O Estado de S. Paulo
A palavra “bronca” é parte da lista de
gírias criadas na periferia de Buenos Aires. Chegou ao Brasil pelas letras do tango.
Como “otário”, “boludo”, “mina” e “ir em cana”, compõe o dialeto lunfardo,
desenvolvido pelos imigrantes italianos.
O voto bronca é o que foi dado nas primárias de agosto na Argentina ao candidato Javier Milei que se intitula anarcocapitalista e prega a dolarização radical da economia, o fechamento do banco central, a saída da Argentina do Mercosul, a suspensão dos acordos comerciais com a China e proclama “afuera” à maioria dos ministérios do governo central. Com essa pregação, conquistou quase 30% dos votos e se tornou forte candidato à presidência da Argentina.
A questão de fundo é a de que a economia do
país vai afundando. A inflação está a 113% ao ano, mas tende a subir, porque o
governo impôs o congelamento dos preços dos gêneros essenciais aos supermercados
que, mais cedo ou mais tarde, terão de ser reajustados sob pena de aumentar o
já notório desabastecimento.
Há mais de 15 tipos de câmbio, o dólar blue
(principal referência no câmbio paralelo) oscila em torno dos 720 pesos, alta
acumulada de 100% em 2023. As distorções se acumulam, não há moeda estrangeira
para pagar importações e saldar compromissos externos. No entanto, avaliam os
analistas, os argentinos mantêm escondidos, em casa ou em bancos estrangeiros,
mais de US$ 200 bilhões de dólares. Essa poupança não flui porque não há por lá
quem confie no sistema bancário depois do “corralito” de 2001, que limitou os
saques a 250 pesos semanais.
O argentino está cansado do “siempre el
peor de lo mismo” e os outros dois candidatos, o da Frente Peronista, Sergio
Massa, e a da coalizão opositora Juntos pela Mudança, Patricia Bullrich, não
apresentam proposta convincente para o que terá de ser uma vasta operação de
consertos, o que exigiria muita vontade política e enormes sacrifícios de uma
população da qual 40% já se encontram na pobreza.
Massa é o ministro da Economia do atual
governo e, portanto, parte da falência da administração pública. Bullrich
integrou o governo Macri quando a degringolada começou.
Como não terá mais de 10% dos
representantes da Câmara de Deputados e do Senado, Milei tampouco explica como
transformaria o voto bronca em políticas públicas. A reviravolta antissistema
que apregoa exigiria complexas mudanças na Constituição e nas leis
complementares em vigor, que um Congresso hostil não parece disposto a aceitar.
O primeiro turno das eleições gerais está agendado para 22 de outubro e o possível segundo turno, para 19 de novembro. Quem sobreviver verá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário