Valor Econômico
Única indicação mais firme é que os juros
seguirão caindo num ritmo de 0,5 ponto percentual nas próximas reuniões
O diretor de política monetária do Banco
Central, Gabriel Galípolo, disse na semana passada que dar sinalizações futuras
sobre juros é um esporte de alto risco para autoridades monetárias de países emergentes.
São grandes as chances de ter que mudar o sinalizado, depois de constatar que o
cenário saiu diferente do que estava previsto.
Dias antes, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, evitou dar indicações - um “guidance” - sobre quanto os juros podem cair ao longo do atual ciclo de distensão monetária. “Em momentos de mais incerteza, se você der um ‘guidance’ e depois tiver que trocar o ‘guidance’, gera um ruído [que prejudica a] credibilidade [do BC]”, afirmou.
Já o diretor de política econômica do Banco
Central, Diogo Guillen, tem preferido descrever o “guidance” da forma mais
econômica e menos comprometedora possível: os juros vão depender dos dados que
forem sendo divulgados, a Selic seguirá contracionistas e será calibrada sempre
para cumprir a meta de inflação.
A única indicação mais firme é que os juros,
que hoje estão em 12,75% ao ano, seguirão caindo num ritmo de 0,5 ponto
percentual nas próximas reuniões. Ainda assim, houve uma sutil reforma no viés
dessa indicação, depois da piora no mercado internacional, sobretudo a escalada
dos juros dos títulos americanos. Antes, na remota hipótese de fazer algo
diferente do prometido, o mais provável era que o BC cortasse mais. Agora, segue
improvável que o BC fuja do sinalizado, mas, caso se desvie, seria para menos.
Campos Neto, na entrevista do Relatório de
Inflação, reconheceu que os requisitos para cortar mais do que 0,5 ponto nas
próximas reuniões subiram um pouco. “Eu diria que a barra talvez esteja
ligeiramente um pouco mais alta, sim”, afirmou. Quando perguntado sobre as
chances de fazer menos, disse que não havia ocorrido nada que levasse a mudar o
sinalizado. Mas ressaltou que toda a sinalização depende dos dados: o BC vai continuar
a avaliar o cenário e, se achar que deve fazer algo diferente, vai comunicar
antes.
O mercado se ajustou à essa realidade: as
opções do Copom colocam a maior parte das fichas na queda de 0,5 ponto da Selic
em dezembro (71%), mas as chances de cortar 0,75 ponto (9%) já são menores do
que a soma de cortar apenas 0,25 ponto (11%) ou manter (6%).
O fato é que o Banco Central tem colocando
bem em evidência o que está acontecendo com os juros nos Estados Unidos. Esse
foi um tema que Campos Neto levou para ser discutido na sua primeira reunião
com o presidente Lula desde que ele assumiu o cargo.
O que preocupa é a alta dos juros americanos
se tornar uma espécie de piso para o ciclo de corte de juros. O mercado já
precifica uma taxa terminal da Selic de dois dígitos, e alguns economistas do
setor privado acham que isso será inevitável, caso a pressão nas taxas dos
juros americanos persista.
Campos Neto tem chamado a atenção para o fato
de que não é só o juro americano que importa para determinar o piso da Selic,
mas também o nosso prêmio de risco, que é muito influenciado pela política
fiscal. Essa é uma preocupação também do ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
que participou do encontro com Lula, incluindo algumas iniciativas de
parlamentares no Congresso aumentam os gastos ou abrem mão de receitas.
Toda essa incerteza, no cenário externo e na
política fiscal, não deve se resolver tão cedo. Galípolo, em um evento com o
mercado financeiro, indicou que será preciso esperar até março de 2024 para ter
mais clareza no fiscal. É quando o Planejamento e o Tesouro terão que fazer o
relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas. Especialistas em
contas publicas consideram inevitável que seja necessário um contingenciamento
de despesas, caso a meta de zerar o déficit primário seja mantida. Há muita
dúvida se o governo terá vontade ou força política.
Já a incerteza sobre os juros americanos
poderá nos acompanhar por algum tempo. Salta aos olhos a incapacidade dos
analistas econômicos, dentro e fora do Brasil, de chegar a um consenso sobre o
que está de fato ocorrendo. A política do Fed (Federal Reserve, o banco central
americano) de manter juros mais altos por mais tempo, em tese, deveria afetar
os juros de mercado de prazo mais curto, de dois anos. Mas a taxa dos títulos
do Tesouro de dez anos vem subindo fortemente, e é uma alta dos juros reais, já
que as inflações implícitas não mexeram muito.
Nosso BC também não tem uma ideia muito clara
do que está havendo. Na última reunião do Copom, foram discutidos pelo menos
quatro hipóteses: percepção de elevação da taxa neutra, aumento do produto
potencial, iliquidez sazonal dos mercados ou maior prêmio fiscal em função de
déficits nominais persistentes. Galípolo, responsável pelas mesas de câmbio e
juro do BC, destacou na semana passada o efeito nos juros das fortes colocações
de títulos pelo Tesouro americano. Campos Neto, por outro lado, vem destacando
o risco fiscal.
Não há muito o que fazer diante desse quadro
externo. Só faria sentido o BC vender dólares para suavizar os impactos no
câmbio se o Brasil estivesse apresentando volatilidade maior do que seus pares.
A política monetária contracionista é uma âncora importante, diz um ex-BC, e
quanto mais prudência nos cortes de juros, melhor.
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