Avanço sem freio do ensino à distância exige ação do MEC
O Globo
Cursos remotos precisam estar sujeitos a
limites para manter qualidade didática, revela Censo
A última edição do Censo da Educação Superior,
a mais ampla pesquisa sobre universidades e faculdades do Brasil, revela
expansão descontrolada dos cursos à distância, situação que exige atenção
redobrada do Ministério da Educação (MEC). Não é novidade — e a pandemia deixou
claro — que nessa modalidade a qualidade do ensino deixa muito a desejar. O
ensino à distância (EAD) vem aumentando desde antes do coronavírus — e
continuou a crescer mesmo com o fim do risco. Em 2022, dois em três alunos de
faculdades se matricularam nele, ou mais de 3 milhões. Nos cursos privados de
licenciatura, 94% dos ingressos e 88% das matrículas são em EAD.
O crescimento começou há dez anos, mas uma mudança na lei em 2016 fez o ritmo aumentar. As faculdades passaram a não ter mais a obrigação de contar com ao menos um polo presencial. Em uma década, a formação de novos professores à distância mais que dobrou, enquanto as notas da maioria dos cursos caíram, segundo análise da ONG Todos Pela Educação. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou alto índice de desistência no ensino remoto. Entre 2017 e 2021, em torno de 55%. O número chamou a atenção da presidência do TCU e elevou a pressão por maior fiscalização dos cursos à distância.
O Brasil precisa sem dúvida tornar a educação
universitária mais acessível. A fração da população com diploma superior é
pequena: 16,5%, de acordo com o Banco Mundial. No México, são 19%. No Chile, 22,5%. Nos Estados
Unidos, 48%. Mais gente com diploma significa mão de obra mais
preparada e maior produtividade na economia, chave do crescimento sustentado.
Para quem completa uma faculdade, o diploma
representa mais dinheiro no bolso. Um estudo de pesquisadores da USP e da
Fundação Getulio Vargas (FGV), ainda inédito, calculou o retorno financeiro
para quem entrou nas universidades públicas e privadas em 2013 e chegou ao
mercado de trabalho cinco anos depois. Na média, o salário é 17,5% maior para
quem tem diploma (29% se for de universidade pública). Não é à toa que o EAD
passou a ser visto como atalho para melhorar de vida.
Mas uma das duras lições da pandemia foi que,
mesmo com bons computadores e banda larga, o ensino remoto esbarra em limites
intransponíveis. O aproveitamento dos estudantes é maior em aulas presenciais.
Evidentemente, trata-se de recurso que não se deve desperdiçar. Se usado com
sabedoria e parcimônia, pode ser um instrumento potente de mudança. Num país
continental como o Brasil, faz sentido para dar a oportunidade de estudar a
quem vive em regiões distantes de centros universitários ou a quem não dispõe
de tempo e dinheiro para deslocamentos diários. Tudo isso precisa ser levado em
conta. As vantagens não podem, contudo, ser usadas como justificativa para
piorar a educação superior.
Citando os cursos de licenciatura, Priscila
Cruz, presidente do Todos Pela Educação, sugere que “a carga de EAD seja
reduzida para no máximo 20%, apenas nas disciplinas mais teóricas e, de
preferência, de forma síncrona”, com todos os alunos participando da aula. É
uma proposta que faz sentido. Também é necessário corrigir a legislação que
permitiu a expansão desenfreada do EAD. Educação sem um mínimo de qualidade é
perda de tempo para o país e para os alunos. Sem aprender direito, ninguém
ficará mais produtivo nem conseguirá ganhar mais.
Trajetória da dívida pública projetada pelo
FMI é preocupante
O Globo
Mesmo que o governo cumpra suas ambiciosas
metas fiscais, fundo prevê alta no endividamento
Causa preocupação o novo relatório de
projeções fiscais divulgado ontem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Mesmo adotando um olhar otimista para o cumprimento das metas de resultado
primário, o Monitor Fiscal do FMI prevê um salto significativo na dívida
pública brasileira ao longo dos próximos anos. Os números representam um choque
de realidade para o arcabouço fiscal recém-aprovado pelo Congresso.
O próprio governo reconhece em suas projeções
que não cumprirá a meta fiscal traçada para este ano pelo ministro da
Fazenda, Fernando
Haddad: déficit de 1% do PIB. Pela previsão de
setembro, as contas ficarão R$ 141,4 bilhões no vermelho, ou 1,3% do PIB. O FMI
estima o déficit em 1,2% do PIB, previsão até mais otimista. Para 2024, o fundo
prevê déficit de 0,2%, resultado próximo do déficit zero anunciado por Haddad.
Para 2025 e 2026, as previsões do FMI também destoam pouco das promessas. O
fundo fala em superávits, respectivamente, de 0,2% (ante promessa de 0,5%) e
0,7% (ante 1%).
O que desperta preocupação é a trajetória da
dívida pública traçada pelo FMI em cima das projeções. Sem desviar muito dos
números que o governo diz pretender entregar, o fundo não enxerga a
estabilização prometida em todas as apresentações em defesa do arcabouço
fiscal. Ao contrário. Para o FMI, a dívida pública — 85,3% do PIB no ano
passado pelo critério do fundo — voltará a crescer. Será de 88,1% neste ano,
90,3% em 2024, 92,4% em 2025, alcançando 96% do PIB em 2028. A dívida
continuará a subir porque os superávits tímidos serão insuficientes para arcar
com juros e despesas fora do cálculo do resultado primário.
Tal patamar de endividamento coloca o Brasil
muito distante do que seria razoável para uma economia com as mesmas
características. Na média, a dívida pública gira em torno de 72% entre os
países emergentes do G20 e de 69% na América Latina.
Não faltam razões para ceticismo em torno dos
resultados fiscais. No ano que vem, as despesas com saúde e educação subirão
acima do limite de 2,5% além da inflação dado pelo arcabouço, em razão de
vínculos constitucionais. Outras despesas tendem a crescer com medidas
aprovadas ou em tramitação no Congresso. Reajustes a servidores, redução da
contribuição previdenciária de prefeituras, aumento no limite de faturamento de
microempreendedores individuais e outros projetos pressionam por mais gasto num
momento que deveria ser de contenção.
O cumprimento das metas do arcabouço
dependerá de alta na arrecadação, que o governo quer alcançar com mudanças nas
ações contra a Receita Federal, taxação de fundos exclusivos, offshore e outras
medidas para aumentar a carga de impostos. Mesmo se tudo der certo — um enorme
“se” — e o governo cumprir as metas ambiciosas que traçou, o FMI avisa que a
dívida pública continuará a crescer. A equipe econômica deveria desde já fazer
os planos de cortes de gastos e acelerar as reformas, única saída razoável para
a ameaça fiscal. Quando a conta chegar, não adianta dizer que ninguém avisou.
Letras mortas
Folha de S. Paulo
Unicef confirma piora na alfabetização após
Covid; efeito precisa ser minorado
Para além das 700 mil vidas de brasileiros
levadas pela Covid-19, a pandemia, mesmo passado seu pior momento, deixou
nódoas persistentes no tecido social. Entre as mais alarmantes figura o dano ao
aprendizado de uma legião de estudantes, como na alfabetização.
O impacto era conhecido, pois aparecera na prova
de 2021 do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Após a crise
sanitária, só 43,6% dos alunos do segundo ano sabiam ler e escrever textos
simples, ante 60,3% em 2019.
O lamentável retrocesso se confirma em estudo do Unicef, órgão das Nações Unidas
dedicado à infância, com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
(Pnad). No ano anterior à Covid, 20% das crianças de 7 anos eram analfabetas;
em 2022, o contingente sem letras saltou para 40%.
A pesquisa não se limitou à educação,
baseando-se no conceito de pobreza multidimensional, que toma em conta vários
tipos de privação. Constatou, por exemplo, que a segurança alimentar piorou
ligeiramente, não obstante a renda familiar ter melhorado.
Com a ampliação do Bolsa Família, caiu de 40%
para 36%, no mesmo período, a parcela de crianças e adolescentes com renda
insuficiente. No entanto oscilou de 19% para 20% a daqueles sem rendimentos
para garantir nutrição adequada, indício de que o ganho foi corroído pela
inflação de alimentos.
Boa alimentação constitui fator crucial para
o desenvolvimento cognitivo, portanto um quinto da juventude parte em
desvantagem na aprendizagem. Com a piora na alfabetização, após prolongada
suspensão das aulas no Brasil, o atraso ameaça condenar uma geração de garotas
e garotos a vidas aquém de seu potencial.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima
que essa perda com a pandemia, se não for remediada, pode diminuir em 9,1% a
renda desses jovens no curso da vida.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) ao menos dá sinais de estar ciente da gravidade da situação. Deu
prioridade a essas faixas etárias no Plano Plurianual 2024/27 e anunciou o
Compromisso Nacional Criança Alfabetizada.
Mas não se trata só de verbas ou planos, e
sim de ação. Os governos estaduais e municipais, maiores responsáveis pelo
ensino básico, precisam estar engajados.
Uma cruzada
nacional pelo letramento, abarcando toda a sociedade e não só o
poder público em todas as esferas, se faz necessária. Após o sofrimento da
pandemia, deixar essas crianças para trás lhes imporia nova privação que, no
caso, nada tem de inevitável.
Razões da disparidade
Folha de S. Paulo
Trabalho de vencedora do Nobel lança luz
sobre salários menores de mulheres
O Nobel de Economia contemplou tema dos mais
caros ao feminismo ao premiar a
americana Claudia Goldin, estudiosa da inserção de mulheres no
mercado de trabalho. Goldin é a terceira mulher a receber o galardão nessa
categoria, mas a primeira a não dividi-lo com pesquisadores homens.
Seus trabalhos são relevantes, inovadores e
propícios ao desenvolvimento de políticas públicas de grande impacto social. Um
dos feitos da professora de Harvard foi ter reunido 200 anos de dados para
conclusões fundamentadas.
Uma delas é que as causas da discriminação da
mulher no mercado de trabalho são principalmente situacionais, não resultado de
algum essencialismo irredutível.
Em outras palavras, elas estão baseadas
sobretudo em estruturas sociais e ocorrências do mundo físico, como gravidez e
doenças, mais do que em preconceito —ainda que este possa ser observado.
Com efeito, hoje (já foi diferente no
passado), as remunerações de homens e mulheres quando ingressam na vida
profissional não são muito díspares. Mas, a partir do momento em que elas têm
os primeiros filhos, a diferença surge e não diminui mais.
O problema central é que as exigências da
maternidade —e, mais tarde, o cuidado com os idosos, que também tende a recair
mais sobre mulheres— fazem com que elas optem por empregos com maior
flexibilidade de horários, que tendem a pagar menos do que aqueles que exigem
dedicação diuturna.
Segundo um dos achados de Goldin, em casais
de mulheres homossexuais, uma delas costuma preservar-se mais das
interferências do mundo doméstico e ganha um prêmio salarial por isso.
A boa notícia é que está ao alcance de políticas
públicas mudar ao menos parte do quadro. Nenhuma lei vai alterar rapidamente
séculos de atribuição de papéis sociais, mas um bom sistema de creches pode dar
às mulheres as condições de assumir empregos melhores.
O mesmo vale para a adoção de uma licença-paternidade
mais alentada, que permita aos casais uma divisão mais equitativa das
obrigações com a prole.
Medidas como essas parecem mais promissoras
do que proibir por lei a discriminação salarial por gênero —como faz o
Brasil há décadas, com novas regras recém-aprovadas por iniciativa
do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Por meritório que seja o princípio legal, a
sua aplicação é dificultada pela existência de outros fatores, como tempo de
casa e desempenho, que podem justificar as diferenças salariais.
Israel precisa de um Estado palestino
O Estado de S. Paulo
Antes, será preciso destruir o domínio dos
extremistas e fomentar condições dignas para que os palestinos escolham
melhores líderes. Já Israel precisará neutralizar seus próprios radicais
Adura verdade é que a curto prazo não haverá
trégua entre Israel e Hamas. Não é só que ela seja praticamente impossível,
mas, do ponto de vista de Israel, não é desejável. O governo israelense precisa
fazer um cálculo humanitário, para minimizar os danos a civis palestinos, e
estratégico, para evitar a conflagração de conflitos regionais que podem
envolver a Cisjordânia, o Líbano e mesmo o Irã, mas não tem alternativa para
garantir a segurança de seu povo senão neutralizar o Hamas pela força. A
consequência serão mais restrições além das já restritas liberdades e autonomia
dos palestinos em Gaza.
A longo prazo, contudo, a paz é não só
desejável, mas indispensável: Israel só estará seguro quando os palestinos
tiverem um país em que possam se autogovernar e prosperar. Neste momento de
confronto agudo, reavivar a discussão sobre os dois Estados pode parecer
utópico, mais do que um sonho distante, uma ilusão fatal. As pesquisas mostram
que o apoio a essa solução está em seu nível historicamente mais baixo entre
israelenses e palestinos, e tende a diminuir num futuro próximo. Mas grandes
crises trazem grandes oportunidades.
Enquanto militares lutam para garantir a
segurança já, os diplomatas devem lutar para garantir uma paz longa e duradoura
no futuro. Para criar suas condições no presente, é preciso aprender com os
fracassos do passado.
A primeira proposta de criação de um Estado judeu
e um árabe foi feita em 1937, dez anos antes da criação de Israel, pelas
autoridades britânicas que controlavam a região. A partição foi novamente
proposta na ONU, em 1947. Os judeus aceitaram nas duas vezes; a Liga Árabe não.
Após a fundação de Israel, em 1948, o Egito ocupou Gaza e a Jordânia ocupou a
Cisjordânia. Em 1967, lançaram, junto com a Síria, um ataque a Israel, que
então ocupou os dois territórios. Diversas iniciativas de partição foram
tentadas, especialmente os Acordos de Oslo, de 1993, que culminaram com a
Cúpula de Camp David, em 2000. Eles criaram um governo palestino limitado e
algum grau de reconhecimento mútuo, mas extremistas de ambos os lados
destruíram possibilidades de concessões e nenhum acordo final foi atingido.
De sua parte, Israel conduziu o conflito como
algo a ser gerenciado, mais do que solucionado. O premiê Benjamin Netanyahu, no
poder pela maior parte do tempo nas últimas duas décadas, só com relutância se
mostrou, em tese, favorável a um Estado palestino, mas, na prática, se esquivou
da questão, confiando que as defesas israelenses e acordos diplomáticos com
países árabes deixariam seu país seguro enquanto os palestinos se consumiam em
lutas intestinas. Nos últimos anos, apoiado por radicais de direita,
intensificou assentamentos ilegais em territórios ocupados.
Já os palestinos, há muito debilitados e
divididos, parecem incapazes de tomar decisões. A Autoridade Palestina, que
negociou os acordos de Oslo, apodreceu. Na Cisjordânia, o presidente Mahmoud
Abbas e seu partido, o Fatah, postergam eleições desde 2007. Naquele mesmo ano,
em Gaza, os extremistas do Hamas, que querem a aniquilação de Israel, tomaram o
poder.
A violência indiscriminada contra Israel
pelos palestinos e a opressão dos palestinos por Israel erodiram o principal
componente para avançar quaisquer negociações: a confiança. A curto prazo, a
solução de dois Estados é impraticável. Mas, a longo prazo, renunciar a ela só
trará mais destruição e mortes de parte a parte.
A guerra é incontornável para eliminar o
poder do Hamas em Gaza. Mas, se e quando isso acontecer, Israel só estará apto
para reconstruir uma solução pacífica se neutralizar seus próprios extremistas.
Esforços diplomáticos de cima para baixo só serão viáveis se houver um esforço
de baixo para cima com foco nos direitos humanos e civis dos palestinos. Isso
desmoralizaria os extremistas palestinos, que exigem de Israel direitos que
negam ao seu próprio povo, e facilitaria a esse povo escolher líderes mais
sensatos para negociar com Israel.
É um caminho longo, estreito e difícil. Mas é
o único que vai na direção contrária ao abismo.
Um imperativo civilizatório
O Estado de S. Paulo
Reabrir Comissão de Mortos e Desaparecidos
não é revanche. É responsabilizar o Estado pela contumaz violação de direitos
humanos cometida por seus agentes durante a ditadura
É lastimável que a Comissão Especial Sobre
Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), importantíssima por levar o Estado
brasileiro a ser responsabilizado pelo desaparecimento de centenas de cidadãos
no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 5 de outubro de 1988,
tenha sido extinta no crepúsculo do governo passado. E não por ter alcançado
plenamente os seus objetivos originários, mas, antes, pelas maquinações
ideológicas do então presidente Jair Bolsonaro, notório admirador de alguns dos
mais cruéis agentes da ditadura militar (1964-1985). Agora, o presidente Lula
da Silva tem uma boa oportunidade de reparar esse erro.
Em fins de abril, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, pediu ao presidente da República a reabertura da CEMDP. Há poucos dias, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, deu parecer favorável ao pleito do colega de Esplanada. Para o progresso civilizatório do País, será muito bom se Lula levar o pedido em consideração.
No primeiro escalão do governo, as ressalvas
à reabertura da CEMDP vêm do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. Como este
jornal noticiou, o ministro estaria preocupado com a suposta criação de novos
focos de atrito entre Lula e os militares. Mas não há razão alguma para preocupação.
A Lei 6.683/1979, a Lei da Anistia, está em vigor. Vale dizer, não se está
falando de responsabilizar individualmente os agentes civis ou militares que
porventura tenham cometido crimes naquele período nem tampouco penalizar as
Forças Armadas como instituições de Estado.
Como dispõe a Lei 9.140/1995, que a criou, a
CEMDP se presta a reconhecer “como mortas, para todos os efeitos legais, as
pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em
atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de
1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos,
achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias” e a
indenizar seus parentes. Trata-se, portanto, de fazer o Estado assumir a sua
responsabilidade por violências sobejamente conhecidas que foram cometidas por
seus agentes durante uma das quadras mais sombrias da história nacional.
Não se trata de revanche, tampouco,
propriamente, é uma questão de preservação da memória do País, pois a história
dos crimes cometidos por agentes do Estado no período abarcado pela Lei
9.140/1995 já está muito bem documentada. O que uma sociedade que se pretende
civilizada deve desejar é, no mínimo, que haja uma compensação por essas
contumazes violações dos direitos humanos. Ou seja, é o simples reconhecimento
de que o Estado é responsável por aqueles sob sua custódia. Isso é o bastante
para os brasileiros que só desejam viver num país em que não estejam sujeitos
ao arbítrio do Estado. Além disso, a admissão da responsabilidade estatal pelos
desaparecimentos durante o regime militar oferece conforto emocional para os
que, há mais tempo do que seria tolerável, convivem com a angústia de não saber
o que foi feito de seus entes queridos – sejam os que se envolveram na oposição
ao regime, sejam os que nada fizeram para provocar a ira dos poderosos de
então, mas mesmo assim acabaram nos porões da ditadura.
Anistiar não significa esquecer. Essa
distinção é fundamental para que o País possa se debruçar, com maturidade, sem
medos ou pruridos, sobre um momento crucial de seu passado recente. É da exata
compreensão da responsabilidade do Estado pela morte presumida de muitos
cidadãos que estavam sob sua custódia apenas porque ousaram se contrapor a um
regime de exceção, ou nem isso, que virá a construção de um futuro mais justo
para todos os brasileiros.
A eventual reabertura da CEMDP não deve ser
recebida como uma “provocação” aos militares ou às Forças Armadas; e menos
ainda como um estímulo ao revanchismo no País. Trata-se, antes de tudo, da
manifestação legítima de uma sociedade madura o bastante para olhar seu passado
com coragem e apego à verdade factual.
Mais incertezas no cenário externo
O Estado de S. Paulo
Guerra entre Israel e Hamas será mais um
fator a ser considerado pelo BC na condução da política monetária
A recente melhora dos indicadores internos
tem sido eclipsada por incertezas que abundam no cenário internacional. Em
outros tempos, Produto Interno Bruto (PIB) mais alto, inflação mais baixa e a
perspectiva de um recorde na balança comercial tenderiam a atrair investimentos
para o País, valorizar o câmbio e abrir espaço para uma redução mais intensa da
taxa básica de juros. Era nisso que apostava boa parte dos investidores até
pouco tempo atrás.
Essa euforia vigorou até o fim do mês
passado, quando o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) anunciou que
manteria os juros no intervalo entre 5,25% e 5,5%. Ao deixar claro que este
patamar, elevadíssimo para padrões norte-americanos, será mantido por mais
tempo do que se esperava, o Fed gerou uma onda de pessimismo que há muito não
se via.
No início da semana, as taxas de juro longas
nos Estados Unidos chegaram a alcançar os níveis mais altos desde 2007, pouco
antes da crise financeira internacional do ano seguinte. Voltaram a arrefecer,
no entanto, após declarações do Fed descartando um novo aumento de juros.
O recado do banco central norte-americano
veio em boa hora. As incertezas vinham afetando negócios em economias avançadas
e emergentes e desvalorizando moedas, mas também encarecendo as emissões de
títulos soberanos – um problema para as principais economias do mundo,
endividadas como nunca após a pandemia de covid-19.
A percepção de risco foi reforçada com a
guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, mais um fator a se somar em uma
conjuntura já bastante adversa, marcada pela ausência de perspectivas sobre o
fim do conflito entre Rússia e Ucrânia. Depois de disparar na segunda-feira, as
cotações do barril de petróleo recuaram no dia seguinte e, ao menos por ora, a
avaliação é a de que não há perigo de desabastecimento global de petróleo.
Os novos elementos ampliam o desafio do Banco
Central de trazer a inflação de volta à meta, uma vez que o peso dos
combustíveis na inflação não é desprezível. Na reunião de setembro, o Comitê de
Política Monetária (Copom) votou, de forma unânime, pela redução da taxa básica
de juros em 0,5 ponto porcentual, para 12,75% ao ano, e sinalizou que esse
ritmo seria mantido nos próximos encontros.
A declaração do presidente do BC, Roberto
Campos Neto, de que a barra para o corte de juros ficou mais alta em todo o
mundo, impulsionou apostas em uma diminuição menor, de 0,25 p.p. – e,
consequentemente, de uma Selic mais alta ao final do ciclo, não mais de um
dígito. A divulgação do índice de inflação de setembro trouxe algum alívio. O
IPCA subiu 0,26%, abaixo do esperado pelo mercado, e reforçou a impressão de
que os riscos externos permanecem maiores que os internos.
Justamente por isso, o governo ajudaria se fosse mais ambicioso na condução da política fiscal, principal fator a retroalimentar os preços e os juros. O Congresso também tem muito a contribuir nesse sentido. Ao BC, resta manter a prudência na condução da política monetária, sopesando os novos riscos a serem considerados na tomada de suas decisões.
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