Valor Econômico
Preencher o vácuo do bolsonarismo nesses
oito anos não é tarefa só de Lula, mas da direita democrática. Existirá?
Menos de 24 horas separam a aprovação de
Cristiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal e o início do julgamento do
ex-presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral. A proximidade
evidencia o que está em jogo: como a atuação dos tribunais para afastar a
ameaça autoritária pode fortalecer a democracia sem dar margem a novas exceções
ao Estado de direito.
Zanin captou a mensagem. Portou-se como
“agente pacificador”. Colocou a liberdade de expressão, bandeira da oposição,
em pé de igualdade com as garantias normatizadas pelas Nações Unidas que
balizaram a defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Foi apenas o começo da ginástica. O
advogado cuja atuação permitiu ao país ter um candidato para derrotar Jair
Bolsonaro, agora ingressará numa Corte que é acusada de se valer de práticas
assemelhadas àquelas que condenaram Lula.
Zanin tentou limitar sua estratégia a um cortejo aos bolsonaristas pela pauta moral e pela origem familiar no agronegócio. Ao fim da sabatina havia clarificado posições como a defesa do casamento de pessoas do mesmo sexo e a distinção entre usuário e traficante.
Até o embate mais esperado, com o senador
Sergio Moro (Podemos-PR), acabou esvaziado. O que não deveria ter surpreendido.
O maior enrosco da indicação, seu garantismo ante a sobrevivência do
lavajatismo, é uma contradição inalcançável para Moro.
No trepidante tema dos atos antidemocráticos,
foi evasivo. Marcou posição, porém, em três pontos: que liberdade de expressão
não pode abrigar crime, que a execução de penas não pode ser antecipada e, numa
ousadia em relação à Corte vandalizada, que “juiz não pode combater nada”.
Se, com isso, Zanin legitimou uma votação
superior àquela que sua trajetória pessoal lhe permitiria alcançar, parece
improvável que desembarque no STF sob a mesma toada. Primeiro porque a condição
de novato lhe tolhe as asas. E depois porque a Corte não apenas permanece unida
contra o arbítrio mas o faz com o Executivo.
Fica claro, porém, que passa a integrar a
Corte, quando um freio de arrumação se fizer necessário, um ministro com
pretensões de se contrapor àquele que hoje segue como líder do enfrentamento do
bolsonarismo, o ministro Alexandre de Moraes.
O julgamento que se inicia nesta quinta no
TSE, sob a presidência de Moraes, demonstra que este momento ainda não chegou.
As dúvidas sobre a inelegibilidade de Bolsonaro são sobre a data e o número de
votos. Há, porém, outra questão em aberto que é o peso da minuta golpista
encontrada com o ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
Os ministros do TSE votaram para incluir a
minuta nos autos, embora os fatos tenham sido posteriores à eleição. A
manifestação do procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, é ponderada. Cita o
8/1 como decorrência de abusos cometidos na reunião com embaixadores, mas não
vincula os fatos, por se tratar de ação eleitoral e não criminal.
Como o voto do relator tem 460 páginas e a
inclusão dos fatos posteriores à eleição foi apoiada por cinco dos ministros, é
previsível que o relator se esbalde no vínculo entre ato e minuta.
São tantas as oportunidades que haverá para
condenar Bolsonaro tanto eleitoral quanto criminalmente que a eventual
extrapolação da pauta do julgamento parece sem serventia. Vide o apelo por
clemência do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) que, na sabatina, chamou de
“louvável” o garantismo da indicação.
Um julgamento fora dos autos atiçará um
bolsonarismo que esbraveja ante o derretimento do líder. Basta ver a degradante
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do 8/1.
Há resultados concretos das políticas
públicas que podem ajudar o governo a combater a oposição, mas o fogo morto do
bolsonarismo não se apagará sem moderação judicial. A inflação cede e o emprego
reage antes mesmo que a ata do Copom sinalize inflexão. Em São Paulo, o
candidato mais incendiário, o deputado Ricardo Salles (PL-SP), foi deixado no
meio da rua. E até a ocupação desenfreada da cidade foi contida no Plano Diretor.
Isso não significa que o bolsonarismo cairá
por decurso de prazo. Dezesseis instituições, entre as quais os Institutos dos
Advogados de São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul, subscreveram documento
de desagravo a Ives Gandra Martins. Se entre seus pares, o autor da tese
golpista de que as Forças Armadas são poder moderador amealha apoio tão
expressivo, é sinal de que ainda custa muito para o bolsonarismo ser condenado
à inanição.
Seria mais fácil se fosse possível
confinar, por decreto, os eleitores do ex-presidente em condomínios como o
“Bolsonaro Beach” que um empresário constrói em Natal para quem não quiser ter
vizinho petista. São 16 chalés, mas a numeração vai de 1 a 17 porque pula o 13.
O empreendedor responde a quatro processos, entre os quais, por lesão corporal.
Só que não. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem costurado o esvaziamento do apoio a Bolsonaro no topo do PIB. Mas ainda falta muito para dar conta do miolo e, principalmente, da base do eleitorado bolsonarista. O senador Rogério Marinho (PL-RN) disse, na sabatina, que quem exerce o poder tem que olhar para frente. Tem um ponto. Mas preencher o vácuo do bolsonarismo nesses oito anos não é tarefa só de Lula, mas da direita democrática. Existirá?
Um comentário:
Tá...
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