Folha de S. Paulo
Pronunciamento em TV foi preparação para a
parada cívico-militar, que pregou o lema 'democracia, união e reconstrução'
Por definição, o desfile cívico-militar de
7 de Setembro não está à mercê dos desvarios da política brasileira. Sua
simbologia deve transmitir a estabilidade das instituições, garantindo a
continuidade da soberania nacional.
Os ideais governistas se restringem, então,
às margens das avenidas de Brasília. O lema "democracia, união e
soberania" adotado
pelo presidente Lula, do PT, se esmerou nos detalhes, no desfile desta
quinta-feira.
De início, esteve presente no tubinho
vermelho, vestido pela primeira-dama, Rosângela Lula da
Silva, a Janja. Coube a ela comunicar aos brasileiros que o desfile se
daria, novamente, sob a égide de um governo petista.
O presidente, ele próprio, preferiu usar um
terno azul-marinho, adornado por uma gravata com as cores da bandeira. Sem usar
o vermelho, Lula expressou o desejo de governar para todos, em mais um gesto de
pacificação do país, ideologicamente dividido.
Em termos práticos, o público acompanhou um
ritual, alicerçado na ordem e na repetição, que lembra, todos os anos, a
soberania política e territorial do Brasil. Os símbolos, dispostos na
Esplanada, pouco têm a ver com os temas da ordem do dia. Segundo os
organizadores, a estratégia é se apropriar do desfile, de modo a expressar uma
mensagem. Ou seja, o símbolo é uma redundância. O importante é o que se diz
sobre ele.
Nesse sentido, a parada cívico-militar estabeleceu um contraponto à ideologia do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, do PL. O Zé Gotinha, mascote da vacinação do SUS, desfilou num carro dos bombeiros, reforçando o respeito à ciência, sobretudo depois dos anos de pandemia. A presença da mascote homenageou os profissionais da saúde e louvou os esforços da ciência.
Noutro momento, indígenas que integram as
Forças Armadas se posicionaram diante do palanque das autoridades e, cada um
deles, fez um breve discurso, em suas respectivas línguas, para a reverência da
ministra dos Povos Originários, Sonia Guajajara. No palanque, foi sentida a
ausência de Ana Moser, demitida ontem da pasta do Esporte, numa tentativa de
Lula conseguir um apoio mais efetivo do centrão.
A transmissão ao vivo do desfile, feita
pela TV do governo, reforçou o respeito ao meio ambiente, durante as manobras
das aeronaves da Esquadrilha da Fumaça. Os apresentadores ressaltaram que a
fumaça era feita com um lubrificante biodegradável, substância que não poluiria
o ambiente.
Às margens da Esplanada, o público que se
adensava às grades misturava o vermelho, do PT, às cores da bandeira. O verde e
amarelo, símbolo do nacionalismo de Jair Bolsonaro, ganhou novos matizes,
incorporando a diversidade ideológica. Não raro, as pessoas, vestidas de verde
e amarelo, faziam o sinal de "L", de Lula, para as câmeras da
transmissão ao vivo.
Desse modo, o pronunciamento presidencial
em rede nacional, realizado na véspera do desfile de 7 de Setembro, pode ser
considerado como uma preparação para a data cívica. Aproveitando para fazer um
balanço do governo, Lula deu o tom das comemorações, afirmando que a democracia
é o pilar para a construção do futuro dos brasileiros.
Em 2021, Jair Bolsonaro havia usado a data
para defender os próprios interesses e chamou Alexandre de Moraes, um dos ministros
do Supremo Tribunal Federal, de canalha. No ano passado, a data mobilizou
multidões pelo país, num ambiente em que a comemoração dos 200 anos da
Independência havia se transformado em propaganda eleitoral.
Se o desfile de caças e tanques serviu
agora para destacar o investimento científico, a parada cívico-militar tinha
conotação bélica —portanto, literal— no governo passado.
Do mesmo modo, o verde e amarelo de seus
apoiadores, que lotaram as principais cidades do país, demonstraram o ufanismo,
que caracterizou o mandato de Bolsonaro. Não raro, os seguidores do
ex-presidente expressavam saudades da ditadura militar, numa equação torta para
conjugar soberania e democracia.
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