quinta-feira, 22 de junho de 2023

Míriam Leitão - Negacionismo no Banco Central

O Globo

Antes da reunião, o mercado projetava queda de juros para agosto, mas agora tende a ficar mais pessimista por indução do BC

O Banco Central decidiu continuar não vendo os fatos ao redor e ignorar as quedas da inflação, dos juros futuros e das projeções. Não quer ver também a melhora da conjuntura fiscal com o avanço do arcabouço. Esse negacionismo pode acabar, num efeito bumerangue, afetando negativamente as expectativas do próprio mercado, que já previa queda de um ponto percentual e meio de juros até o final do ano. Um erro grosseiro do Banco Central. No fim de semana, Roberto Campos Neto recebeu ligações até da bancada do agronegócio bolsonarista, avisando que ele estava ficando isolado.

O que a maioria absoluta do mercado considerava é que o BC iria abrandar o comunicado e indicaria queda na próxima reunião. E ele decepcionou. Havia ontem até uma dificuldade de entender o tom do comunicado após a reunião. Nos últimos dias, o varejo, a indústria, os serviços e até ex-ministros do governo Bolsonaro demonstraram sua insatisfação diretamente ao Banco Central. O BC evidentemente não tem que decidir por pressões políticas, governamentais, nem empresariais. Mas ele está se colocando em situação de “conflito e conflagração”, na expressão de uma autoridade, por não se render à realidade dos fatos econômicos.

Para se ter uma ideia da teimosia do Banco Central, recentemente, um interlocutor falou ao presidente Roberto Campos Neto que a prévia do IGP-M tinha dado o número negativo mais baixo da história. Foi 6,7% de deflação em 12 meses. E a resposta dele foi dizer “mas os juros subiram na Austrália e no Canadá”. Ora, o mesmo Roberto Campos que repete não haver relação mecânica entre taxa de juros e aprovação do arcabouço fiscal no Brasil, acha que há uma relação entre juros no Canadá e Austrália com os do Brasil? E isso pelo visto foi levado ao comunicado no trecho em que pontua “a retomada de ciclos de elevação de juros em algumas economias”.

O Banco Central entra em contradição com sua própria cartilha. Ele repete no comunicado que trabalha com o que ele chama de “horizonte relevante”, o que significa 2024. E em qualquer cenário apontado pelo próprio BC, o número de 2024 está no intervalo de flutuação da meta. No texto de ontem, ele avisa que o “Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação, como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”. As expectativas já estão ancoradas, aliás, graças em grande parte ao seu próprio esforço feito tempestivamente. Só que agora, quando o cenário alterou completamente, o BC prefere adotar uma postura negacionista.

Enquanto isso, o governo enfrenta um aperto ainda maior no arcabouço, aprovado ontem no Senado. A decisão do senador Omar Aziz de manter o indexador das despesas com a inflação de julho a junho, reduz em R$ 32 bilhões a R$ 40 bilhões a possibilidade orçamentária do ano que vem. O Ministério do Planejamento tem tido dificuldade de elaborar o orçamento, cumprindo todos os mínimos constitucionais. A inflação em 12 meses terminada em junho será tão baixa que isso reduzirá as despesas previstas.

A Câmara tem dito que se a inflação fechar o ano com um número maior, pode-se fazer um ajuste com a votação de um crédito suplementar. Mas o governo não quer isso, porque teme ficar mais uma vez na mão da Câmara dos Deputados. O governo prefere formular o orçamento projetando a inflação até o fim do ano e, depois, se o índice ficar menor, fazer o cancelamento das despesas.

O que essa briga em torno do arcabouço mostra é que, sim, a inflação tende a subir no segundo semestre. E é isso que está no comunicado do Banco Central. Mas então em que o BC errou? Errou porque essa elevação está prevista, é efeito estatístico da retirada da conta das deflações fabricadas pelo governo Bolsonaro e, em nenhum momento, a alta representa o retorno do surto inflacionário que levou o Banco Central a agir, corretamente, em 2021.

O BC costuma dizer que não é ele que faz os juros, mas o mercado. Parece não entender a relação circular na formação das expectativas. Antes da reunião, o mercado projetava queda dos juros em agosto. Hoje as projeções devem ser alteradas. O mercado ficará mais pessimista por indução do BC. Ao errar, a autoridade monetária está prejudicando o próprio instituto do Banco Central independente. O negacionismo é ruim em qualquer área, inclusive na política monetária.

 

3 comentários:

EdsonLuiz disse...

Acho que pela primeira vez eu achei um artigo de Miriam Leitão muito ruim.

EdsonLuiz disse...

Fazer política monetária é mais difícil que fazer política fiscal, porque boa parte da política monetária é feita para mitigar o que for possível das consequências de uma política fiscal errada. Corrigir erros dos outros é quase sempre mais difícil que cometê-los.

E política monetária não pode ser baseada em hipóteses nem em inferências porque, feitas para corrigir erros já em curso, suas medidas precisam estar cercadas das certezas possíveis e, no entanto, são feitas com o uso de um conhecimento que, por mais dominado que seja por um técnico com muita perícia, economia sempre é a aplicação de um conhecimento precário e quase nunca baseado em experiência empírica. Economia não é uma ciência dura e talvez tenha sido por isso que nem o positivismo nem o marxismo tenham prevalecido nessa área de conhecimento. Mas se as decisões em economia têm consequências sobre a vida da totalidade da população, sua subsistência e sua saúde, a aplicação da economia, especialmente em política monetária e cambial, não pode ser feita por quem acha que sabe. Ou acredita-se em quem é mais profissional ou estaremos entregues aos erros e à experimentação de aventureiros.

As decisões em política monetária precisam estar amparadas em um mínimo de certeza!

Eu não acho que neste momento a maior cautela do presidente do Banco Central, Roberto Campos, seja por causa da inflação de serviços ainda estar alta ou por causa da recuperação do emprego. Eu penso que o que preocupa hoje Roberto Campos é a falta de uma política fiscal implantada, porque nem ãncora fiscal existe ainda neste novo governo, e para ter melhor certeza das medidas monetárias sobre a inflação e sobre os juros futuros é preciso primeiro ter dados suficientes, o que nem o Banco Central nem ninguém tem minimamente chance de ter agora.

Como Roberto Campos e os demais membros do COPOM podem estar sendo negacionista quando sequer a mais importante fonte dos dados de que precisam para alimentarem os programas de seus computadores com uma nova realidade fiscal, que é existir uma politica fiscal implantada e sendo implementada, eles têm porque o atual governo ainda não conta sequer com uma âncora fiscal aprovada?

A partir de quê Lula, Gleisi, Miriam Leirão ou qualquer outro tomaria a decisão sobre juros sem estar sendo implementado nada que se possa chamar efetivamente de uma política fiscal?

Um amador ou um aventureiro que não tivesse responsabilidade sobre as consequências eu sei como ele tomaria a decisão sobre a taxa de juros:: pela vontade política. Mas para fazer politica monetária séria não pode ser um amador ou aventureiro.

Politica monetária não pode ser feita por vontade, inferência ou por hipótese. É necessário um pouco mais de certeza para tomar medidas em política monetária!

ADEMAR AMANCIO disse...

Só sei que nada sei.