Os recados que a Índia transmite para o Brasil
O Globo
País que sedia reunião do G20 acaba de
fazer primeiro pouso lunar e está entre economias mais promissoras
O pouso lunar
da nave indiana Chandrayaan-3 em 23 de agosto representou uma
conquista não apenas técnica. Ao se tornar o quarto país a obter sucesso numa
missão à Lua — na mesma semana em que fracassou uma tentativa russa de repetir
a última alunissagem soviética em 1976 —, a Índia transmitiu um
recado sobre as ambições do hoje país mais populoso do mundo, com 1,4 bilhão de
habitantes. Além de denotar conhecimento científico e domínio tecnológico, o
feito aumenta a musculatura geopolítica do governo que recebe nos próximos dias
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a reunião do G20.
Os indianos foram os primeiros a pôr uma nave no polo Sul lunar, região no lado escuro onde há gelo permanente, a uma fração modesta do orçamento que a Nasa solicitou para voltar a enviar astronautas à Lua. Neste século, apenas a China havia pousado com sucesso no satélite. “Na cena global, o pouso representa um momento de chegada, com claros ganhos políticos para o primeiro-ministro Narendra Modi”, afirma o analista Michael Kugelman, diretor do South Asia Institute no Wilson Center, em Washington.
Modi continua a fazer jus às críticas à
agenda nacional-populista do Partido do Povo Indiano (BJP), combustível da
violência religiosa de hindus contra muçulmanos e cristãos (só no estado de
Manipur, o saldo recente soma 120 mortos, 50 mil deslocados, 1.700 casas e 250
igrejas destruídas). A Índia também é um país de pobreza endêmica e indicadores
sociais lastimáveis. Num contraponto inusitado ao avanço científico, mandou
retirar do currículo de alunos de 14 a 16 anos a teoria da evolução, a tabela
periódica e questões relacionadas à sustentabilidade ambiental. No campo
diplomático, mantém relação acidentada com o vizinho Paquistão, dificultada
pelo arsenal nuclear de ambos. Para não falar na tensa disputa territorial com
a China no Himalaia. Exemplos para Lula não seguir.
Mas nenhum desses obstáculos tem contido o
ímpeto indiano. Num continente que envelhece, a população indiana ainda é
jovem, e a participação feminina no mercado de trabalho é baixa — duas
características demográficas que favorecem o crescimento econômico. Os indianos
descobriram recentemente reservas de lítio — mineral fundamental para baterias
de veículos elétricos — e desenvolvem um arrojado plano de transição
energética, com a participação do setor privado, para livrar-se do carvão
poluente. Não é à toa que, pelas previsões do FMI, a economia indiana está
entre as mais promissoras (hoje cresce no ritmo mais rápido em quase 15 anos).
O programa espacial indiano mostra
competência científica e capacidade de gestão. É resultado de investimento
contínuo num sistema de ensino capaz de formar uma elite técnica de nível
global e do intercâmbio com a diáspora indiana no exterior. A ver se as recentes
mudanças curriculares não põem tudo a perder.
Lula deverá repetir ao G20 seu discurso
sobre desigualdade global e insistir na relevância de alianças como o Brics,
recém-ampliado, para se contrapor ao Ocidente. Se deixasse de lado a ideologia
ultrapassada e olhasse ao redor, teria lições muito mais importantes —
positivas e negativas — a extrair dos anfitriões.
Enfraquecer Lei da Ficha Limpa seria um
erro com custo elevado
O Globo
Proposta aprovada na Câmara traz benefício
injustificável aos candidatos com processos na Justiça
Em 13 anos de vigência, a Lei da Ficha
Limpa (LFL) tem sido uma barreira eficaz à entrada no Legislativo e no
Executivo de candidatos condenados em segunda instância por violações no
exercício da vida pública ou fora dela — desde delitos contra administração e
patrimônio públicos, meio ambiente ou saúde pública, até crimes como tráfico de
drogas, lavagem de dinheiro ou participação em organização criminosa. A LFL
surgiu não de proposta parlamentar, mas de um projeto de iniciativa popular que
reuniu assinaturas de 1,6 milhão de cidadãos. Por suas características, é alvo
frequente de tentativas de alteração.
A mais recente está embutida na “minirreforma
eleitoral” em tramitação no Congresso, cujos objetivos incluem
flexibilizar normas que regem a publicidade em campanhas e simplificar a
prestação de contas de candidatos e partidos. Para a LFL, a proposta é mudar a
forma como são calculados os oito anos de inelegibilidade estabelecidos para os
políticos condenados em segunda instância. A ideia é retirar da lei a
determinação de que sejam contados a partir do final do cumprimento da pena a
que foi condenado o candidato e que passem a valer desde a condenação.
A justificativa alegada é a mudança de
entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, restabelecendo que o
cumprimento das penas precisa esperar o julgamento de todos os recursos,
situação jurídica conhecida como “trânsito em julgado”. A alteração já foi
aprovada na Câmara e está no Senado.
Com a inelegibilidade contando desde a
condenação, o político com ficha suja se beneficiaria, pois o prazo correria em
paralelo ao andamento de seu processo por todas as instâncias do Judiciário. Na
prática, como os oito anos equivalem a dois mandatos, ele poderá até ser eleito
enquanto ainda tem dívidas na Justiça. Fazer cumprir as duas penas
concomitantemente equivale, portanto, a reduzir a eficácia da lei.
No mundo político, há muita gente com
condição de contratar advogados capazes de protelar uma condenação por oito
anos, tempo da pena estabelecida pela LFL. Ou por muito mais. O texto aprovado
pelos deputados abre margem a situações esdrúxulas, em que condenados pela Lei
da Ficha Limpa começarão logo a cumprir a pena de inelegibilidade, enquanto
protelam processos até um futuro indeterminado.
Em mais de uma década, a Lei da Ficha Limpa
afastou de cargos eletivos criminosos de todo tipo. Não pode ser enfraquecida.
Não apenas em nome do combate à corrupção, mas também porque hoje facções
criminosas e milícias tentam se aproximar da política para defender seus
interesses. Quando mais se precisará da lei, mais ela fará falta.
É preciso pôr um fim à farra dos
supersalários
Valor Econômico
Reforma administrativa é decisiva para
modernizar o Estado e torná-lo eficiente
No novo regime fiscal, o governo apostou
suas fichas no aumento das receitas, o que lhe trará dificuldades óbvias diante
da grande carga tributária vigente. Há pressão para que faça, então, todos os
esforços possíveis para diminuir gastos e evitar desperdícios - como pagamentos
de supersalários no setor público. O teto do funcionalismo atual é de R$ 41,6
mil, mas há 25,3 mil funcionários espalhados pela União, por Estados e por
municípios que recebem mais que isso, somando despesas extras de R$ 3,9
bilhões.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
disse que apoia o projeto de lei que, em tese, disciplina o assunto. O projeto
voltou ao Senado em julho de 2021, após ter sido aprovado pelos senadores e
passado pelo crivo dos deputados com modificações, e agora aguarda votação
final.
A elite do funcionalismo, alojada
especialmente no Judiciário e no Ministério Público, recebe bem mais que o teto
porque acrescenta uma inacreditável lista de vantagens que não são consideradas
na conta da remuneração sujeita aos limites. Magistrados têm 60 dias de férias
por ano, diferentemente dos trabalhadores da iniciativa privada; recebem extras
por acúmulo de função e excesso de trabalho e, mesmo assim, podem vender os
dias de descanso remunerado não gozados. Não é incomum que alguns deles recebam
ajustes de contas em algum mês que excedem R$ 100 mil. Um tribunal de Justiça
estadual, por exemplo, pagou em maio R$ 677 milhões em bônus salariais para 604
juízes e desembargadores, referentes a um benefício extinto há duas décadas,
com base em interpretação de uma decisão do Supremo Tribunal Federal.
Na linguagem do setor público, há as verbas
remuneratórias - o salário, propriamente dito - e as indenizatórias, que não
são contabilizadas para efeitos do teto. A criatividade na criação de “indenizações”
foi farta e descontrolada, a ponto de existir pagamento de auxílio-livro, para
juízes que quisessem se atualizar, e auxílio-moradia, mesmo para magistrados
que exercem suas funções onde possuem imóvel próprio de longa data. Membros de
tribunais de Justiça e juízes chegam a receber R$ 13 mil para compra de livros
jurídicos e material de informática. Deputados federais, após o fim do
auxílio-paletó, receberam um salário extra no início do ano legislativo de
2023, para as despesas de início de mandato. O valor de cada benefício segue o
ritmo do livre arbítrio.
Qualquer regulamentação séria acabaria com
a maior parte dessas indenizações. Nas discussões do projeto de lei original no
Senado, foram listados 39 tipos de rendimentos extras e aprovados 9 deles. Na
Câmara, a lista voltou a crescer para 32 tipos de indenizações, direitos
adquiridos ou ressarcimentos que escapariam ao cálculo do teto. A legislação no
qual o governo aposta para domar os supersalários é um remendo de baixa
qualidade, cuja virtude é a de pelo menos disciplinar uma farra descontrolada e
estabelecer “subtetos” para as dezenas de benesses já usufruídas pela elite do
funcionalismo.
Dessa forma, o auxilio-alimentação foi
limitado a 3% do teto (R$ 1.248), planos de saúde, a 5% (R$ 2.080), auxílio-transporte
e auxílio-creche para crianças de até 5 anos, a 3% (R$ 2.496 somados). Apenas
com os auxílios e planos de saúde as vantagens são R$ 6.240. A média de
remuneração dos três Poderes em todos os níveis da federação atinge 13,5% do
PIB e só é inferior entre os países da OCDE (cuja média é de 9,3%) às de
Islândia, Dinamarca e África do Sul (O Globo, 6 de setembro).
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
diz que a Casa pode vetar o projeto contra supersalários, mas também fará o
mesmo com a PEC que restabelece o quinquênio ao Judiciário - aumento de 5% dos
salários a cada 5 anos -, benefício que também não entra na conta do teto
salarial. É a enésima tentativa de ressuscitar uma benesse extinta em 2001. É
importante que os senadores a rejeitem.
Os supersalários são uma faceta da
desorganização estrutural do Estado, que não avalia o mérito de seus
funcionários, tem carreiras demais e planos de carreira de menos, proximidade
desestimulante entre salário de início e fim de carreira, excesso de funcionários
em atividades-meio e falta deles em atividades fim (saúde, educação etc),
improdutividade, desigualdades salariais, absenteísmo e outras disfunções que
tornam os serviços públicos caros para os contribuintes, que são retribuídos
com serviços deploráveis ou ineficientes.
Uma reforma administrativa profunda precisa
ser feita, e uma série de bons diagnósticos foi apresentada ao governo no
início da gestão de Jair Bolsonaro, que não estava interessado nisso. O projeto
que o governo enviou só valeria para novos funcionários e não incluía
militares, nem Legislativo e Judiciário. A redução de despesas com a reforma é
importante, mas seu efeito decisivo será sobre a eficiência do Estado, a
redistribuição justa de salários nas carreiras públicas e a prestação de
serviços de melhor qualidade para a população.
Corrupção estimulada
Folha de S. Paulo
Aniquilar a Lava Jato é tão errado quanto
louvar investigadores vingadores
Havia um padrão nacional nas investigações
de corrupção do passado. Policiais e procuradores levantavam indícios de crime
e percorriam as etapas iniciais da persecução até que, provocadas por luminares
da advocacia, as altas cortes derrubavam tudo.
O processo do mensalão, a evolução dos
órgãos de controle e o advento de inovações legais como a delação premiada e o
acordo de leniência em meados da década passada mudaram essa perspectiva —ou
assim pareceu durante algum tempo, ao menos.
Coloca essa impressão em xeque a sucessão
de eventos recentes que convergem para a aniquilação da Operação Lava Jato.
Decisões esdrúxulas como a do ministro Dias Toffoli, que na quarta
(6) praticamente fulminou o acordo com a Odebrecht, oferecem aos
pessimistas o argumento de que aquele padrão do passado não se alterou.
Os termos da ordem do magistrado do Supremo
Tribunal Federal caberiam num libelo militante, jamais numa manifestação da
corte máxima. Toffoli dá mostras de implorar pelo perdão do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) —em 2019, o ministro inviabilizou a visita do então
custodiado Lula ao funeral de seu irmão.
Essa trajetória errática ilustra o que
ocorreu com a institucionalidade brasileira nesse período. Gestos do mesmo
Toffoli quando presidente da corte na direção do bolsonarismo, como chamar o
golpe de 1964 de "movimento", compõem essa passagem pouco
inspiradora.
A decisão do tribunal constitucional que em
2016 permitiu o cumprimento da prisão após condenação em segunda instância
recheou-se de ironias sobre como o sistema carcerário poderia melhorar com a
presença de detentos ilustres. A Lava Jato e a maioria do STF estavam em
congraçamento.
A vara de Curitiba tinha aval para acumular
uma diversidade de casos sob sua alçada, mesmo que não relacionados aos
desfalques na Petrobras. O argumento que, quando os ventos políticos mudaram,
anulou as condenações de Lula esteve desde cedo escancarado, mas as cortes
deixaram passar.
Não teriam sido necessários os grampos das
inaceitáveis combinações entre procuradores e Sergio Moro nem a
aventura do juiz na política bolsonarista para os tribunais terem podado os
excessos.
Exagerou-se na louvação de vingadores no
passado. Exagera-se agora na tentativa de apagar as provas consolidadas de
corrupção generalizada que foram levantadas pela Lava Jato. Vai-se embora a
criança com a água do banho.
Que não reste dúvida sobre o sinal para o
mundo da política. A corrupção na alta administração voltou a ser crime de
punição improvável —voltou a ser estimulada.
Brutais e ineficientes
Folha de S. Paulo
Com letalidade da PM e baixa solução de
homicídios, urge padronizar indicadores
É fato que a apologia da brutalidade
policial está mais associada aos setores mais toscos da direita, em particular
ao bolsonarismo recente, mas a experiência nacional demonstra que práticas
abusivas das forças de segurança atravessam fronteiras ideológicas.
Em São Paulo, sob o governo Tarcísio de
Freitas (Republicanos) e o comando de um secretário de estado linha-dura,
encerrou-se nesta semana a famigerada Operação Escudo, que foi deflagrada em
reação à morte de um policial militar e resultou num recorde
macabro de 28 mortes de alegados suspeitos pelas mãos do poder público.
Conduzida ao longo de pouco mais de um mês,
a ação foi a mais letal da polícia paulista desde o incomparável massacre do
Carandiru, em 1992. Ficou marcada, ademais, pelo abandono das câmeras corporais
em grande parte de suas intervenções controversas.
Já na Bahia, governada desde 2007 pelo PT,
as forças de segurança obtiveram no ano passado a marca funesta de mais mortais
do país em números absolutos, além do segundo lugar se consideradas as
dimensões da população, ficando atrás apenas do Amapá.
Neste ano a polícia baiana coleciona mais
cifras espantosas de mortes violentas. No início deste mês, uma operação em
Salvador matou dez pessoas em dois dias.
A letalidade brasileira, elevadíssima na
comparação com os padrões internacionais, se faz acompanhar de baixa eficiência
na resolução dos casos de homicídio em geral.
Como noticiou a Folha, a Bahia também
foi líder nacional nesse indicador em 2022 —e, segundo dados da Associação dos
Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), teve a
segunda pior taxa de resolução (17,2%), atrás do Rio (11,8%), o
vice-líder em número de homicídios.
No levantamento da Adepol, a maioria dos
estados considerou a proporção entre os inquéritos concluídos e os abertos no
mesmo ano. Entidades como o Instituto Sou da Paz levam em conta as
investigações que resultam em denúncia do Ministério Público.
Nos dois casos, de todo modo, ficam
evidentes tanto o desempenho insatisfatório em grande parte do país quanto a
precariedade das estatísticas, uma vez que alguns governos nem mesmo informam
os dados de suas polícias.
É descabida a inexistência de indicadores
padronizados que permitam a comparação de resultados e, sobretudo, o
aperfeiçoamento das políticas de segurança pública.
Punir os responsáveis pelo 8 de Janeiro
O Estado de S. Paulo
Oito meses se passaram desde o episódio.
Não cabe leniência, seja com quem orquestrou tão grave atentado à democracia, seja
com quem foi omisso. É preciso concluir as investigações
Completam-se oito meses desde que o Brasil
assistiu à depredação das sedes dos Três Poderes, na maior agressão ao Estado
Democrático de Direito desde a redemocratização. A cadeia de responsabilidades
é extensa. Há a responsabilidade dos que perpetraram os atos materiais de
vandalismo. Há a dos autores intelectuais e financiadores dos crimes. E há a
das autoridades e forças de segurança.
Na arena política, a oposição bolsonarista
acusa o governo de facilitar o ingresso dos vândalos. O governo, por sua vez,
acusa lideranças bolsonaristas de arquitetar a agressão para viabilizar um
golpe de Estado. A primeira tese é implausível na mesma proporção em que a
segunda é plausível. A CPMI do 8 de Janeiro – com conclusão prevista para 17 de
outubro – fez pouco para alterar essas posições. Resta, contudo, o fato de que
houve uma negligência monumental das forças de segurança. É preciso investigar
e atribuir as devidas responsabilidades.
Muito trabalho foi feito até aqui. A
Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou mais de 1.300 pessoas
envolvidas nos atos do 8 de Janeiro, por tipos penais que vão desde a incitação
ao crime e deterioração do patrimônio tombado até associação criminosa armada,
abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Até o
momento, o Supremo Tribunal Federal (STF) já aceitou quase todas essas
denúncias, dando início ao processo penal contra essas pessoas.
O volume dos processos, sua complexidade e
as tensões políticas a que estão submetidos criam um desafio inaudito para a
Justiça, que deve ser especialmente cuidadosa. Não cabe ao Estado ser vingativo
com ninguém. Seu dever é promover um julgamento justo e imparcial, de acordo
com o que dispõe a lei.
A experiência da Lava Jato traz importantes
luzes. O STF, que tanto fez para retificar abusos ao devido processo legal
cometidos durante a operação em nome do combate à corrupção, deve ser cuidadoso
para não incorrer ele mesmo em arbitrariedades similares, agora em nome da
defesa da democracia.
Muito foi feito, mas ainda há muito a fazer
nas investigações do 8 de Janeiro. Não basta denunciar quem estava na Praça dos
Três Poderes e invadiu os prédios públicos. É imprescindível identificar a
dinâmica da intentona golpista e seus articuladores e financiadores, ou seja,
os grandes responsáveis.
Aqui, uma vez mais, o exemplo da Lava Jato
pode ser útil. Não basta fazer um PowerPoint apontando setas para as lideranças
bolsonaristas. É necessário apurar os fatos e colher as provas.
Trata-se de um trabalho investigativo cujo
objetivo é permitir depois, se for o caso, a instauração do processo criminal.
A investigação não é nem pode se converter em uma atividade política. Diante de
tão grave atentado à democracia, o País não pode ser ludibriado de novo.
Além de investigar e punir os principais
responsáveis pelos atos golpistas do 8 de Janeiro – não se tem notícia até o
momento de nenhuma denúncia contra gente graúda –, é preciso investigar e punir
quem foi omisso na proteção da Praça dos Três Poderes. Resta evidente que as
forças de segurança não atuaram como deveriam ter atuado. Quem foram os
responsáveis por tão grave omissão? Foi simples descuido ou a tolerância com os
golpistas foi intencional? O País tem o direito de conhecer a dinâmica e todas
as circunstâncias dos atos antidemocráticos. E esse conhecimento não provém de
declarações políticas, e sim de um trabalho bem feito das autoridades públicas,
tanto no âmbito do inquérito policial como no do processo judicial.
A melhor resposta a atos golpistas – que
atacam as instituições democráticas – é o bom funcionamento das instituições,
com cada uma atuando de acordo com suas competências legais. O objetivo das
investigações não é um fim político – por exemplo, acabar com o bolsonarismo –,
e sim jurídico – punir todos os golpistas, bolsonaristas ou não, e todos os que
descumpriram seus deveres de proteção do Estado Democrático de Direito no 8 de
Janeiro. Sem impunidade e sem vingança, apenas a lei.
Um novo olhar para o ensino técnico
O Estado de S. Paulo
Relegado injustamente à ‘segunda divisão’,
o ensino técnico tem potencial para reduzir desigualdades, transformar muitas
vidas e habilitar o País para a quarta revolução industrial
A falta de mão de obra especializada
bloqueia o avanço da automação e entrava a produtividade no Brasil. Apesar de a
modernização de sistemas e equipamentos estar ocorrendo na indústria nacional –
ainda que de forma mais lenta do que o necessário –, a escassez de profissionais
aptos a operá-los dificulta a evolução tecnológica.
“É como dirigir uma Ferrari só em terceira
marcha”, disse ao Estadão o sócio da consultoria KPMG Luiz Sávio em relação à
falta de preparo para o aproveitamento de tecnologias de última geração, como a
rede 5G de banda larga. Nos setores mais inovadores, como agroindústria,
robótica, saúde e automotivo, muitas vezes há equipamentos de ponta
subutilizados.
O hiato profissional está diretamente
ligado a outro grave problema que demanda solução improtelável: a negligência
em relação ao ensino técnico. A Educação Profissional e Tecnológica (EPT), sua
denominação oficial, é uma modalidade habitualmente relegada à condição de
“segunda divisão” do ensino nacional, quando deveria ser prioridade em um país
que busca protagonismo econômico e redução da desigualdade social.
Como já foi dito e reiterado neste espaço,
é urgente a expansão do ensino técnico, cursado no País por apenas 10% dos
alunos do ensino médio, enquanto a média nos países da Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, é de cerca de 40%.
Ampliar essa participação é crucial,
especialmente num momento em que o mundo assiste a uma verdadeira revolução nas
relações profissionais decorrente do processo de inovação tecnológica. A
profusão de novas atividades produtivas segue em ritmo vertiginoso, enquanto
outras profissões rumam para a obsolescência com velocidade assustadora no que
se convencionou chamar de quarta revolução industrial, ou indústria 4.0.
A recente aprovação da lei que estabelece
novas diretrizes para a política de Educação Profissional e Tecnológica, depois
de quase cinco anos tramitando no Congresso, é um passo para a valorização dos
cursos técnicos e profissionalizantes. Ao promover a integração com o ensino
médio e o superior, com aproveitamento de créditos de áreas afins, a nova lei
fortalece o ensino técnico.
A conexão da educação juvenil com o mundo
real, com as alternativas profissionais do mercado e a qualificação tecnológica
carrega, ao longo do tempo, potencial considerável de ascensão em diversas
direções, desde a redução das estatísticas de evasão escolar até a elevação da
qualificação e renda do trabalho. E o País precisa com urgência subir a
qualidade desses indicadores.
Como mostrou pesquisa recente da OCDE com
37 países, 36% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos não têm ocupação formal.
Somente a África do Sul registrou índice pior do que este na chamada “geração
nem-nem”, que não estuda nem trabalha. Em um país onde a população jovem (pelos
critérios do IBGE, pessoas entre 15 e 29 anos) representa, de acordo com o
último Censo, 23% da população, ou 47 milhões, esta é uma realidade que precisa
mudar.
Derrubar o preconceito contra o ensino
técnico e incentivar e facilitar os canais de acesso aos cursos, com política
pública específica, é dever do Estado e da sociedade. Ampliação das matrículas
e campanhas de incentivo à participação nessa modalidade, adaptação da grade
curricular à nova realidade profissional, articulação com atividades acadêmicas
de pesquisa e inovação: são muitos os caminhos a serem percorridos.
É preciso retirar da educação profissional
o estigma de formação menor que injustamente carrega há décadas. Como se ela
estivesse destinada a jovens inaptos a uma graduação universitária. Pelo
contrário. É a capacitação técnica que vem definindo o futuro dos jovens. A
profissionalização não pode e não deve servir de impedimento para a
continuidade da vida acadêmica.
A lei recém-sancionada fixou o período de dois anos para a elaboração e implementação da política nacional para o ensino técnico. É fundamental que o prazo seja de fato cumprido. O País já perdeu muito tempo.
As crianças e os pais na web
O Estado de S. Paulo
Os riscos envolvidos no uso da internet
pelos filhos demandam acompanhamento e informação dos pais
Encomendada pelo Google, pesquisa da
Nielsen revela que somente 17% dos pais se valem de ferramentas digitais para
monitorar o uso da internet por seus filhos. O porcentual pode servir de
alerta, dada a disponibilidade de meios para essa tarefa e a exposição
crescente de crianças e adolescentes a sites e aplicativos da web. A boa
notícia é que os dados colhidos estão longe de significar uma falta de cuidados
por parte dos pais: 60% afirmaram supervisionar a navegação por outros meios.
O controle parental ajuda a garantir a
segurança dos menores – por extensão, da própria família –, educando-os sobre o
uso ético e responsável da internet. Sejam quais forem os métodos usados, a
orientação e o acompanhamento dos pais e responsáveis são fundamentais para
evitar os riscos de violência digital, assédios, golpes e compartilhamento
indevido de dados. Especialmente quando a atração pelas telas começa cada vez
mais cedo.
A pesquisa da Nielsen trouxe informações
relevantes sobre a conexão cada vez mais presente na vida dos brasileiros de 5
a 17 anos de idade. Entre os entrevistados, 78% dos pais disseram que seus
filhos têm seus próprios celulares, sendo o principal dispositivo de acesso à
internet. O tempo de exposição à web, de uma a duas horas diárias em média para
a maioria das crianças e de três ou mais horas aos adolescentes a partir de 13
anos, lembra a importância de acompanhar o limite de utilização.
Os dados da pesquisa sobre o controle
parental mostram também a importância de os pais conhecerem melhor as
ferramentas de conteúdo disponíveis para aumentar a segurança de seus filhos
durante o acesso. Por exemplo, apenas 6% se valem de senhas para bloquear o
uso. Outros meios, como a observação das telas, apontada como medida cotidiana
por 42% dos entrevistados, e a checagem do histórico de navegação, apontada por
21% deles, são parcialmente eficazes e seu uso tende a diminuir conforme os
filhos crescem.
A diferença geracional impõe especiais
desafios aos pais, mesmo aos adultos nascidos na era digital, na hora de
acompanhar e monitorar as peripécias dos filhos na internet. Não é incomum que
uma criança ensine soluções digitais a adultos. Outros obstáculos de ordem
prática se somam, mesmo quando os responsáveis estão cientes da importância
dessa tarefa. A web não apenas dissemina conhecimentos e oferece mecanismos de
educação complementar. São muitos os perigos envolvidos; por exemplo, com a
difusão de desinformação e as incontáveis modalidades de golpe.
A pesquisa revela que a maioria dos pais e
responsáveis é cuidadosa com a navegação feita pelas crianças e adolescentes.
Os adultos estão cada vez mais conscientes dos riscos, ainda que muitas vezes
não seja simples identificar qual seja a melhor maneira de proteger os filhos.
É preciso informar-se e estar perto das crianças. A vida de todos, também dos
menores de idade, inclui a vida digital. É, portanto, um tema necessário de
diálogo entre pais e filhos, além de esfera de aprendizado para todos.
Saúde mental nas empresas
Correio Braziliense
Esse deficit mental resulta em menor
produtividade, o que representa uma perda de U$ 1 trilhão na economia mundial
Muito se fala sobre a saúde mental das
pessoas no ambiente familiar, mas, no Setembro Amarelo — mês de prevenção ao
suicídio —, o tema é ampliado e há vários debates sobre a saúde mental e o
mercado de trabalho. De acordo com o 1º Boletim Quadrimestral sobre Benefícios
por Incapacidade da Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda, os
transtornos mentais são a terceira principal causa de incapacidade no trabalho
no país.
A pesquisa Índice de Bem-Estar
Corporativo (IBC) do mercado, realizada pela Zenklub, plataforma sobre saúde
mental, mostra os níveis de bem-estar emocional em 13 setores no 1º semestre de
2023. Nenhum dos setores avaliados chegou neste semestre ao índice mínimo ideal
de bem-estar que o estudo exige. Em uma escala de 0 a 100, os cinco setores com
pior desempenho foram bens de consumo e varejo (57,8), imobiliário (61,2),
aviação (61,7), automotivo (62,2) e seguradoras (62,7). Um outro levantamento,
desta vez da Vittude, revela que 33% dos colaboradores avaliados apresentaram
algum tipo de transtorno mental em nível severo ou extremamente severo. Entre
as patologias consideradas no estudo estão: ansiedade, depressão e estresse.
Esse cenário contribui diretamente para o
aparecimento de quadros como o de Burnout. Em um mundo cada vez mais exigente,
que beira a perfeição, as empresas e, consequentemente, seus funcionários são
afetados física e mentalmente. Alguns desenvolvem sintomas e doenças que,
juntos, podem se traduzir em burnout. Um estudo da International Stress
Management Association (Isma) revela que o Brasil ocupa o segundo lugar em
número de casos diagnosticados, superado apenas pelo Japão, onde 70% da
população é afetada pelo problema.
Ana Tomazelli, psicanalista e CEO do
Instituto de Pesquisas e Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas
(Ipefem), diz que as pessoas ainda romantizam aquele sujeito workaholic, que
pensa que, quanto mais rala, mais chances terá de receber reconhecimento, o que
raramente ocorre. Daí surgem os casos de exaustão.
Além disso, existem algumas variáveis
responsáveis pelo adoecimento dos profissionais, como um (a) líder que comete
assédio (moral ou sexual), colegas que praticam bullying, cultura empresarial
de performance com metas duras e inflexíveis, entre outros pontos que podem ser
difíceis de serem levados à esfera judicial. Outros itens envolvem questões
raciais e de gênero — agravantes nesse contexto.
Esse deficit mental resulta em menor
produtividade, o que representa uma perda de U$ 1 trilhão na economia mundial. Na
ordem inversa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) mostra que, para cada US$ 1
dólar investido em ações que promovem melhorias no bem-estar mental dos
colaboradores — como férias-prêmio, plano de saúde etc. —, US$ 4 retornam em
ganhos com produtividade. Enfim, sigam os dizeres da OMS: ambientes de trabalho
seguros e saudáveis são um direito fundamental. Cabeça no lugar, maior
concentração, menos tensões e, logicamente, maior produtividade.
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