É fundamental disciplinar presença militar no governo
O Globo
Ocupação de cargos civis no período
Bolsonaro prejudicou não só imagem da caserna, mas também a gestão
O Ministério da Defesa prepara uma Proposta
de Emenda Constitucional (PEC) para disciplinar a presença de militares em cargos
civis no Estado e sua participação em eleições. Duas apostas de Jair Bolsonaro,
a militarização da burocracia federal e a politização dos quartéis, surtiram
efeitos negativos não apenas na imagem das Forças Armadas e das polícias
militares, mas também na estabilidade da democracia brasileira. Corrigir os
erros é fundamental.
Os oficiais das três Forças recebem educação de qualidade, e muitos são profissionais de primeira linha. Mas isso não justifica o aparelhamento da burocracia. O Brasil dispõe de civis qualificados. Ao privilegiar os militares, Bolsonaro tinha objetivos políticos.
Menos de dois anos depois da posse de
Bolsonaro, havia 6.157 militares em postos no governo, segundo levantamento do
TCU. Grande parte ainda na ativa. Pesquisa posterior do Ipea mostrou que a
presença dos oriundos da caserna em cargos civis comissionados triplicou entre
2013 e 2021, em especial nas funções de maior poder. Nesse período, os cargos
militares aumentaram 17,2%, e os civis caíram 4,2%.
A ocupação de cargos civis foi prejudicial
não apenas para a imagem das Forças Armadas, mas também à gestão. Relatório da
CGU identificou vários indícios de irregularidade. No registro de 558 militares
da ativa, não havia amparo legal para exercer o cargo civil. Para outros 930, o
prazo legal tinha expirado. Em dezembro de 2020, 2.770 militares receberam
acima do teto constitucional. Para 729 não houve abatimento como manda a lei (o
Erário deveria ter sido ressarcido em mais de R$ 657 mil). Em maio de 2022, o
Ministério da Economia permitiu o “teto duplo”, beneficiando sobretudo os
militares que ocupavam cargos no governo. Foi um casuísmo inaceitável.
Nos escândalos das joias sauditas e da
política desastrosa de combate à Covid-19 se envolveram militares de diversas
patentes, da ativa e da reserva. No das joias, o almirante Bento Albuquerque,
ex-ministro de Minas e Energia, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de
ordens de Bolsonaro, e seus auxiliares. No da pandemia, o general Eduardo
Pazuello, então ministro da Saúde, e seus ajudantes de farda.
Para evitar que a nódoa se alastre, o mais
simples seria a Defesa apoiar a PEC redigida em 2021 pela então deputada
Perpétua Almeida, parada na Câmara. Se aprovada, militar com menos de dez anos
de serviço só poderá exercer cargos civis se afastando das Forças Armadas. Os
que tiverem mais de dez anos precisarão passar para a reserva. Será inócua
qualquer tentativa de impor restrições só a quem ocupar ministérios. Dos quatro
ministros militares de Bolsonaro que assumiram na ativa, apenas Pazuello ficou
na mesma condição até o final. Não será uma mudança no topo que tornará o país
imune à militarização da burocracia.
Outra ideia em estudo é determinar o
desligamento ou a passagem para a reserva do militar que se candidatar em
eleição. Hoje os candidatos se afastam e, se perdem, voltam. A mudança seria
positiva, apesar do alcance restrito (apenas 58 militares concorreram em
outubro). No âmbito eleitoral, a tarefa mais importante cabe aos governadores.
No ano passado, 1.066 policiais militares, civis e bombeiros foram candidatos,
43% mais que em 2014. A maioria não se elegeu, voltou para os quartéis e
delegacias, mas não parou de fazer política. Isso precisa mudar.
Disparada de preços aumenta chance de
outsider na eleição argentina
O Globo
Com perfil semelhante a Trump e Bolsonaro,
Javier Milei se apresenta como candidato antissistema
As eleições argentinas de outubro são
marcadas pela maior incógnita dos últimos anos. A inflação anual passou de
100%, e a campanha eleitoral coincidente com o risco de novo surto de
hiperinflação garante meses tensos. As incertezas inflaram a chance de Javier
Milei, candidato antipolítica e antissistema que guarda semelhanças com Donald
Trump e Jair Bolsonaro. Pela primeira vez, ele apareceu em primeiro numa
pesquisa.
Milei é o dado novo num cenário que mistura
há décadas polarização e imobilismo. De um lado, os peronistas, subdivididos
entre kirchneristas e aliados do atual presidente, Alberto Fernández (ele
deverá ceder a vaga na cédula ao ministro da Economia, Sergio Massa). Do outro,
a centro-direita, que governou o país pela última vez com Mauricio Macri, onde
agora disputam a liderança o prefeito de Buenos Aires, Horacio Larreta, e a
ex-ministra da Defesa de Macri, Patricia Bullrich.
O sistema eleitoral argentino depende de
organização e estrutura partidária. As eleições ocorrem em duas fases, e apenas
os nomes que sobrevivem às primárias disputam o pleito para valer. Na hora de
votar, o eleitor encontra na cabine cédulas preenchidas pelos partidos. Tudo
isso dificulta a vida de Milei, simples deputado sem nenhuma máquina além das
redes sociais que reverberam suas declarações polêmicas e sua personalidade
histriônica.
Economista libertário que fazia sucesso na
televisão, Milei defende um programa com todas as tintas da direita populista.
Compara aborto a assassinato. Afirma que acabaria com o recém-criado Ministério
da Mulher e o organismo do governo dedicado ao combate ao racismo. É a favor de
leis mais brandas para porte e posse de armas. Na economia, defende um
liberalismo extremo que inclui até a liberdade para compra e venda de órgãos
humanos.
A Argentina é há décadas vítima do
populismo peronista que criou uma rede de subsídios de toda ordem, difíceis de
cortar, pela resistência sindical. Desafio para qualquer governo, vive em
círculos, de crise em crise. A polarização e a fragmentação política impedem o
entendimento em torno de um programa de ajuste capaz de cortar gastos e
disciplinar o papel do Estado, para o país crescer com níveis civilizados de
inflação. O resultado é uma moeda que nada vale, uma sucessão de recessões e o
empobrecimento da população. A última chance de um mínimo de equilíbrio, no
governo Macri, foi desperdiçada e acabou em mais um calote na dívida externa e
em mais um acordo com o FMI que depois não foi respeitado. Sob Fernández, a
situação só piorou.
É nesse cenário que tem ganhado adeptos a
proposta mais controversa de Milei: não apenas dolarizar a economia — como fez
Carlos Menem em 1991 —, mas fechar o próprio Banco Central argentino (que, ao
contrário do brasileiro, imprime moeda e baixa juros sem dar a mínima para a
inflação). A pontuação de Milei nas pesquisas — ao redor de 20% — leva
analistas a duvidar que ele supere os obstáculos e a apostar que sua
candidatura murchará com o tempo. Diziam o mesmo de Trump e Bolsonaro, e deu no
que deu.
O pior da politicagem
Folha de S. Paulo
Reações levianas a apuração da PF vão do
bolsonarismo a fala desastrada de Lula
A revelação de que a Polícia Federal
investiga um plano de ataques do crime organizado a autoridades é fato grave,
que merece resposta rigorosa das instituições. Na reação do mundo político,
porém, prevaleceram o oportunismo rasteiro e afirmações levianas, encabeçadas
por ninguém menos que o presidente da República.
Na quarta-feira (22), a PF cumpriu 24 mandados
de busca e apreensão, 7 de prisão preventiva e 4 de prisão temporária em
São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul e Rondônia, tendo prendido ao menos nove
pessoas. A operação, pelo que foi divulgado, mirava esquema articulado pela
facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
De acordo com a apuração, estavam entre os
alvos do PCC o promotor Lincoln Gakiya, que atua em investigações sobre a
facção, e o ex-juiz da Lava Jato, ex-ministro da Justiça e hoje senador Sergio
Moro (União Brasil-PR).
Para azar de Lula, a ação policial ocorreu
logo depois de mais uma de suas declarações impensadas. Em entrevista na
véspera ao site governista Brasil 247, o presidente usara uma palavra de baixo
calão ao contar que quando estava preso falava em retaliar Moro, responsável
por sua condenação, posteriormente anulada.
De modo tão previsível como irresponsável,
a coincidência foi explorada pela oposição bolsonarista. O próprio Jair
Bolsonaro (PL), que nunca teve pudores em espalhar mentiras e teses
estapafúrdias, tratou de estimular as hordas por meio das redes sociais.
"É vil, é leviana, é descabida
qualquer vinculação desses eventos com a política brasileira. Fico espantado
com o nível de mau-caratismo de quem tenta politizar uma investigação
séria", declarou o ministro Flávio Dino, da Justiça, pasta que abriga a
Polícia Federal.
Dino estava coberto de razão, mas decerto
não imaginava que seu chefe levaria a baixeza adiante. Na quinta-feira (23),
questionado sobre a operação, Lula saiu-se com a afirmação de que tudo —a
apuração da PF, as prisões e os riscos para um promotor, um senador e outros
servidores— não passaria
de "uma armação do Moro".
Difícil saber se o líder petista deixou-se
tomar pelo ressentimento, se tenta explorar as vantagens que a polarização
ideológica lhe proporciona ou alguma outra hipótese não abonadora. Fato é que
se tornou protagonista de uma espiral de politicagem em torno de tema que
deveria ser tratado com máximo cuidado e seriedade.
Já Moro, assim que veio à tona a operação
policial, tratou de reapresentar projeto de lei para tornar crime o
planejamento de ataque a autoridades que atuam no combate ao crime organizado.
Momentos de comoção não são os melhores conselheiros quando se debatem
políticas de segurança.
Magistratura presencial
Folha de S. Paulo
CNJ impõe volta de juízes aos tribunais e
reconhece benefício das teleaudiências
A partir deste mês, passam a valer regras
mais rígidas que determinam a obrigatoriedade do trabalho presencial de juízes
no país. A norma, adotada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em novembro
de 2022, se justifica pelo arrefecimento da pandemia de Covid-19 e pela
natureza do trabalho de prestação jurisdicional.
De modo ponderado, a decisão equilibra, de
um lado, a necessidade de presença física do juiz na comarca em que atua e, de
outro, as melhorias geradas pelo trabalho remoto. Segundo o relatório Justiça
em Números, houve redução de 2%
nos processos em tramitação no país entre 2019 e 2020, com economia
de R$ 4,6 bilhões.
Respeitada a autonomia administrativa dos
tribunais, a medida do CNJ determina que juízes devem comparecer ao trabalho
presencialmente no mínimo três vezes por semana e permite o atendimento virtual
—sob a exigência de que a produtividade seja ao menos igual à do presencial.
Teleaudiências, que a depender do caso se
justificam por diminuir custos, inclusive das partes, podem ser feitas a pedido
de uma delas ou em casos especiais.
O retorno do trabalho in loco após o auge
da pandemia enfrentou resistências nos tribunais. No final do ano passado, três
juízes apresentaram recurso contra ato do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
que exigiu a realização de audiências presenciais, mas o CNJ, com razão, não
acatou a ação e estabeleceu as regras que entraram em vigor neste mês.
Neste mês veio à tona uma carta aberta, sem
autoria conhecida, de magistrados contrários à medida. A resistência,
resguardados casos excepcionais, não tem razão de ser.
Em que pesem argumentos a favor do trabalho
remoto, há razões fundamentais para que juízes retornem à atuação presencial.
Entre elas, pode-se citar a desigualdade de inclusão digital na população em
geral. Ademais, deve-se considerar que, em áreas específicas da atuação
judicial, o encontro físico com as partes é indispensável.
Como é o caso, por exemplo, das audiências de custódia, que exigem a apresentação do preso para que o juiz verifique se houve abusos da força policial e ameaça à integridade física do detido. Não há justificativa para que agentes judiciais que juraram servir à sociedade aplicando a lei —e que são custeados pelos cofres públicos para tal— furtem-se de fazê-lo.
Todos perdem com a politização do STF
O Estado de S. Paulo.
As próximas nomeações de ministros são
decisivas para o futuro da Corte, que precisa reconstruir sua autoridade; Lula
deve pensar no País, e não em si mesmo, ao fazer suas escolhas
Em maio, o ministro Ricardo Lewandowski, do
Supremo Tribunal Federal (STF), completará 75 anos, idade para a qual a
Constituição estabelece aposentadoria compulsória no serviço público. Entre as
movimentações relativas à sua substituição, cem entidades apresentaram um
manifesto reivindicando ao presidente Lula da Silva a indicação de uma mulher
negra para o Supremo. No documento, argumentam que “a composição dos órgãos
deve guardar consonância com a diversidade da população” e que “nunca uma
jurista negra” ocupou uma cadeira no STF, apesar de existirem “muitas mulheres
negras com notório saber jurídico e reputação ilibada”. Agora, sustentam, é a
oportunidade de suprimir essa lacuna histórica.
A indicação do nome para compor o STF é
competência privativa do presidente da República, com avaliação do Senado.
Tendo em vista a relevância da Corte constitucional para o funcionamento do
Estado Democrático de Direito, é muito saudável que a sociedade participe desse
processo, expondo suas reivindicações e perspectivas. Nesse sentido, o
Manifesto por Juristas Negras no STF é iniciativa natural.
Aqui se mencionam dois aspectos que exigem
especial cuidado na nomeação do próximo ministro do STF. Em primeiro lugar, é
preciso respeitar integralmente a Constituição. Além da questão da idade –
acima de 35 anos e menos de 70 anos –, a pessoa indicada deve preencher dois
requisitos muito sérios, que não são mera formalidade: ter notável saber
jurídico e reputação ilibada.
O primeiro requisito é fundamental para que
as decisões do Supremo sejam respeitadas e cumpridas. Não é um academicismo. O
profundo e reconhecido conhecimento do Direito por parte de cada ministro torna
o STF apto a defender, de forma efetiva, a Constituição. Não podem pairar
dúvidas sobre o saber jurídico da pessoa indicada. Por isso, o texto
constitucional fala em “notável saber”.
Em relação ao segundo requisito, não basta,
por exemplo, que a pessoa não tenha sido condenada criminalmente. É preciso que
sobre a reputação dos escolhidos para a mais alta Corte do País não pairem
dúvidas.
Mais do que expressão de um moralismo, a
exigência ética para o cargo de ministro do STF representa indispensável
proteção da própria Corte. Não é suficiente que as decisões sejam tecnicamente
perfeitas. Para que o Supremo seja capaz de realizar sua missão institucional,
não pode haver qualquer suspeita sobre a integridade de seus membros. A ilibada
reputação dos ministros é o que permite que as decisões do STF alcancem plena
efetividade, também em relação à pacificação social. Elas precisam ser
acolhidas e respeitadas pela população. Não são, como se vê, requisitos
aleatórios.
O segundo aspecto a se levar em conta na
nomeação dos próximos ministros do Supremo refere-se ao momento do País. Por
cumprir sua missão constitucional de defesa da Constituição, o STF tem sido
muito contestado nos últimos anos – o antecessor de Lula, Jair Bolsonaro,
chegou a avisar, no alto de um carro de som, que não cumpriria mais decisões do
Supremo. Parcela relevante da população não entende as decisões da Corte ou as
considera politicamente motivadas. É um cenário preocupante. Lula deve ter
claro que as próximas nomeações para o STF – Rosa Weber também se aposentará
neste ano – são cruciais. Sem exagero, pode-se dizer que elas são decisivas
para o futuro da imagem da Corte.
Lula, como qualquer outro presidente, tem a
liberdade de escolher sem outros limites que os da Constituição. Mas, se deseja
portar-se responsavelmente, Lula deve evitar que a nomeação seja entendida como
tentativa de influenciar o Supremo a seu favor, como fez, escandalosamente, o
ex-presidente Jair Bolsonaro.
O Supremo precisa de nomes que fortaleçam
sua dimensão jurídica. Ao olhar para o STF, a população deve poder ver, sem
nenhuma dificuldade, uma Corte plural e tecnicamente impecável. Se nunca é
aconselhável, especialmente agora não é hora de nomes que dividam ou acentuem
percepções de natureza política sobre o Supremo. Para o bem da democracia, é
tempo de reconstruir a autoridade do STF – e isso é também tarefa do presidente
da República e do Senado, por meio do cumprimento responsável de suas
atribuições constitucionais.
O aparelhamento do Conselho da Petrobras
O Estado de S. Paulo.
Centrão e PT se digladiam pelo controle da
instância máxima de decisão na petroleira. Essa disputa obviamente não diz
respeito nem aos interesses da empresa nem aos do País
O governo mudou, mais uma vez, a lista de
integrantes para compor o Conselho de Administração da Petrobras. Na barafunda
em que se transformou a escolha do grupo de profissionais que ditarão os rumos
da companhia, 15 nomes já estiveram entre os indicados da União ao colegiado
nos últimos 30 dias. As substituições jogam luz em uma ferrenha disputa
política travada entre as hostes petistas e o Centrão pelo comando da
petroleira.
O Conselho de Administração, como instância
máxima, é o cérebro da companhia. À diretoria, como explicita o estatuto, cabe
apenas “exercer a gestão dos negócios, de acordo com a missão, os objetivos, as
estratégias e diretrizes fixadas pelo Conselho de Administração”. Controladora
da empresa, a
União tem direito a indicar 6 dos 11
conselheiros. Uma série de requisitos e exigências é imposta aos candidatos ao
cargo, critérios que ficaram ainda mais severos depois que a Lava Jato
escancarou desmandos e corrupção de toda ordem que vigoraram ao longo de
gestões petistas no passado.
Por tudo isso, é espantoso que o governo
Lula, em seu retorno ao poder, ignore a armadura montada para proteger a
companhia de novos ataques e insista em furar a blindagem com acordos no estilo
toma lá dá cá. Alguns candidatos já levaram bola-preta. O principal veto do
Comitê de Pessoas e Elegibilidade da petroleira foi ao secretário de Petróleo e
Gás do Ministério de Minas e Energia (MME), Pietro Mendes, indicado para a
presidência do Conselho de Administração.
O regulamento interno cita 11 situações em
que é vedada a indicação para conselheiro. Para citar apenas parte dos
embargos, é proibida a participação de ministros, secretários estaduais e
municipais, políticos titulares de mandato, dirigentes partidários e sindicais,
titulares de cargos em comissão na Administração Federal e representantes de
órgão regulador ao qual a Petrobras está submetida.
A situação de Pietro Mendes configura
evidente conflito de interesses. Além de secretário do MME, ele também é
servidor de carreira da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis
(ANP). O governo, no entanto, mantém-se firme na busca de artifícios que
permitam burlar o parecer técnico contrário a seu nome. Fingindo cegueira, o
Executivo foi além e apresentou, entre os conselheiros indicados, um quadro
histórico do PSB e um advogado do então PPS (hoje Cidadania).
As indicações foram atribuídas ao ministro
de Minas e Energia, senador Alexandre Silveira (PSD-MG). Na defesa de seus
indicados, Silveira já trombou com a Casa Civil, derrubou nomes do presidente
da Petrobras, o ex-senador petista Jean Paul Prates (RN), e manteve a dianteira
na disputa com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR).
Silveira teve de desistir da intenção de
nomear Bruno Eustáquio como secretário executivo de sua pasta. Embora seja
servidor de carreira e especialista na área, o veto a Eustáquio veio do
Palácio do Planalto, e foi motivado pelos
cargos de confiança que ele ocupou na gestão de Jair Bolsonaro nos Ministérios
de Minas e Energia e de Infraestrutura – um modo questionável de aferir
aptidão, para dizer o mínimo.
Sem poder contar com Eustáquio para ser seu
braço direito no MME, o ministro Alexandre Silveira nomeou para o cargo o
advogado Efrain Cruz, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel). Conhecido pelos estreitos laços com políticos do Centrão e por uma
atuação a favor de conhecidos lobbies do setor, Cruz já seria um nome duvidoso
para ser o número dois do MME. Mas passou a integrar, também, a lista de
indicados ao Conselho da Petrobras, ato que derrubou as cotações das ações de
empresas de energia cotadas em bolsa.
Enquanto a guerra entre o PT e o Centrão
por cargos continua, a Petrobras permanece em uma situação esdrúxula, com um
presidente recém-nomeado por Lula e um conselho indicado pela gestão Bolsonaro.
Até esta semana, diretores que ainda não haviam sido formalmente anunciados
exerciam as funções informalmente, enquanto os executivos da gestão anterior
ainda ocupavam os cargos. Uma completa balbúrdia, mas também um triste déjà-vu
que ameaça o futuro de uma companhia que ainda amarga as consequências do saque
do passado.
A volta das comissões mistas
O Estado de S. Paulo.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
enfim cumpriu a Constituição, o que já deveria ter feito há tempos
Com muito atraso, o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), assinou ato para determinar o retorno das comissões
mistas para análise de medidas provisórias (MPs). A decisão vale para as
MPs editadas pelo presidente Lula da Silva
desde 1.º de janeiro. Já as propostas enviadas ao Congresso pelo ex-presidente
Jair Bolsonaro seguirão o rito temporário instaurado durante a pandemia de
covid-19.
Já não era sem tempo. Não havia nada
minimamente republicano que justificasse o impasse artificial em torno da
tramitação das medidas provisórias. O rito sumário, em que as MPs são
analisadas diretamente em plenário, foi proposto para proteger os deputados e senadores
dos riscos associados ao novo coronavírus. É um absurdo que a defesa de uma
prática que nasceu para ser temporária tenha sido usada para manter o
Legislativo no estado de letargia em que está há dois meses.
O País vive tempos estranhos. Em uma imerecida
deferência ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), Pacheco chegou a
sugerir uma fórmula para manter a tramitação expressa das MPs, alternando a
Casa iniciadora entre Câmara e Senado. Mas o acordo, que exigiria a aprovação
de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), foi rejeitado pelo presidente
da Câmara.
Finalmente, enquanto presidente do
Congresso, Pacheco fez o que já devia ter feito há muito tempo: cumpriu a
Constituição e restabeleceu as comissões mistas. Sua decisão, no entanto, foi
interpretada como um enfrentamento pelo presidente da Câmara. Lira afirmou que
Pacheco “perdeu a razão” e agiu com “truculência”. “Era de se esperar o bom
senso por parte do Senado de que o que estava funcionando bem permanecesse”,
disse Lira. É o caso de perguntar: “funcionando bem” para quem?
As medidas provisórias precisam ser
aprovadas pela Câmara e pelo Senado para que se tornem leis definitivas, mas
produzem efeitos imediatos a partir da data de sua publicação. Foi para impor
limites a esse instrumento que o Congresso aprovou, em 2001, a Emenda
Constitucional 32, depois convertida no artigo 62 da Constituição.
A obrigatoriedade de instalação das
comissões mistas para analisar as MPs foi uma forma de limitar eventuais
arbitrariedades cometidas pelo Executivo. Ao impedir que um governo reedite, na
mesma sessão legislativa, uma medida provisória que tenha perdido validade ou
sido derrotada por uma das duas Casas, a emenda constitucional valoriza as
prerrogativas do Legislativo. Além disso, com o estabelecimento dos
pressupostos de relevância e urgência para a edição de MPs, a Constituição
garantiu ao Congresso o direito de devolvê-las quando esses critérios deixam de
ser observados.
De forma acertada, mas temporária, muitas
dessas balizas tiveram de ser suprimidas durante a pandemia. O rito expresso
para a tramitação de MPs voltou a desequilibrar a relação entre os Poderes,
dando a Lira um protagonismo que antes foi do Executivo e depois passou a ser
compartilhado com a Câmara e o Senado. Se durante a pandemia essa distorção foi
tolerada, depois dela só pode ser considerada um abuso.
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