Folha de S. Paulo
Principal divulgador da tese sobre recessão
democrática aponta surpreendente resiliência das democracias
Em artigo recém-publicado em parceria com Lucan A. Way, o
cientista político Steven Levitsky contesta a tese de que está em curso uma
recessão democrática ou processo de autocratização. "Os dados não
confirmam os argumentos", afirma o coautor de "Como as Democracias Morrem", que divulgou a ideia de que
as democracias estavam sob forte ameaça e que o provável desfecho seriam
autogolpes de incumbentes em vez de intervenções militares.
Antes tarde do que nunca. Para os autores, os índices existentes sugerem que "a erosão democrática no presente século tem sido modesta". A percepção equivocada quanto ao suposto declínio abrupto se deveria à eleição de líderes com tendências autocráticas, que "aumenta os riscos de erosão, mas não equivale a evidência de erosão", e aos casos de erosão que têm vida breve em sua vasta maioria e eclipsam os numerosos casos de avanços.
É relativamente fácil chegar ao poder; muito
mais difícil é consolidar um regime autoritário. Nos países de renda média, os
problemas fiscais, a pobreza e o déficit de serviços são fontes de
instabilidade para as autocracias, o que impediria que estas se consolidem. Os
autores reconhecem que a renda (não associada à riqueza mineral) é o principal
preditor da resiliência democrática.
Eles argumentam que, em muitos casos, os
líderes autoritários não contam com partidos orgânicos. Mas mencionam as
instituições políticas apenas de passagem. Quando o fazem, é em chave negativa:
enfatizam a incapacidade ou fraqueza do autocrata, não o papel do legado
institucional dos países e a experiência anterior com a democracia. "Como
governos com tendências autoritárias são incapazes de criar redes de patronagem
duradouras ou de estabelecer controle firme sobre instituições como o
Judiciário, os militares ou autoridades eleitorais, as forças democráticas
podem resistir aos esforços de imposição de uma autocracia plena". As
fontes institucionais da resiliência são ignoradas.
O caso-limite seriam os países muito pobres
em que os autocratas acabam por não se impor porque nem sequer dispõem de
capacidade coercitiva ou administrativa, gerando um paradoxal "pluralismo
por default".
O artigo é informativo, mas os problemas do
argumento sobre "a morte da democracia" já haviam sido apontados por
vários analistas (resenhados aqui e aqui)
e também discutidos neste espaço (aqui e aqui).
Um ponto enfatizado no texto nos interessa na
atual conjuntura: o ambiente global se alterou radicalmente. O consenso
hegemônico anterior em torno da democracia desmoronou. A aliança liderada por
uma autocracia, a China, com participação ativa de outra, a Rússia, desafia as
instituições liberais ocidentais. Estarrecedor que o Brasil esteja no lado
errado da história.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Um comentário:
Será?
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