O Estado de S. Paulo
Se cumprida, a Lei Complementar 200/23 evitará o estouro das contas públicas ou, se preferir, o indesejado quadro de insolvência
O governo fixou uma meta de resultado
primário – receitas menos despesas sem contar os juros da dívida – de menos
0,25% a 0% do Produto Interno Bruto (PIB) para 2024. Isso significa que, se
entregar um déficit ao redor de R$ 30 bilhões, terá cumprido o compromisso. A
meta deve ser compreendida sob a lógica da recém-aprovada Lei Complementar (LC)
200/23, a Lei do Arcabouço Fiscal, e à luz da dinâmica fiscal corrente.
Nos cenários projetados pela Warren Investimentos, estamos calculando um déficit de 0,7% do PIB para 2024, após saldo negativo de 1,1% para 2023. Essas projeções indicam, assim, uma melhora, ainda que insuficiente para atender à banda inferior da meta. Para ter claro, faltariam R$ 55 bilhões para o cumprimento. Nas nossas estimativas, estão contempladas receitas adicionais, em relação a um cenário de referência, da ordem de R$ 83 bilhões. Esse volume de recursos extras inclui a chamada reoneração dos combustíveis, que, isoladamente, responde por R$ 24 bilhões.
O restante está associado aos efeitos
esperados de outras medidas. Tomemos as estimativas da Warren para esses
incrementos líquidos sobre a arrecadação da União: R$ 4,2 bilhões via nova
tributação dos fundos fechados, equiparando-os aos fundos de investimento
abertos; R$ 25,8 bilhões por meio da nova Lei do Carf (tribunal para solução de
conflitos entre contribuintes e Fisco federal) e das alterações nas regras para
transações tributárias; R$ 1,9 bilhão com a tributação das chamadas offshores;
R$ 8,9 bilhões pelo fim das subvenções baseadas nos benefícios fiscais do ICMS;
e quase R$ 1 bilhão com o Novo Regime de Tributação Simplificada. Além disso,
consideramos R$ 17,5 bilhões derivados das mexidas nas regras para exclusão do
ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins.
No Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa)
para o ano que vem, essas medidas somam R$ 168,5 bilhões ou algo como 1,5% do
PIB, sem contar a reoneração dos combustíveis. Dificilmente essa cifra será
atingida. Ainda assim, é correta e desejável a manutenção da meta fiscal zero
para 2024. É uma âncora a evitar a condução dos navegantes pelas sereias
diretamente ao afogamento.
Mas e se a meta for descumprida? Então, os
gatilhos previstos na LC 200 deverão ser acionados: aperto no limite para o
crescimento das despesas (de 70% para 50% vezes a variação passada da receita)
e medidas de contenção de gastos previstas no artigo 167-A da Constituição.
A saber, o governo deverá mostrar, ao longo
do ano, nos chamados relatórios bimestrais do Orçamento (sendo o primeiro em
março de 2024) sua projeção atualizada para o déficit primário. Lá, terá de
compará-la com a meta fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias e indicar o máximo
contingenciamento (corte de despesas discricionárias) possível. Contudo, as
sanções mencionadas acima só seriam acionadas se, em janeiro de 2025, quando da
divulgação oficial do resultado primário de 2024, pelo Banco Central, fosse
registrado o rompimento. A redução da taxa de aumento do limite para gastar
valeria para 2026, enquanto as medidas do 167-A, de imediato (fevereiro de
2025).
A dinâmica das contas públicas depende
fortemente do desempenho econômico e da inflação. No ano passado, o calote nos
precatórios e a ajuda da inflação e do preço do petróleo às receitas do governo
produziram um falso superávit primário. A inflação é uma velha camarada dos
governos. Não foi diferente em 2021 e 2022, quando turbinou as receitas e
conteve a dívida/PIB. Escrevi, neste espaço, que isso aconteceria, em 8 de
junho de 2021 (Inflação é problema, não solução). Já no artigo de 18 de janeiro
de 2022 (Nada a comemorar no front fiscal), mostrei como teria sido o
desempenho fiscal sem a colaboração da inflação.
Para 2023, projetamos um déficit primário de
R$ 112,6 bilhões. As despesas devem aumentar em 7,3% e as receitas líquidas,
queda real de 1,6%. As despesas obrigatórias subirão 2,8%; as despesas sujeitas
a programações financeiras, a exemplo do Bolsa Família, alta esperada de 24,8%;
e os gastos discricionários, contando investimento, diminuição real de 1,5%.
Entre 2023 e 2024, as receitas devem subir de
17,8% para 18,4% do PIB, motivadas pela recuperação econômica e pelas medidas
mencionadas, ainda que se considere um volume bem menor das ações de
recuperação de arrecadação, como no caso das minhas contas. As despesas devem
ficar em 19,1% do PIB, ante aos 18,9% do PIB em 2023.
Se o governo conseguir segurar o ímpeto
gastador, mantendo a despesa de pessoal em porcentagem do PIB e calibrando a
despesa discricionária para o patamar histórico recente, isto é, algo como 1,5%
do PIB, não vejo motivo para alarme. É um quadro de relativo controle. Por
isso, é fundamental desarmar as bombas fiscais postas no Congresso e avançar em
programas de revisão de gastos com vistas ao médio prazo.
Vale dizer, a dívida/PIB deve encerrar 2023
em 75,4% e 2024 em 77,9% do PIB. Até 2032, projetamos crescimento a taxas
decrescentes, de modo que o indicador tenderia à estabilidade, mesmo num nível
de 90%. De todo modo, a LC 200, se cumprida, evitará o estouro das contas
públicas ou, se preferir, o indesejado quadro de insolvência.
*Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos,
foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo
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