Os brasileiros se mostraram solidários para
com o sofrimento dos gaúchos, mas não se mostraram dispostos a lutar por
mudanças que mitiguem o aquecimento global e a crise ambiental
As múltiplas tragédias que atingem o Rio Grande do
Sul desencadearam uma imensa onda de solidariedade por todo o
País. Instituições públicas, privadas e da sociedade civil, empresas e
trabalhadores, empregadores e empregados, militares e civis, lojas e
faculdades, hospitais e escolas, pobres e ricos, milhões de brasileiros se
mobilizaram para doar e arrecadar doações. Milhares se voluntariaram para
socorrer as vítimas e fazer resgates de todo tipo.
Tudo isso constituiu um movimento de natureza moral muito positivo. Os sentimentos de humanidade, de compaixão, de solidariedade foram e têm sido exercidos em grau muito significativo. O desejável é que este movimento continue em relação a essa tragédia e a novos eventos, sejam eles provocados por catástrofes naturais ou derivados das mazelas sociais.
As catástrofes ambientais e socioambientais
do nosso tempo têm muitas causas. Em sua imensa maioria derivam das ações
humanas no planeta e sobre a natureza. O modo pelo qual os humanos produzem e
consomem, o sistema de produção capitalista essencialmente depredador, as
formas de organização social e os fins éticos das sociedades e dos indivíduos
estão na raiz dessas causas.
A crise ambiental é vista também como uma
crise civilizacional. Como crise civilizacional, a crise ambiental é a maior
crise da civilização no contexto da existência do Homo sapiens. Isso porque é a
maior ameaça à continuidade da existência da humanidade, das espécies e da
biodiversidade em consequência da ação humana. Trata-se de uma crise de
magnitude global que incide sobre toda a humanidade.
Apesar de todos os riscos que a humanidade e
as sociedades correm, apesar de todas as catástrofes ambientais que ocorrem em
todas as partes, os governantes, os governados, os grupos econômicos e sociais
manifestam uma enorme indiferença para com a crise ambiental. A tragédia do Rio
Grande do Sul é um exemplo. Os brasileiros se mostraram solidários para com o
sofrimento dos gaúchos, mas não se mostraram dispostos a lutar por mudanças que
mitiguem o aquecimento global e a crise ambiental.
Os movimentos sociais, os sindicatos e os
partidos estão inertes diante da crise
ambiental. Não se mobilizam e não mobilizam. Trata-se de uma
letárgica covardia, uma falta de percepção do momento terrível que a humanidade
vive. Talvez esperem por soluções dos governos. Mas os governos estão afundados
em suas lógicas políticas e eleitorais e estas pouco conversam com a
necessidade de enfrentamento da crise ambiental e da criação de resiliência
para enfrentar as catástrofes.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo
Leite, questionado se não conhecia os alertas acerca da gravidade do que
poderia ocorrer, respondeu que sabia, mas que tinha outras agendas. O
governador não é exceção. Ele expressa a regra da conduta dos políticos em
geral de todos os partidos. A omissão criminosa dos governantes e dos políticos
revela o seu conluio com os interesses desmedidos do capitalismo depredador.
No início de maio, o jornal inglês The
Guardian divulgou uma pesquisa com os 380 principais cientistas climáticos do
mundo que apontaram as medidas mais eficazes para mitigar os efeitos das
mudanças climáticas. As cinco mais importantes, pela ordem, foram as
seguintes: 1) escolher políticos que têm propostas ambientais; 2)
reduzir os transportes aéreos, já que os aviões são uma das fontes mais
poluidoras; 3) comer menos carne, pois a sua produção estimula o
desmatamento e consome grande quantidade de recursos naturais como solo, água,
grão e emite elevada quantidade de metano; 4) aumentar o ativismo
ambiental, pois mudanças dependem muito da pressão da sociedade; 5) reduzir
a taxa de natalidade humana.
A omissão e o negacionismo dos políticos,
dizem os cientistas, explica a falta de respostas eficazes do Poder Público
para reduzir os impactos catastróficos do aquecimento global. Pesquisas de
opinião em diversos países mostram que as sociedades estão mais dispostas do
que os políticos para adotar medidas mais duras de proteção ambiental. No caso
do Brasil, o Congresso tem adotado medidas de desmonte da legislação ambiental.
Aumentar os protestos climáticos dos cidadãos e dos movimentos ambientalistas é a forma mais eficaz para pressionar os políticos e o Poder Público no enfrentamento das mudanças climáticas. Muitos dos próprios cientistas que responderam à pesquisa declararam que eles mesmos participam de mobilizações e protestos. Precisamos ter consciência de que salvar a vida no planeta depende mais de cada um de nós, da própria sociedade mobilizada e exigente, do que dos políticos.
Publicado na edição n° 1312 de CartaCapital, em 29 de maio de 2024.
Um comentário:
Excelente! Estas são mais algumas VERDADES INCONVENIENTES!
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