trabalho presencialmente no mínimo três vezes por semana e permite o atendimento virtual —sob a exigência de que a produtividade seja ao menos igual à do presencial.

Teleaudiências, que a depender do caso se justificam por diminuir custos, inclusive das partes, podem ser feitas a pedido de uma delas ou em casos especiais.

O retorno do trabalho in loco após o auge da pandemia enfrentou resistências nos tribunais. No final do ano passado, três juízes apresentaram recurso contra ato do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que exigiu a realização de audiências presenciais, mas o CNJ, com razão, não acatou a ação e estabeleceu as regras que entraram em vigor neste mês.

Neste mês veio à tona uma carta aberta, sem autoria conhecida, de magistrados contrários à medida. A resistência, resguardados casos excepcionais, não tem razão de ser.

Em que pesem argumentos a favor do trabalho remoto, há razões fundamentais para que juízes retornem à atuação presencial. Entre elas, pode-se citar a desigualdade de inclusão digital na população em geral. Ademais, deve-se considerar que, em áreas específicas da atuação judicial, o encontro físico com as partes é indispensável.

Como é o caso, por exemplo, das audiências de custódia, que exigem a apresentação do preso para que o juiz verifique se houve abusos da força policial e ameaça à integridade física do detido. Não há justificativa para que agentes judiciais que juraram servir à sociedade aplicando a lei —e que são custeados pelos cofres públicos para tal— furtem-se de fazê-lo.

Todos perdem com a politização do STF

O Estado de S. Paulo.

As próximas nomeações de ministros são decisivas para o futuro da Corte, que precisa reconstruir sua autoridade; Lula deve pensar no País, e não em si mesmo, ao fazer suas escolhas

Em maio, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), completará 75 anos, idade para a qual a Constituição estabelece aposentadoria compulsória no serviço público. Entre as movimentações relativas à sua substituição, cem entidades apresentaram um manifesto reivindicando ao presidente Lula da Silva a indicação de uma mulher negra para o Supremo. No documento, argumentam que “a composição dos órgãos deve guardar consonância com a diversidade da população” e que “nunca uma jurista negra” ocupou uma cadeira no STF, apesar de existirem “muitas mulheres negras com notório saber jurídico e reputação ilibada”. Agora, sustentam, é a oportunidade de suprimir essa lacuna histórica.

A indicação do nome para compor o STF é competência privativa do presidente da República, com avaliação do Senado. Tendo em vista a relevância da Corte constitucional para o funcionamento do Estado Democrático de Direito, é muito saudável que a sociedade participe desse processo, expondo suas reivindicações e perspectivas. Nesse sentido, o Manifesto por Juristas Negras no STF é iniciativa natural.

Aqui se mencionam dois aspectos que exigem especial cuidado na nomeação do próximo ministro do STF. Em primeiro lugar, é preciso respeitar integralmente a Constituição. Além da questão da idade – acima de 35 anos e menos de 70 anos –, a pessoa indicada deve preencher dois requisitos muito sérios, que não são mera formalidade: ter notável saber jurídico e reputação ilibada.

O primeiro requisito é fundamental para que as decisões do Supremo sejam respeitadas e cumpridas. Não é um academicismo. O profundo e reconhecido conhecimento do Direito por parte de cada ministro torna o STF apto a defender, de forma efetiva, a Constituição. Não podem pairar dúvidas sobre o saber jurídico da pessoa indicada. Por isso, o texto constitucional fala em “notável saber”.

Em relação ao segundo requisito, não basta, por exemplo, que a pessoa não tenha sido condenada criminalmente. É preciso que sobre a reputação dos escolhidos para a mais alta Corte do País não pairem dúvidas.

Mais do que expressão de um moralismo, a exigência ética para o cargo de ministro do STF representa indispensável proteção da própria Corte. Não é suficiente que as decisões sejam tecnicamente perfeitas. Para que o Supremo seja capaz de realizar sua missão institucional, não pode haver qualquer suspeita sobre a integridade de seus membros. A ilibada reputação dos ministros é o que permite que as decisões do STF alcancem plena efetividade, também em relação à pacificação social. Elas precisam ser acolhidas e respeitadas pela população. Não são, como se vê, requisitos aleatórios.

O segundo aspecto a se levar em conta na nomeação dos próximos ministros do Supremo refere-se ao momento do País. Por cumprir sua missão constitucional de defesa da Constituição, o STF tem sido muito contestado nos últimos anos – o antecessor de Lula, Jair Bolsonaro, chegou a avisar, no alto de um carro de som, que não cumpriria mais decisões do Supremo. Parcela relevante da população não entende as decisões da Corte ou as considera politicamente motivadas. É um cenário preocupante. Lula deve ter claro que as próximas nomeações para o STF – Rosa Weber também se aposentará neste ano – são cruciais. Sem exagero, pode-se dizer que elas são decisivas para o futuro da imagem da Corte.

Lula, como qualquer outro presidente, tem a liberdade de escolher sem outros limites que os da Constituição. Mas, se deseja portar-se responsavelmente, Lula deve evitar que a nomeação seja entendida como tentativa de influenciar o Supremo a seu favor, como fez, escandalosamente, o ex-presidente Jair Bolsonaro.

O Supremo precisa de nomes que fortaleçam sua dimensão jurídica. Ao olhar para o STF, a população deve poder ver, sem nenhuma dificuldade, uma Corte plural e tecnicamente impecável. Se nunca é aconselhável, especialmente agora não é hora de nomes que dividam ou acentuem percepções de natureza política sobre o Supremo. Para o bem da democracia, é tempo de reconstruir a autoridade do STF – e isso é também tarefa do presidente da República e do Senado, por meio do cumprimento responsável de suas atribuições constitucionais.

O aparelhamento do Conselho da Petrobras

O Estado de S. Paulo.

Centrão e PT se digladiam pelo controle da instância máxima de decisão na petroleira. Essa disputa obviamente não diz respeito nem aos interesses da empresa nem aos do País

O governo mudou, mais uma vez, a lista de integrantes para compor o Conselho de Administração da Petrobras. Na barafunda em que se transformou a escolha do grupo de profissionais que ditarão os rumos da companhia, 15 nomes já estiveram entre os indicados da União ao colegiado nos últimos 30 dias. As substituições jogam luz em uma ferrenha disputa política travada entre as hostes petistas e o Centrão pelo comando da petroleira.

O Conselho de Administração, como instância máxima, é o cérebro da companhia. À diretoria, como explicita o estatuto, cabe apenas “exercer a gestão dos negócios, de acordo com a missão, os objetivos, as estratégias e diretrizes fixadas pelo Conselho de Administração”. Controladora da empresa, a

União tem direito a indicar 6 dos 11 conselheiros. Uma série de requisitos e exigências é imposta aos candidatos ao cargo, critérios que ficaram ainda mais severos depois que a Lava Jato escancarou desmandos e corrupção de toda ordem que vigoraram ao longo de gestões petistas no passado.

Por tudo isso, é espantoso que o governo Lula, em seu retorno ao poder, ignore a armadura montada para proteger a companhia de novos ataques e insista em furar a blindagem com acordos no estilo toma lá dá cá. Alguns candidatos já levaram bola-preta. O principal veto do Comitê de Pessoas e Elegibilidade da petroleira foi ao secretário de Petróleo e Gás do Ministério de Minas e Energia (MME), Pietro Mendes, indicado para a presidência do Conselho de Administração.

O regulamento interno cita 11 situações em que é vedada a indicação para conselheiro. Para citar apenas parte dos embargos, é proibida a participação de ministros, secretários estaduais e municipais, políticos titulares de mandato, dirigentes partidários e sindicais, titulares de cargos em comissão na Administração Federal e representantes de órgão regulador ao qual a Petrobras está submetida.

A situação de Pietro Mendes configura evidente conflito de interesses. Além de secretário do MME, ele também é servidor de carreira da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). O governo, no entanto, mantém-se firme na busca de artifícios que permitam burlar o parecer técnico contrário a seu nome. Fingindo cegueira, o Executivo foi além e apresentou, entre os conselheiros indicados, um quadro histórico do PSB e um advogado do então PPS (hoje Cidadania).

As indicações foram atribuídas ao ministro de Minas e Energia, senador Alexandre Silveira (PSD-MG). Na defesa de seus indicados, Silveira já trombou com a Casa Civil, derrubou nomes do presidente da Petrobras, o ex-senador petista Jean Paul Prates (RN), e manteve a dianteira na disputa com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR).

Silveira teve de desistir da intenção de nomear Bruno Eustáquio como secretário executivo de sua pasta. Embora seja servidor de carreira e especialista na área, o veto a Eustáquio veio do

Palácio do Planalto, e foi motivado pelos cargos de confiança que ele ocupou na gestão de Jair Bolsonaro nos Ministérios de Minas e Energia e de Infraestrutura – um modo questionável de aferir aptidão, para dizer o mínimo.

Sem poder contar com Eustáquio para ser seu braço direito no MME, o ministro Alexandre Silveira nomeou para o cargo o advogado Efrain Cruz, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Conhecido pelos estreitos laços com políticos do Centrão e por uma atuação a favor de conhecidos lobbies do setor, Cruz já seria um nome duvidoso para ser o número dois do MME. Mas passou a integrar, também, a lista de indicados ao Conselho da Petrobras, ato que derrubou as cotações das ações de empresas de energia cotadas em bolsa.

Enquanto a guerra entre o PT e o Centrão por cargos continua, a Petrobras permanece em uma situação esdrúxula, com um presidente recém-nomeado por Lula e um conselho indicado pela gestão Bolsonaro. Até esta semana, diretores que ainda não haviam sido formalmente anunciados exerciam as funções informalmente, enquanto os executivos da gestão anterior ainda ocupavam os cargos. Uma completa balbúrdia, mas também um triste déjà-vu que ameaça o futuro de uma companhia que ainda amarga as consequências do saque do passado.

A volta das comissões mistas

O Estado de S. Paulo.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, enfim cumpriu a Constituição, o que já deveria ter feito há tempos

Com muito atraso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), assinou ato para determinar o retorno das comissões mistas para análise de medidas provisórias (MPs). A decisão vale para as

MPs editadas pelo presidente Lula da Silva desde 1.º de janeiro. Já as propostas enviadas ao Congresso pelo ex-presidente Jair Bolsonaro seguirão o rito temporário instaurado durante a pandemia de covid-19.

Já não era sem tempo. Não havia nada minimamente republicano que justificasse o impasse artificial em torno da tramitação das medidas provisórias. O rito sumário, em que as MPs são analisadas diretamente em plenário, foi proposto para proteger os deputados e senadores dos riscos associados ao novo coronavírus. É um absurdo que a defesa de uma prática que nasceu para ser temporária tenha sido usada para manter o Legislativo no estado de letargia em que está há dois meses.

O País vive tempos estranhos. Em uma imerecida deferência ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), Pacheco chegou a sugerir uma fórmula para manter a tramitação expressa das MPs, alternando a Casa iniciadora entre Câmara e Senado. Mas o acordo, que exigiria a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), foi rejeitado pelo presidente da Câmara.

Finalmente, enquanto presidente do Congresso, Pacheco fez o que já devia ter feito há muito tempo: cumpriu a Constituição e restabeleceu as comissões mistas. Sua decisão, no entanto, foi interpretada como um enfrentamento pelo presidente da Câmara. Lira afirmou que Pacheco “perdeu a razão” e agiu com “truculência”. “Era de se esperar o bom senso por parte do Senado de que o que estava funcionando bem permanecesse”, disse Lira. É o caso de perguntar: “funcionando bem” para quem?

As medidas provisórias precisam ser aprovadas pela Câmara e pelo Senado para que se tornem leis definitivas, mas produzem efeitos imediatos a partir da data de sua publicação. Foi para impor limites a esse instrumento que o Congresso aprovou, em 2001, a Emenda Constitucional 32, depois convertida no artigo 62 da Constituição.

A obrigatoriedade de instalação das comissões mistas para analisar as MPs foi uma forma de limitar eventuais arbitrariedades cometidas pelo Executivo. Ao impedir que um governo reedite, na mesma sessão legislativa, uma medida provisória que tenha perdido validade ou sido derrotada por uma das duas Casas, a emenda constitucional valoriza as prerrogativas do Legislativo. Além disso, com o estabelecimento dos pressupostos de relevância e urgência para a edição de MPs, a Constituição garantiu ao Congresso o direito de devolvê-las quando esses critérios deixam de ser observados.

De forma acertada, mas temporária, muitas dessas balizas tiveram de ser suprimidas durante a pandemia. O rito expresso para a tramitação de MPs voltou a desequilibrar a relação entre os Poderes, dando a Lira um protagonismo que antes foi do Executivo e depois passou a ser compartilhado com a Câmara e o Senado. Se durante a pandemia essa distorção foi tolerada, depois dela só pode ser considerada um abuso.

 

 

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