O Estado de S. Paulo
O Conselho Federativo para cuidar do novo tributo subnacional e o FDR tornaram-se aberrações da proposta em discussão no Congresso
O Conselho Federativo para cuidar do novo
tributo subnacional e o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) tornaram-se
aberrações da proposta de reforma tributária em discussão no Congresso. Na sua
forma atual, essas ideias maculam profundamente a iniciativa. Tratarei dos
outros problemas nas próximas colunas.
Comecemos pela questão do tal conselho. Há três etapas no processo tributário: 1) a previsão constitucional para instituir um tributo (imposto, taxa ou contribuição) pela União, Estado ou município; 2) sua instituição propriamente dita, por meio de lei; e 3) sua regulamentação pelo respectivo Poder Executivo. A saber, o regulamento contém as regras necessárias para operacionalizar a arrecadação, atividade típica dos governos.
O Conselho Federativo não cabe nessa
lógica. De acordo com a PEC n.º 45, na versão com IVA dual, o Imposto sobre
Bens e Serviços (IBS) seria instituído como um tributo conjunto dos Estados e
municípios. Em seguida, o Conselho Federativo regulamentaria e cuidaria de
arrecadar e partilhar o IBS entre os governos subnacionais.
Para ter claro: esse órgão central seria o
responsável pela arrecadação e por sua distribuição entre Estados, municípios e
contribuintes (no caso dos créditos apurados devidos). O IBS, um imposto
subnacional sobre o valor adicionado, substituiria o ISS (municipal) e o ICMS
(estadual). Assim, algum mecanismo de split payment ou de divisão do bolo – tão
simples quanto isso – seria de fato necessário. A tributação passaria
integralmente ao Estado de destino das transações, requerendo meios para enviar
cada fatia da receita do imposto a quem de direito. O Estado e o município não
comandariam o processo, mas, sim, um órgão representativo.
Por exemplo, quando uma empresa de um
município exportasse uma mercadoria a um contribuinte de outro município, por
hipótese, localizado num segundo Estado, o imposto seria sempre recolhido no
destino (e não preponderantemente na origem, como atualmente). Além disso, o
que é comum, a cadeia de produção poderia estar espalhada por diversas
localidades. Ao ser consumido o bem final, a arrecadação seria distribuída na
devida proporção para Estados e municípios de destino, observada também a
parcela da cota-parte do antigo ICMS. Os contribuintes que tivessem direito a
créditos gerados ao longo da cadeia de produção os receberiam por meio de uma
mesma conta central. O conselho chefiaria tudo isso. A imagem da “mesada”,
usada pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado, foi oportuna nesse aspecto.
Difícil de imaginar quem aceite um arranjo assim.
Quem deve comandar sua própria arrecadação
é o Estado, o município ou a União. Aliás, o que diria a União se alguém lhe
impusesse um conselho para gerenciar seus tributos? E a cereja do bolo
indigesto: a governança da poderosa instância pretendida seria definida em lei
complementar. Um salto no escuro já; os “meros detalhes” depois.
Cabe, ainda, perguntar sobre a dinâmica da
fiscalização e da arrecadação. Um exemplo: e se houver créditos derivados de
notas fraudadas e o contribuinte for inadvertidamente pago pela conta central?
Como se daria essa fiscalização? Seria também o Conselho Federativo o
responsável? Difícil de imaginar os Estados confortáveis. Já se sabe que ao
menos 12 deles seriam contrários a esse modelo de gestão.
É irrazoável entregar a um órgão de
representação 100% das receitas do próprio tributo. O ICMS e o ISS correspondem
a algo como 9% do PIB, mais de 1/4 da carga tributária do País. A propósito, o
paralelo com o Comitê Gestor do Simples Nacional é inútil. Lançaram mão dessa
comparação para reiterar a ideia-força de uma gestão central. Balela. A parcela
de ICMS e ISS (do Simples) representa 3% da arrecadação desses dois impostos.
Uma saída seria instituir contas
individualizadas. Outra seria o Estado exportador responsabilizar-se pela
distribuição da receita, sujeito a punições severas para o caso de desrespeito
à regra. Agora, um passo atrás: por que jogar fora o ISS e o ICMS ao invés de
melhorá-los por meio de legislação infraconstitucional? Se a guerra fiscal é um
dos problemas – e é –, que se preveja sanção! O princípio do destino poderia
concretizar-se por resolução do Senado, como defendo desde que fui secretário
da Fazenda em São Paulo, em 2022.
As resistências dos Estados à reforma têm
sido respondidas, em parte, com o FDR. Ele deve ficar blindado das regras
fiscais e já se cogita colocar R$ 100 bilhões, do bolso da União, para bancar
os malogrados incentivos do ICMS (e não para promover o desenvolvimento
econômico integrado da Nação). Fala-se em manter esses benefícios até 2032,
verdadeira usina de ineficiência econômica, que passaria a alimentar-se da União,
com o FDR. Os riscos são: perenizar os incentivos, neutralizando os ganhos
alocativos da migração da tributação para o destino da operação; e assumir um
custo fiscal impeditivo, com aumento da complexidade no lugar da simplificação
apregoada.
Não me ocorre nada mais apropriado do que
recorrer a Lupicínio Rodrigues: “Se eles julgam que há um lindo futuro (...),
saibam que deixam o céu por ser escuro e vão ao inferno à procura de luz”.
*ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E O PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI
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