sexta-feira, 8 de setembro de 2023

O que a mídia pensa: editoriais / Opiniões

Os recados que a Índia transmite para o Brasil

O Globo

País que sedia reunião do G20 acaba de fazer primeiro pouso lunar e está entre economias mais promissoras

O pouso lunar da nave indiana Chandrayaan-3 em 23 de agosto representou uma conquista não apenas técnica. Ao se tornar o quarto país a obter sucesso numa missão à Lua — na mesma semana em que fracassou uma tentativa russa de repetir a última alunissagem soviética em 1976 —, a Índia transmitiu um recado sobre as ambições do hoje país mais populoso do mundo, com 1,4 bilhão de habitantes. Além de denotar conhecimento científico e domínio tecnológico, o feito aumenta a musculatura geopolítica do governo que recebe nos próximos dias o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a reunião do G20.

Os indianos foram os primeiros a pôr uma nave no polo Sul lunar, região no lado escuro onde há gelo permanente, a uma fração modesta do orçamento que a Nasa solicitou para voltar a enviar astronautas à Lua. Neste século, apenas a China havia pousado com sucesso no satélite. “Na cena global, o pouso representa um momento de chegada, com claros ganhos políticos para o primeiro-ministro Narendra Modi”, afirma o analista Michael Kugelman, diretor do South Asia Institute no Wilson Center, em Washington.

Modi continua a fazer jus às críticas à agenda nacional-populista do Partido do Povo Indiano (BJP), combustível da violência religiosa de hindus contra muçulmanos e cristãos (só no estado de Manipur, o saldo recente soma 120 mortos, 50 mil deslocados, 1.700 casas e 250 igrejas destruídas). A Índia também é um país de pobreza endêmica e indicadores sociais lastimáveis. Num contraponto inusitado ao avanço científico, mandou retirar do currículo de alunos de 14 a 16 anos a teoria da evolução, a tabela periódica e questões relacionadas à sustentabilidade ambiental. No campo diplomático, mantém relação acidentada com o vizinho Paquistão, dificultada pelo arsenal nuclear de ambos. Para não falar na tensa disputa territorial com a China no Himalaia. Exemplos para Lula não seguir.

Mas nenhum desses obstáculos tem contido o ímpeto indiano. Num continente que envelhece, a população indiana ainda é jovem, e a participação feminina no mercado de trabalho é baixa — duas características demográficas que favorecem o crescimento econômico. Os indianos descobriram recentemente reservas de lítio — mineral fundamental para baterias de veículos elétricos — e desenvolvem um arrojado plano de transição energética, com a participação do setor privado, para livrar-se do carvão poluente. Não é à toa que, pelas previsões do FMI, a economia indiana está entre as mais promissoras (hoje cresce no ritmo mais rápido em quase 15 anos).

O programa espacial indiano mostra competência científica e capacidade de gestão. É resultado de investimento contínuo num sistema de ensino capaz de formar uma elite técnica de nível global e do intercâmbio com a diáspora indiana no exterior. A ver se as recentes mudanças curriculares não põem tudo a perder.

Lula deverá repetir ao G20 seu discurso sobre desigualdade global e insistir na relevância de alianças como o Brics, recém-ampliado, para se contrapor ao Ocidente. Se deixasse de lado a ideologia ultrapassada e olhasse ao redor, teria lições muito mais importantes — positivas e negativas — a extrair dos anfitriões.

Enfraquecer Lei da Ficha Limpa seria um erro com custo elevado

O Globo

Proposta aprovada na Câmara traz benefício injustificável aos candidatos com processos na Justiça

Em 13 anos de vigência, a Lei da Ficha Limpa (LFL) tem sido uma barreira eficaz à entrada no Legislativo e no Executivo de candidatos condenados em segunda instância por violações no exercício da vida pública ou fora dela — desde delitos contra administração e patrimônio públicos, meio ambiente ou saúde pública, até crimes como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro ou participação em organização criminosa. A LFL surgiu não de proposta parlamentar, mas de um projeto de iniciativa popular que reuniu assinaturas de 1,6 milhão de cidadãos. Por suas características, é alvo frequente de tentativas de alteração.

A mais recente está embutida na “minirreforma eleitoral” em tramitação no Congresso, cujos objetivos incluem flexibilizar normas que regem a publicidade em campanhas e simplificar a prestação de contas de candidatos e partidos. Para a LFL, a proposta é mudar a forma como são calculados os oito anos de inelegibilidade estabelecidos para os políticos condenados em segunda instância. A ideia é retirar da lei a determinação de que sejam contados a partir do final do cumprimento da pena a que foi condenado o candidato e que passem a valer desde a condenação.

A justificativa alegada é a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, restabelecendo que o cumprimento das penas precisa esperar o julgamento de todos os recursos, situação jurídica conhecida como “trânsito em julgado”. A alteração já foi aprovada na Câmara e está no Senado.

Com a inelegibilidade contando desde a condenação, o político com ficha suja se beneficiaria, pois o prazo correria em paralelo ao andamento de seu processo por todas as instâncias do Judiciário. Na prática, como os oito anos equivalem a dois mandatos, ele poderá até ser eleito enquanto ainda tem dívidas na Justiça. Fazer cumprir as duas penas concomitantemente equivale, portanto, a reduzir a eficácia da lei.

No mundo político, há muita gente com condição de contratar advogados capazes de protelar uma condenação por oito anos, tempo da pena estabelecida pela LFL. Ou por muito mais. O texto aprovado pelos deputados abre margem a situações esdrúxulas, em que condenados pela Lei da Ficha Limpa começarão logo a cumprir a pena de inelegibilidade, enquanto protelam processos até um futuro indeterminado.

Em mais de uma década, a Lei da Ficha Limpa afastou de cargos eletivos criminosos de todo tipo. Não pode ser enfraquecida. Não apenas em nome do combate à corrupção, mas também porque hoje facções criminosas e milícias tentam se aproximar da política para defender seus interesses. Quando mais se precisará da lei, mais ela fará falta.

É preciso pôr um fim à farra dos supersalários

Valor Econômico

Reforma administrativa é decisiva para modernizar o Estado e torná-lo eficiente

No novo regime fiscal, o governo apostou suas fichas no aumento das receitas, o que lhe trará dificuldades óbvias diante da grande carga tributária vigente. Há pressão para que faça, então, todos os esforços possíveis para diminuir gastos e evitar desperdícios - como pagamentos de supersalários no setor público. O teto do funcionalismo atual é de R$ 41,6 mil, mas há 25,3 mil funcionários espalhados pela União, por Estados e por municípios que recebem mais que isso, somando despesas extras de R$ 3,9 bilhões.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que apoia o projeto de lei que, em tese, disciplina o assunto. O projeto voltou ao Senado em julho de 2021, após ter sido aprovado pelos senadores e passado pelo crivo dos deputados com modificações, e agora aguarda votação final.

A elite do funcionalismo, alojada especialmente no Judiciário e no Ministério Público, recebe bem mais que o teto porque acrescenta uma inacreditável lista de vantagens que não são consideradas na conta da remuneração sujeita aos limites. Magistrados têm 60 dias de férias por ano, diferentemente dos trabalhadores da iniciativa privada; recebem extras por acúmulo de função e excesso de trabalho e, mesmo assim, podem vender os dias de descanso remunerado não gozados. Não é incomum que alguns deles recebam ajustes de contas em algum mês que excedem R$ 100 mil. Um tribunal de Justiça estadual, por exemplo, pagou em maio R$ 677 milhões em bônus salariais para 604 juízes e desembargadores, referentes a um benefício extinto há duas décadas, com base em interpretação de uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

Na linguagem do setor público, há as verbas remuneratórias - o salário, propriamente dito - e as indenizatórias, que não são contabilizadas para efeitos do teto. A criatividade na criação de “indenizações” foi farta e descontrolada, a ponto de existir pagamento de auxílio-livro, para juízes que quisessem se atualizar, e auxílio-moradia, mesmo para magistrados que exercem suas funções onde possuem imóvel próprio de longa data. Membros de tribunais de Justiça e juízes chegam a receber R$ 13 mil para compra de livros jurídicos e material de informática. Deputados federais, após o fim do auxílio-paletó, receberam um salário extra no início do ano legislativo de 2023, para as despesas de início de mandato. O valor de cada benefício segue o ritmo do livre arbítrio.

Qualquer regulamentação séria acabaria com a maior parte dessas indenizações. Nas discussões do projeto de lei original no Senado, foram listados 39 tipos de rendimentos extras e aprovados 9 deles. Na Câmara, a lista voltou a crescer para 32 tipos de indenizações, direitos adquiridos ou ressarcimentos que escapariam ao cálculo do teto. A legislação no qual o governo aposta para domar os supersalários é um remendo de baixa qualidade, cuja virtude é a de pelo menos disciplinar uma farra descontrolada e estabelecer “subtetos” para as dezenas de benesses já usufruídas pela elite do funcionalismo.

Dessa forma, o auxilio-alimentação foi limitado a 3% do teto (R$ 1.248), planos de saúde, a 5% (R$ 2.080), auxílio-transporte e auxílio-creche para crianças de até 5 anos, a 3% (R$ 2.496 somados). Apenas com os auxílios e planos de saúde as vantagens são R$ 6.240. A média de remuneração dos três Poderes em todos os níveis da federação atinge 13,5% do PIB e só é inferior entre os países da OCDE (cuja média é de 9,3%) às de Islândia, Dinamarca e África do Sul (O Globo, 6 de setembro).

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, diz que a Casa pode vetar o projeto contra supersalários, mas também fará o mesmo com a PEC que restabelece o quinquênio ao Judiciário - aumento de 5% dos salários a cada 5 anos -, benefício que também não entra na conta do teto salarial. É a enésima tentativa de ressuscitar uma benesse extinta em 2001. É importante que os senadores a rejeitem.

Os supersalários são uma faceta da desorganização estrutural do Estado, que não avalia o mérito de seus funcionários, tem carreiras demais e planos de carreira de menos, proximidade desestimulante entre salário de início e fim de carreira, excesso de funcionários em atividades-meio e falta deles em atividades fim (saúde, educação etc), improdutividade, desigualdades salariais, absenteísmo e outras disfunções que tornam os serviços públicos caros para os contribuintes, que são retribuídos com serviços deploráveis ou ineficientes.

Uma reforma administrativa profunda precisa ser feita, e uma série de bons diagnósticos foi apresentada ao governo no início da gestão de Jair Bolsonaro, que não estava interessado nisso. O projeto que o governo enviou só valeria para novos funcionários e não incluía militares, nem Legislativo e Judiciário. A redução de despesas com a reforma é importante, mas seu efeito decisivo será sobre a eficiência do Estado, a redistribuição justa de salários nas carreiras públicas e a prestação de serviços de melhor qualidade para a população.

Corrupção estimulada

Folha de S. Paulo

Aniquilar a Lava Jato é tão errado quanto louvar investigadores vingadores

Havia um padrão nacional nas investigações de corrupção do passado. Policiais e procuradores levantavam indícios de crime e percorriam as etapas iniciais da persecução até que, provocadas por luminares da advocacia, as altas cortes derrubavam tudo.

O processo do mensalão, a evolução dos órgãos de controle e o advento de inovações legais como a delação premiada e o acordo de leniência em meados da década passada mudaram essa perspectiva —ou assim pareceu durante algum tempo, ao menos.

Coloca essa impressão em xeque a sucessão de eventos recentes que convergem para a aniquilação da Operação Lava Jato. Decisões esdrúxulas como a do ministro Dias Toffoli, que na quarta (6) praticamente fulminou o acordo com a Odebrecht, oferecem aos pessimistas o argumento de que aquele padrão do passado não se alterou.

Os termos da ordem do magistrado do Supremo Tribunal Federal caberiam num libelo militante, jamais numa manifestação da corte máxima. Toffoli dá mostras de implorar pelo perdão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —em 2019, o ministro inviabilizou a visita do então custodiado Lula ao funeral de seu irmão.

Essa trajetória errática ilustra o que ocorreu com a institucionalidade brasileira nesse período. Gestos do mesmo Toffoli quando presidente da corte na direção do bolsonarismo, como chamar o golpe de 1964 de "movimento", compõem essa passagem pouco inspiradora.

A decisão do tribunal constitucional que em 2016 permitiu o cumprimento da prisão após condenação em segunda instância recheou-se de ironias sobre como o sistema carcerário poderia melhorar com a presença de detentos ilustres. A Lava Jato e a maioria do STF estavam em congraçamento.

A vara de Curitiba tinha aval para acumular uma diversidade de casos sob sua alçada, mesmo que não relacionados aos desfalques na Petrobras. O argumento que, quando os ventos políticos mudaram, anulou as condenações de Lula esteve desde cedo escancarado, mas as cortes deixaram passar.

Não teriam sido necessários os grampos das inaceitáveis combinações entre procuradores e Sergio Moro nem a aventura do juiz na política bolsonarista para os tribunais terem podado os excessos.

Exagerou-se na louvação de vingadores no passado. Exagera-se agora na tentativa de apagar as provas consolidadas de corrupção generalizada que foram levantadas pela Lava Jato. Vai-se embora a criança com a água do banho.

Que não reste dúvida sobre o sinal para o mundo da política. A corrupção na alta administração voltou a ser crime de punição improvável —voltou a ser estimulada.

Brutais e ineficientes

Folha de S. Paulo

Com letalidade da PM e baixa solução de homicídios, urge padronizar indicadores

É fato que a apologia da brutalidade policial está mais associada aos setores mais toscos da direita, em particular ao bolsonarismo recente, mas a experiência nacional demonstra que práticas abusivas das forças de segurança atravessam fronteiras ideológicas.

Em São Paulo, sob o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o comando de um secretário de estado linha-dura, encerrou-se nesta semana a famigerada Operação Escudo, que foi deflagrada em reação à morte de um policial militar e resultou num recorde macabro de 28 mortes de alegados suspeitos pelas mãos do poder público.

Conduzida ao longo de pouco mais de um mês, a ação foi a mais letal da polícia paulista desde o incomparável massacre do Carandiru, em 1992. Ficou marcada, ademais, pelo abandono das câmeras corporais em grande parte de suas intervenções controversas.

Já na Bahia, governada desde 2007 pelo PT, as forças de segurança obtiveram no ano passado a marca funesta de mais mortais do país em números absolutos, além do segundo lugar se consideradas as dimensões da população, ficando atrás apenas do Amapá.

Neste ano a polícia baiana coleciona mais cifras espantosas de mortes violentas. No início deste mês, uma operação em Salvador matou dez pessoas em dois dias.

A letalidade brasileira, elevadíssima na comparação com os padrões internacionais, se faz acompanhar de baixa eficiência na resolução dos casos de homicídio em geral.

Como noticiou a Folha, a Bahia também foi líder nacional nesse indicador em 2022 —e, segundo dados da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), teve a segunda pior taxa de resolução (17,2%), atrás do Rio (11,8%), o vice-líder em número de homicídios.

No levantamento da Adepol, a maioria dos estados considerou a proporção entre os inquéritos concluídos e os abertos no mesmo ano. Entidades como o Instituto Sou da Paz levam em conta as investigações que resultam em denúncia do Ministério Público.

Nos dois casos, de todo modo, ficam evidentes tanto o desempenho insatisfatório em grande parte do país quanto a precariedade das estatísticas, uma vez que alguns governos nem mesmo informam os dados de suas polícias.

É descabida a inexistência de indicadores padronizados que permitam a comparação de resultados e, sobretudo, o aperfeiçoamento das políticas de segurança pública.

Punir os responsáveis pelo 8 de Janeiro

O Estado de S. Paulo

Oito meses se passaram desde o episódio. Não cabe leniência, seja com quem orquestrou tão grave atentado à democracia, seja com quem foi omisso. É preciso concluir as investigações

Completam-se oito meses desde que o Brasil assistiu à depredação das sedes dos Três Poderes, na maior agressão ao Estado Democrático de Direito desde a redemocratização. A cadeia de responsabilidades é extensa. Há a responsabilidade dos que perpetraram os atos materiais de vandalismo. Há a dos autores intelectuais e financiadores dos crimes. E há a das autoridades e forças de segurança.

Na arena política, a oposição bolsonarista acusa o governo de facilitar o ingresso dos vândalos. O governo, por sua vez, acusa lideranças bolsonaristas de arquitetar a agressão para viabilizar um golpe de Estado. A primeira tese é implausível na mesma proporção em que a segunda é plausível. A CPMI do 8 de Janeiro – com conclusão prevista para 17 de outubro – fez pouco para alterar essas posições. Resta, contudo, o fato de que houve uma negligência monumental das forças de segurança. É preciso investigar e atribuir as devidas responsabilidades.

Muito trabalho foi feito até aqui. A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou mais de 1.300 pessoas envolvidas nos atos do 8 de Janeiro, por tipos penais que vão desde a incitação ao crime e deterioração do patrimônio tombado até associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Até o momento, o Supremo Tribunal Federal (STF) já aceitou quase todas essas denúncias, dando início ao processo penal contra essas pessoas.

O volume dos processos, sua complexidade e as tensões políticas a que estão submetidos criam um desafio inaudito para a Justiça, que deve ser especialmente cuidadosa. Não cabe ao Estado ser vingativo com ninguém. Seu dever é promover um julgamento justo e imparcial, de acordo com o que dispõe a lei.

A experiência da Lava Jato traz importantes luzes. O STF, que tanto fez para retificar abusos ao devido processo legal cometidos durante a operação em nome do combate à corrupção, deve ser cuidadoso para não incorrer ele mesmo em arbitrariedades similares, agora em nome da defesa da democracia.

Muito foi feito, mas ainda há muito a fazer nas investigações do 8 de Janeiro. Não basta denunciar quem estava na Praça dos Três Poderes e invadiu os prédios públicos. É imprescindível identificar a dinâmica da intentona golpista e seus articuladores e financiadores, ou seja, os grandes responsáveis.

Aqui, uma vez mais, o exemplo da Lava Jato pode ser útil. Não basta fazer um PowerPoint apontando setas para as lideranças bolsonaristas. É necessário apurar os fatos e colher as provas.

Trata-se de um trabalho investigativo cujo objetivo é permitir depois, se for o caso, a instauração do processo criminal. A investigação não é nem pode se converter em uma atividade política. Diante de tão grave atentado à democracia, o País não pode ser ludibriado de novo.

Além de investigar e punir os principais responsáveis pelos atos golpistas do 8 de Janeiro – não se tem notícia até o momento de nenhuma denúncia contra gente graúda –, é preciso investigar e punir quem foi omisso na proteção da Praça dos Três Poderes. Resta evidente que as forças de segurança não atuaram como deveriam ter atuado. Quem foram os responsáveis por tão grave omissão? Foi simples descuido ou a tolerância com os golpistas foi intencional? O País tem o direito de conhecer a dinâmica e todas as circunstâncias dos atos antidemocráticos. E esse conhecimento não provém de declarações políticas, e sim de um trabalho bem feito das autoridades públicas, tanto no âmbito do inquérito policial como no do processo judicial.

A melhor resposta a atos golpistas – que atacam as instituições democráticas – é o bom funcionamento das instituições, com cada uma atuando de acordo com suas competências legais. O objetivo das investigações não é um fim político – por exemplo, acabar com o bolsonarismo –, e sim jurídico – punir todos os golpistas, bolsonaristas ou não, e todos os que descumpriram seus deveres de proteção do Estado Democrático de Direito no 8 de Janeiro. Sem impunidade e sem vingança, apenas a lei.

Um novo olhar para o ensino técnico

O Estado de S. Paulo

Relegado injustamente à ‘segunda divisão’, o ensino técnico tem potencial para reduzir desigualdades, transformar muitas vidas e habilitar o País para a quarta revolução industrial

A falta de mão de obra especializada bloqueia o avanço da automação e entrava a produtividade no Brasil. Apesar de a modernização de sistemas e equipamentos estar ocorrendo na indústria nacional – ainda que de forma mais lenta do que o necessário –, a escassez de profissionais aptos a operá-los dificulta a evolução tecnológica.

“É como dirigir uma Ferrari só em terceira marcha”, disse ao Estadão o sócio da consultoria KPMG Luiz Sávio em relação à falta de preparo para o aproveitamento de tecnologias de última geração, como a rede 5G de banda larga. Nos setores mais inovadores, como agroindústria, robótica, saúde e automotivo, muitas vezes há equipamentos de ponta subutilizados.

O hiato profissional está diretamente ligado a outro grave problema que demanda solução improtelável: a negligência em relação ao ensino técnico. A Educação Profissional e Tecnológica (EPT), sua denominação oficial, é uma modalidade habitualmente relegada à condição de “segunda divisão” do ensino nacional, quando deveria ser prioridade em um país que busca protagonismo econômico e redução da desigualdade social.

Como já foi dito e reiterado neste espaço, é urgente a expansão do ensino técnico, cursado no País por apenas 10% dos alunos do ensino médio, enquanto a média nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, é de cerca de 40%.

Ampliar essa participação é crucial, especialmente num momento em que o mundo assiste a uma verdadeira revolução nas relações profissionais decorrente do processo de inovação tecnológica. A profusão de novas atividades produtivas segue em ritmo vertiginoso, enquanto outras profissões rumam para a obsolescência com velocidade assustadora no que se convencionou chamar de quarta revolução industrial, ou indústria 4.0.

A recente aprovação da lei que estabelece novas diretrizes para a política de Educação Profissional e Tecnológica, depois de quase cinco anos tramitando no Congresso, é um passo para a valorização dos cursos técnicos e profissionalizantes. Ao promover a integração com o ensino médio e o superior, com aproveitamento de créditos de áreas afins, a nova lei fortalece o ensino técnico.

A conexão da educação juvenil com o mundo real, com as alternativas profissionais do mercado e a qualificação tecnológica carrega, ao longo do tempo, potencial considerável de ascensão em diversas direções, desde a redução das estatísticas de evasão escolar até a elevação da qualificação e renda do trabalho. E o País precisa com urgência subir a qualidade desses indicadores.

Como mostrou pesquisa recente da OCDE com 37 países, 36% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos não têm ocupação formal. Somente a África do Sul registrou índice pior do que este na chamada “geração nem-nem”, que não estuda nem trabalha. Em um país onde a população jovem (pelos critérios do IBGE, pessoas entre 15 e 29 anos) representa, de acordo com o último Censo, 23% da população, ou 47 milhões, esta é uma realidade que precisa mudar.

Derrubar o preconceito contra o ensino técnico e incentivar e facilitar os canais de acesso aos cursos, com política pública específica, é dever do Estado e da sociedade. Ampliação das matrículas e campanhas de incentivo à participação nessa modalidade, adaptação da grade curricular à nova realidade profissional, articulação com atividades acadêmicas de pesquisa e inovação: são muitos os caminhos a serem percorridos.

É preciso retirar da educação profissional o estigma de formação menor que injustamente carrega há décadas. Como se ela estivesse destinada a jovens inaptos a uma graduação universitária. Pelo contrário. É a capacitação técnica que vem definindo o futuro dos jovens. A profissionalização não pode e não deve servir de impedimento para a continuidade da vida acadêmica.

A lei recém-sancionada fixou o período de dois anos para a elaboração e implementação da política nacional para o ensino técnico. É fundamental que o prazo seja de fato cumprido. O País já perdeu muito tempo.

As crianças e os pais na web

O Estado de S. Paulo

Os riscos envolvidos no uso da internet pelos filhos demandam acompanhamento e informação dos pais

Encomendada pelo Google, pesquisa da Nielsen revela que somente 17% dos pais se valem de ferramentas digitais para monitorar o uso da internet por seus filhos. O porcentual pode servir de alerta, dada a disponibilidade de meios para essa tarefa e a exposição crescente de crianças e adolescentes a sites e aplicativos da web. A boa notícia é que os dados colhidos estão longe de significar uma falta de cuidados por parte dos pais: 60% afirmaram supervisionar a navegação por outros meios.

O controle parental ajuda a garantir a segurança dos menores – por extensão, da própria família –, educando-os sobre o uso ético e responsável da internet. Sejam quais forem os métodos usados, a orientação e o acompanhamento dos pais e responsáveis são fundamentais para evitar os riscos de violência digital, assédios, golpes e compartilhamento indevido de dados. Especialmente quando a atração pelas telas começa cada vez mais cedo.

A pesquisa da Nielsen trouxe informações relevantes sobre a conexão cada vez mais presente na vida dos brasileiros de 5 a 17 anos de idade. Entre os entrevistados, 78% dos pais disseram que seus filhos têm seus próprios celulares, sendo o principal dispositivo de acesso à internet. O tempo de exposição à web, de uma a duas horas diárias em média para a maioria das crianças e de três ou mais horas aos adolescentes a partir de 13 anos, lembra a importância de acompanhar o limite de utilização.

Os dados da pesquisa sobre o controle parental mostram também a importância de os pais conhecerem melhor as ferramentas de conteúdo disponíveis para aumentar a segurança de seus filhos durante o acesso. Por exemplo, apenas 6% se valem de senhas para bloquear o uso. Outros meios, como a observação das telas, apontada como medida cotidiana por 42% dos entrevistados, e a checagem do histórico de navegação, apontada por 21% deles, são parcialmente eficazes e seu uso tende a diminuir conforme os filhos crescem.

A diferença geracional impõe especiais desafios aos pais, mesmo aos adultos nascidos na era digital, na hora de acompanhar e monitorar as peripécias dos filhos na internet. Não é incomum que uma criança ensine soluções digitais a adultos. Outros obstáculos de ordem prática se somam, mesmo quando os responsáveis estão cientes da importância dessa tarefa. A web não apenas dissemina conhecimentos e oferece mecanismos de educação complementar. São muitos os perigos envolvidos; por exemplo, com a difusão de desinformação e as incontáveis modalidades de golpe.

A pesquisa revela que a maioria dos pais e responsáveis é cuidadosa com a navegação feita pelas crianças e adolescentes. Os adultos estão cada vez mais conscientes dos riscos, ainda que muitas vezes não seja simples identificar qual seja a melhor maneira de proteger os filhos. É preciso informar-se e estar perto das crianças. A vida de todos, também dos menores de idade, inclui a vida digital. É, portanto, um tema necessário de diálogo entre pais e filhos, além de esfera de aprendizado para todos.

 Saúde mental nas empresas

Correio Braziliense

Esse deficit mental resulta em menor produtividade, o que representa uma perda de U$ 1 trilhão na economia mundial

Muito se fala sobre a saúde mental das pessoas no ambiente familiar, mas, no Setembro Amarelo — mês de prevenção ao suicídio —, o tema é ampliado e há vários debates sobre a saúde mental e o mercado de trabalho. De acordo com o 1º Boletim Quadrimestral sobre Benefícios por Incapacidade da Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda, os transtornos mentais são a terceira principal causa de incapacidade no trabalho no país.

A pesquisa Índice de Bem-Estar Corporativo (IBC) do mercado, realizada pela Zenklub, plataforma sobre saúde mental, mostra os níveis de bem-estar emocional em 13 setores no 1º semestre de 2023. Nenhum dos setores avaliados chegou neste semestre ao índice mínimo ideal de bem-estar que o estudo exige. Em uma escala de 0 a 100, os cinco setores com pior desempenho foram bens de consumo e varejo (57,8), imobiliário (61,2), aviação (61,7), automotivo (62,2) e seguradoras (62,7). Um outro levantamento, desta vez da Vittude, revela que 33% dos colaboradores avaliados apresentaram algum tipo de transtorno mental em nível severo ou extremamente severo. Entre as patologias consideradas no estudo estão: ansiedade, depressão e estresse.

Esse cenário contribui diretamente para o aparecimento de quadros como o de Burnout. Em um mundo cada vez mais exigente, que beira a perfeição, as empresas e, consequentemente, seus funcionários são afetados física e mentalmente. Alguns desenvolvem sintomas e doenças que, juntos, podem se traduzir em burnout. Um estudo da International Stress Management Association (Isma) revela que o Brasil ocupa o segundo lugar em número de casos diagnosticados, superado apenas pelo Japão, onde 70% da população é afetada pelo problema.

Ana Tomazelli, psicanalista e CEO do Instituto de Pesquisas e Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas (Ipefem), diz que as pessoas ainda romantizam aquele sujeito workaholic, que pensa que, quanto mais rala, mais chances terá de receber reconhecimento, o que raramente ocorre. Daí surgem os casos de exaustão.

Além disso, existem algumas variáveis responsáveis pelo adoecimento dos profissionais, como um (a) líder que comete assédio (moral ou sexual), colegas que praticam bullying, cultura empresarial de performance com metas duras e inflexíveis, entre outros pontos que podem ser difíceis de serem levados à esfera judicial. Outros itens envolvem questões raciais e de gênero — agravantes nesse contexto.

Esse deficit mental resulta em menor produtividade, o que representa uma perda de U$ 1 trilhão na economia mundial. Na ordem inversa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) mostra que, para cada US$ 1 dólar investido em ações que promovem melhorias no bem-estar mental dos colaboradores — como férias-prêmio, plano de saúde etc. —, US$ 4 retornam em ganhos com produtividade. Enfim, sigam os dizeres da OMS: ambientes de trabalho seguros e saudáveis são um direito fundamental. Cabeça no lugar, maior concentração, menos tensões e, logicamente, maior produtividade.

 

 

 

 

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