segunda-feira, 6 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

País precisa se preparar para eventos climáticos extremos

Valor Econômico

Deficiências que se tornaram habituais serão ainda mais nocivas com a mudança de qualidade dos fenômenos causados pelo aquecimento global

O Rio Grande do Sul vive nova catástrofe climática, pouco tempo depois de um destrutivo ciclone extratropical em junho e de enchentes em setembro que deixaram 54 mortos. Desta vez, uma zona de alta pressão, com bloqueio de ar quente no Centro do país, impediu a chegada de frentes frias ao Sudeste que, sem poder avançar, estacionaram no Sul, provocando dilúvios. No Estado, as chuvas afetaram principalmente a região Central e dos Vales, com 332 cidades atingidas. Em Porto Alegre, o rio Guaíba ultrapassou o recorde de 1941, quando atingiu 4,7 metros de altura. O Centro histórico de Porto Alegre está debaixo de água. Havia 78 mortos e 105 desaparecidos no início da noite de ontem.

O Rio Grande do Sul pode ser um exemplo de que os fenômenos climáticos adversos ganharam em intensidade e frequência, algo já visto com preocupante ritmo em todos os países com a piora do aquecimento global. No Brasil, há pouco uma seca devastadora fez desaparecer provisoriamente alguns rios na maior bacia fluvial do planeta, a Amazônica, enquanto o Pantanal vem sendo devastado por incêndios de grande extensão por dois anos consecutivos.

O Estado tem sido palco de catástrofes climáticas em série. Sofreu prejuízos enormes com a sequência de secas que ocorreram na primeira década do século, a partir de 2001. A de 2005, a pior delas, derrubou em 2,8% o PIB gaúcho. Em 2004, a estiagem engoliu 45% da safra de soja estadual. A atual sequência de inundações devastadoras vem após uma severa seca no verão de 2023. A destruição trazida pelas águas até novembro, meses antes da enchente de agora, foi estimada em R$ 28 bilhões. Os prejuízos materiais hoje serão muito maiores e teme-se que o número de vidas perdidas, também.

Indústrias importantes, como a Gerdau, paralisaram a produção. Sem mobilidade, a produção de granjas e frigoríficos não pode ser escoada, enquanto que os animais em criação não podem ser abastecidos de rações e outros alimentos. O Estado é o terceiro maior produtor e exportador de carne de frango. É o maior produtor de arroz, com 75% da oferta do produto. Estima-se que haja ainda 1,5 milhão de toneladas no campo, que podem ser perdidas, e perto de 5 milhões de toneladas de soja (Folha de S.Paulo, 3 de maio).

Em pontos do Vale do Taquari, em poucos dias a precipitação atingiu entre 500 e 600 milímetros, um terço da média de chuvas anual, e o triplo da média mensal desta época do ano. Temporais intensos ocorrem também na vizinha Santa Catarina. A chuva na sexta-feira se deslocou para o noroeste do Rio Grande do Sul e desabou em Santa Catarina, onde houve precipitações fortes de 200 mm nas últimas 24 horas.

Nenhum governo está totalmente preparado para enfrentar um aguaceiro desses. No entanto, precisam estar a postos com o melhor esquema de prevenção possível, o que não é o caso, na maioria das vezes. O governo gaúcho agiu com rapidez, obtendo ajuda imediata do governo federal para enfrentar uma situação dramática, que ainda pode piorar. “É o pior desastre da história do Estado e um dos mais graves do país”, disse Marcelo Seluchi, coordenador da equipe de monitoramento do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, o Cemaden, ao Valor. A previsão é que a situação da capital, Porto Alegre, com a cheia do rio Guaíba, que já subiu 5,3 metros, vá piorar, e a volta a algum tipo de normalidade possa ocorrer somente em uma semana.

Mas, apesar da crônica de desastres climáticos em todo o país, os preparativos para enfrentá-los até hoje carecem de planejamento, recursos, coordenação e pessoal, um dos muitos frutos do imediatismo político. Essas deficiências, que se tornaram habituais, serão ainda mais nocivas com a mudança de qualidade dos fenômenos causados pelo aquecimento global.

“Os extremos de chuva estão virando mais extremos. Temos que nos preparar para esta nova realidade que já estamos vivendo. Este é o novo normal”, disse o climatologista José Marengo ao Valor. O mapeamento das zonas de risco atinge hoje 1.942 municípios, e seria necessário ampliá-lo muito mais. O Plano Nacional de Adaptação não foi concluído e faz falta. O desafio é brutal, mas tem de ser enfrentado. “Cidades foram construídas em áreas que eram leitos de rios ou muito próximas a eles”, afirma Marengo. “Qualquer chuva intensa, há inundação”.

É preciso planejar a expansão das cidades em função das mudanças climáticas e corrigir os pontos vulneráveis de metrópoles erigidas em épocas em que o problema do aquecimento global não era percebido. Agora, ele altera padrões estabelecidos de formas insuspeitadas. Os modelos utilizados perderam seu poder de predição de eventos climáticos com as mudanças em curso, adverte Paulo Artaxo, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas (O Estado de São Paulo, 3 de maio).

Além da adaptação e da mitigação dos efeitos, um passo decisivo é reduzir as emissões de carbono, que no Brasil são majoritariamente causadas pela eliminação da cobertura vegetal, ainda intensa em quase todos os biomas, e em especial na Amazônia e no cerrado.

Racismo nas escolas é desafio para pais e educadores

O Globo

Casos recentes em redutos da elite paulistana revelam dificuldades para lidar com o problema

A sociedade brasileira não deveria desperdiçar a oportunidade para refletir com os casos recentes de racismo e antissemitismo em escolas de elite da capital paulista. No dia 22 de abril, duas alunas de 14 anos da Escola Vera Cruz pegaram o caderno da filha da atriz Samara Felippo e do ex-jogador de basquete Leandrinho, arrancaram folhas de um trabalho escolar e escreveram uma ofensa abjeta de cunho racista. Um mês e meio antes, no início de março, seis alunos de 15 anos da Beacon School intimidaram um colega judeu, desenhando suásticas num caderno e fazendo a saudação nazista.

Casos assim têm chamado mais a atenção nos últimos tempos. Eles têm surgido não apenas em colégios caros de São Paulo, mas em escolas particulares e públicas de todas as regiões do Brasil. O racismo é em geral invisível quando as vítimas são negros pobres da periferia. Crianças e jovens são alvos frequentes de humilhação hedionda em razão de cor da pele, religião, características físicas ou intelectuais. Não se pode esquecer que a legislação brasileira pune esses atos como crimes e que, perante a lei, os pais são responsáveis pelo que seus filhos fazem. Tais atitudes são, além disso, intoleráveis num ambiente que quer formar cidadãos.

Mas, por óbvio, educadores não têm o poder de manter o racismo, a intolerância religiosa e outros preconceitos fora das instituições de ensino. O que está ao alcance da direção e do corpo docente é fazer um trabalho contínuo de prevenção, criar canais de denúncia eficientes, acolher e cuidar das vítimas e de suas famílias, identificar jovens agressores e tomar medidas corretivas. Tudo isso sem atropelo. A pior das decisões é tentar apenas agradar ao tribunal das redes sociais ou dos grupos de mensagens quando o horror vem à tona.

A dor de ver um filho alvo de racismo ou perseguição costuma provocar nos pais o desejo de punição exemplar, geralmente na forma de expulsão. Não é, obviamente, opção que deva ser descartada. Mas crianças e adolescentes são sujeitos em estágio de formação. Bem concebida e realizada, a educação é um instrumento de transformação. Desistir de incutir nelas princípios éticos e morais é um desserviço ao combate à discriminação. Cada situação deve ser examinada em suas particularidades antes de decisões extremas.

O caso de racismo contra a filha de Samara Felippo ilustra a complexidade. O Vera Cruz é uma escola popular entre famílias progressistas da Zona Oeste de São Paulo. Foi uma das primeiras da cidade a adotar um programa antirracista consistente. Formou equipes de orientadores pedagógicos e professores atentos. Em vez de decretar o fracasso de todo esse esforço, a escola precisa identificar se houve erros, para torná-lo mais eficaz, sabendo que nunca estará livre de novos casos.

Independentemente da motivação, o ato não pode ser tratado com leveza. A escola suspendeu as agressoras e, em seguida, elas saíram voluntariamente. Em mensagem, os pais de uma delas, precursores do movimento contra o racismo no Vera Cruz, pediram desculpas pela “violência injustificável” e lembraram que a filha, como toda adolescente, comete erros e acertos.

A melhor resposta de educadores e da sociedade à sensação de aviltamento das vítimas seria transformar os agressores em cidadãos incapazes de cometer o mesmo crime. Sem prejuízo das punições previstas nos termos da lei, necessárias para desencorajar que atitudes tão repugnantes se repitam.

Morte de motorista de aplicativo expõe leniência com quem bebe e dirige

O Globo

Condutor que provocou acidente foi dispensado do teste do bafômetro, apesar de nítidos sinais de embriaguez

O grave acidente entre um Porsche e um Renault Sandero numa avenida de São Paulo, na madrugada do domingo de Páscoa, expôs a leniência das autoridades com infratores contumazes e a dificuldade crônica dos governos para reduzir a violência no trânsito — a despeito de o país possuir uma legislação rigorosa, implementada justamente para conter a matança nas ruas e estradas.

Não se pode dizer que seja incomum o acidente que matou o motorista de aplicativo do Sandero. Inicialmente, o condutor do Porsche alegou estar “um pouco acima” da velocidade. A perícia constatou que, no momento da colisão, ele corria a 114,8km/h (depois de chegar a 156,4km/h), mais que o dobro do permitido na via (50km/h).

Tampouco se pode afirmar que seja incomum a atitude leniente de autoridades em casos assim. Chama a atenção que policiais não tenham feito o teste do bafômetro no motorista que dirigia em alta velocidade, como seria praxe (depois, eles foram afastados). Testemunhas desmontaram a versão segundo a qual ele não bebera. Imagens das câmeras corporais mostram que os próprios policiais notaram sinais de embriaguez. Apenas na sexta-feira, a Justiça de São Paulo mandou prendê-lo preventivamente, após outros três pedidos de prisão negados.

Não foi a primeira imprudência desse motorista no trânsito. Ele havia recuperado a carteira de habilitação apenas 12 dias antes do acidente. Pela legislação, o direito de dirigir é suspenso quando o condutor atinge 40 pontos na soma das infrações. Pelo visto, o curso de reciclagem, obrigatório nesses casos, não serviu para nada.

A mistura de álcool e volante infelizmente provoca acidentes o tempo todo. Em fevereiro, um motorista aparentemente embriagado avançou sobre dezenas de foliões num bloco de carnaval em São Gonçalo (RJ). No último dia 27, três guardas municipais foram atropelados em Indaiatuba, interior de São Paulo (o motorista se recusou a fazer o teste do bafômetro e acabou detido). No dia 30, um condutor que mal conseguia ficar de pé invadiu o canteiro central e colidiu contra um motociclista no bairro do Tatuapé, em São Paulo.

Nos anos 2000, as madrugadas dos fins de semana no Rio ficaram marcadas pelas sucessivas mortes de jovens em acidentes de trânsito. Eles iam para as baladas, consumiam altas quantidades de bebida alcoólica e depois assumiam o volante. Surgidas em 2008, as operações da Lei Seca reduziram drasticamente essas tragédias, por meio de blitzes aleatórias para submeter motoristas ao teste do bafômetro.

As necessárias campanhas de conscientização, por si só, não são suficientes para evitar que motoristas arrisquem a própria vida e a dos outros. É preciso aumentar a fiscalização. As blitzes da Lei Seca, sem dia, hora ou local marcado, já se mostraram uma experiência bem-sucedida. Mas há que manter a regularidade das operações. É fundamental ainda rigor com infratores. Não basta ter leis rígidas. É preciso aplicá-las. Ou a imprudência e a impunidade continuarão a fazer vítimas no trânsito.

Veto a populismo penal deveria ser mantido

Folha de S. Paulo

Projeto que esvazia saída temporária de presos contraria evidências, impõe custos e nada faz pela segurança pública

Dá-se como certo que o Congresso Nacional derrubará o veto parcial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto de lei que acaba com as saídas temporárias dos presos em datas comemorativas.

Se isso de fato acontecer, terão sido em vão todas as evidências disponíveis sobre o assunto e todos os conselhos de especialistas que, em uníssono, apontaram problemas tão diversos quanto graves na iniciativa aprovada pelos parlamentares em março deste ano.

Deputados e senadores, ao que parece, pouco se importam com soluções verdadeiras para a exasperante situação da segurança pública no Brasil. Interessa-lhes apenas colher frutos eleitorais, e isso eles conseguem com mais facilidade apoiando propostas como o fim das chamadas "saidinhas", exemplo típico de populismo penal.

Ocorre que, no mais das vezes, esse tipo de medida é contraproducente, na melhor hipótese. A saída temporária, por exemplo, ainda que não seja um mecanismo perfeito, funciona há quase quatro décadas como um incentivo ao bom comportamento, um meio de ressocializar detentos e um paliativo para a superlotação de presídios.

Esvaziar esse benefício nada faz pelo combate à criminalidade, mas torna as condições carcerárias ainda mais insalubres —o que não só viola princípios humanitários como também reforça o apelo das facções criminosas que oferecem proteção dentro das penitenciárias.

Além disso, o projeto aprovado no Congresso torna obrigatório um exame criminológico para a progressão de regime. Não consta, todavia, que análises dessa natureza tenham eficácia comprovada.

Espanta que governadores não tenham pressionado as bancadas estaduais contra tais mudanças, pois eles é que precisarão arcar com as consequências diretas nos sistemas penitenciários.

Lula, a cuja gestão faltam diretrizes na área da segurança, viu-se em uma encruzilhada quando recebeu a proposta: vetá-la implicaria comprar mais uma crise com o Legislativo, mas sancioná-la representaria uma capitulação à linha-dura parlamentar.

Na expectativa de desatar o nó, o presidente escolheu um veto parcial, cedendo no exame criminológico e restaurando o direito à saída temporária para apenas alguns presos —aqueles envolvidos em crimes menos violentos.

Os congressistas, imunes a argumentos racionais nessa seara, poderiam ao menos reconhecer o gesto político de Lula, que desagradou a própria base ao buscar um meio-termo diante de uma iniciativa reacionária no campo penal.

Biden e as universidades

Folha de S. Paulo

Sob fogo da oposição, presidente é obrigado a se posicionar sobre protestos

Como seria previsível, a crise que engolfa as universidades americanas invadiu a disputa entre Joe Biden e o seu antecessor, Donald Trump, pela Casa Branca.

Ao longo da semana passada, os protestos de estudantes e de ativistas contrários ao apoio americano à guerra de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza se avolumaram.

Cenas de policiais entrando em campi para deter os manifestantes se multiplicaram, evocando os confrontos que convulsionaram os Estados Unidos no fim dos anos 1960, quando os estudantes eram recrutas em potencial para a inglória Guerra do Vietnã.

Por óbvio, a situação atual é diversa, e é a fronteira entre a liberdade de expressão e os arroubos de racismo antissemita notados nos protestos que apresenta desafios a quem tem de lidar com a questão.

Em meio a mais de 40 universidades afetadas e de 2.200 presos, a conta chegou à mesa de Biden. A oposição republicana, com seu candidato no banco dos réus em Nova York a defender a polícia, fustiga o democrata pela alegada leniência com transgressões.

Obrigado a se posicionar, o presidente optou por um breve e ponderado comentário, no qual uniu a defesa do dissenso ao repúdio à violência e à supressão dos direitos do corpo discente.

É incerto o eventual impacto eleitoral da crise. Governos americanos apoiam Israel de forma mais ou menos convicta desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e o de Biden não é uma exceção.

O democrata elevou o tom contra o prolongamento exorbitante do conflito e sua desproporção, a cargo do premiê Binyamin Netanyahu —de resto um congênere de Trump na direita populista. Isso dito, Biden não alterou em nada a política americana no conflito.

O problema para o presidente é que os manifestantes, jovens, são seus presumidos eleitores. Mesmo que claramente rejeitem o adversário, podem perder a disposição de comparecer às urnas.

Numa corrida apertada, em que até aqui o republicano tem vantagem, margens mínimas podem garantir a vitória. Todo estrato é importante para os estrategistas.

A inflexão de Biden também é cautelar. A convulsão dos anos 1960 levou à conservadora e polarizante era Richard Nixon, que influi ainda hoje na política americana.

Previdência já demanda uma nova reforma

O Estado de S. Paulo

Pressões demográficas aceleradas e políticas equivocadas adotadas pelo governo Lula apertam as contas públicas e devem antecipar a necessidade de ajustes nas aposentadorias

Em defesa da reoneração da folha de pagamento, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cobrou do Congresso responsabilidade para não prejudicar a Previdência Social. Segundo ele, se o Legislativo abrir mão dessas receitas, o País terá de aprovar outra reforma em três ou cinco anos. “Não dá para brincar com essas coisas”, afirmou. O ministro tem razão. De fato, a sociedade terá de discutir regras mais duras para as aposentadorias muito em breve. A desoneração, no entanto, não é a maior nem a única culpada pelo problema.

Aprovada em 2019, a última reforma da Previdência gerou uma economia de R$ 156,1 bilhões para o sistema até 2022, quase 80% a mais do que o governo havia estimado à época, segundo o consultor legislativo Leonardo Rolim, ex-secretário da área e ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Entre as mudanças, o texto estabeleceu uma idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres, bem como um tempo de contribuição mínimo para garantir o benefício. As regras estabilizaram o déficit do sistema até o fim da década de 2030, segundo o Banco Mundial, mas já se sabia que as mudanças demográficas exigiriam novos ajustes ao longo dos anos seguintes.

Estudos recentes têm mostrado aspectos preocupantes para a sustentabilidade do sistema previdenciário no médio e no longo prazos. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou que o País hoje tem 1,97 contribuinte para cada segurado e até 2051 terá mais beneficiários do que pessoas contribuindo com o sistema. Nesse cenário, a alíquota necessária para cobrir todos os custos do sistema teria de superar os 70% em 2060.

Além do envelhecimento populacional e da redução da taxa de fecundidade, que ocorre em boa parte dos países do mundo, fatores específicos da realidade brasileira explicam esse desequilíbrio. Os autores do estudo, Graziela Ansiliero e Rogério Nagamine, também ex-secretário do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), mencionaram a informalidade, o desemprego e o número de pessoas inativas e fora do mercado de trabalho.

Há algumas soluções, ainda que impopulares, para atenuar o problema. Artigo publicado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) recomenda a equiparação da idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres. Otávio Sidone, Fabio Giambiagi e Guilherme Tinoco calculam que a mudança economizaria R$ 1,5 trilhão em despesas nos próximos 30 anos.

Completamente avesso a reformas, o governo Lula da Silva poderia ao menos contribuir para não piorar o desequilíbrio do sistema. Mas não é o que tem ocorrido. A aprovação da política permanente de valorização do salário mínimo – piso ao qual os benefícios previdenciários e assistenciais estão vinculados – pode ter anulado metade da economia da reforma de 2019, segundo Giambiagi informou em recente coluna no Estadão.

Dois terços das aposentadorias e pensões pagas pelo INSS serão reajustados pela inflação do ano anterior, mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Trata-se de uma regra totalmente incompatível com o arcabouço fiscal, que restringe o aumento das despesas a 70% da alta das receitas.

Pior: na hipótese de o País retomar um crescimento econômico mais vigoroso, a política de valorização permanente do salário mínimo fará com que os gastos previdenciários ultrapassem o limite de despesas estabelecido pela nova âncora ainda mais rapidamente. Não se viu, no entanto, qualquer crítica ou ponderação por parte do ministro Haddad quando a medida era discutida e aprovada pelo Congresso. Afinal, foi uma iniciativa do presidente Lula da Silva e uma promessa de campanha do petista.

Seria fácil se todos os problemas da Previdência Social se resumissem à desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e dos municípios. Mas há muitas outras questões a serem discutidas para impedir o colapso das contas públicas, garantir a sustentabilidade da Previdência Social e assegurar a proteção de todos os seus segurados no futuro. Nada indica que serão enfrentadas por este governo.

O alerta de Macron deve ser ouvido

O Estado de S. Paulo

Sua advertência de um ‘risco existencial triplo’, ante o expansionismo autocrático, as guerras comerciais e a erosão democrática, serve não só à Europa, mas a todas as democracias

Em um discurso na Sorbonne, o presidente francês, Emmanuel Macron, alertou: “A Europa pode morrer”. Em entrevista à revista The Economist, ele aumentou a voltagem: o fim pode ser “brutal”, “muito mais rápido do que imaginamos”. Sob essa fraseologia apocalíptica, não se pode excluir interesses eleitorais, ambições sobre a União Europeia ou seu próprio ego (o gosto pelas “grandes ideias” já lhe rendeu o adjetivo “jupiteriano”). Seria reconfortante se essas fossem suas únicas motivações, se tudo isso fossem só hipérboles alarmistas. Mas sua análise aponta antes para uma realidade alarmante, não só para a Europa, mas para as democracias liberais. “É um risco existencial triplo”, disse: além de militar e econômico, há o perigo da “incoerência interna e de ruptura do funcionamento de nossas democracias”.

Na linha de frente do primeiro risco está a ameaça russa. Outrora afeito a “ambiguidades estratégicas”, Macron fala agora com a paixão de um convertido. A Rússia, diz, fez uma escolha “radical” em 2022: violou o direito internacional, lançou uma guerra de agressão a um país soberano europeu, cometeu crimes de guerra e, agora, assume uma “lógica de guerra total”. Com “ameaças nucleares”, agressões “híbridas”, “ameaças no espaço e no mar”, a Rússia hoje é “um poder de desestabilização regional onde puder ser”. Entre as hesitações ocidentais, hoje Macron vocaliza a clareza moral: “Se a Rússia vencer na Ucrânia, não haverá segurança na Europa. Quem pode fingir que a Rússia parará lá?”. E quem pode garantir que a Europa sempre contará com os EUA? “Temos de nos preparar para proteger a nós mesmos.”

O segundo desafio é “econômico e tecnológico”. No início dos anos 2000, esperava-se que a China jogasse pelas regras do comércio internacional e até se democratizasse. Mas, ao contrário, os ocidentais estão emulando o modelo chinês, injetando subsídios e erguendo barreiras protecionistas. Nas fronteiras tecnológicas a Europa pode ficar para trás, a uma distância irrecuperável.

Finalmente, o continente que “inventou a democracia liberal” se vê ameaçado pelo ressurgimento de nacionalismos e populismos turbinados por redes de desinformação.

O diagnóstico é mais inequívoco que as soluções. Ante a volubilidade da política externa americana, Macron está certo em propor um “arcabouço” de defesa europeu distinto, mas não separado, da Otan. Mas há o risco de incitar ainda mais os apetites isolacionistas dos EUA, provocando efetivamente a “morte cerebral” que ele atribuiu à Otan em 2019. Macron defende uma restauração das regras de comércio internacional, mas admite que a realidade impõe o dirigismo em áreas estratégicas, combinado com a desregulação do mercado para facilitar negócios e atrair investidores. Mas há o risco de que os governos implementem o dirigismo, sem a liberalização, prejudicando ainda mais a competitividade. É preciso, como ele diz, cooperar com a China em desafios globais, como o meio ambiente ou a proliferação nuclear, e buscar uma reciprocidade econômica mutuamente vantajosa. Mas será isso possível ante a divergência política cada vez maior do regime autocrático chinês com os valores democráticos ocidentais? E em relação às ameaças domésticas, a estratégia de isolar e demonizar extremistas não comporta o risco de radicalizá-los e fortalecê-los ainda mais?

“Ainda sou um otimista”, disse Macron. “Mas o mundo é um lugar mais tenebroso. É preciso ser lucidamente otimista e determinado. Tivemos a pandemia de covid. Temos a guerra da agressão da Rússia. Temos uma tensão sino-americana sem precedentes. Temos uma guerra terrível no Oriente Médio, que está abalando nossas sociedades em suas bases. Temos divisões massivas na Europa. Temos enormes riscos geopolíticos.”

Suas soluções podem ser questionáveis. Mas, sob elas, há um alerta incontornável. Em meio à Grande Guerra, o poeta francês Paul Valéry advertiu: “Nós, as civilizações modernas, aprendemos a reconhecer que também somos mortais como as outras”. É essa a lição que Macron quer recuperar e que nenhuma democracia pode se permitir ignorar.

O tamanho da cesta básica

O Estado de S. Paulo

Restringir a cesta básica preserva o espírito da reforma e combate a regressividade da carga tributária

Acabou o mistério: a alíquota padrão estimada pelo governo federal para a cobrança dos dois principais tributos nascidos com a reforma tributária, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição

sobre Bens e Serviços (CBS), será de 26,5%. Tal estimativa foi anunciada junto com o primeiro projeto de regulamentação da proposta.

Esses 26,5%, no entanto, podem ter vida curta. Se novas exceções ao regime geral de tributação de IBS e CBS forem incluídas no projeto pelos parlamentares, tal porcentual será elevado. Já se sabe, por exemplo, que deputados e senadores tentarão introduzir novos produtos na “Cesta Básica Nacional de Alimentos”, composta por 15 alimentos beneficiados com alíquota zero nos dois tributos.

A preocupação foi manifestada pelo economistachefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Igor Rocha. “A cesta básica é o ponto que pode impactar mais a alíquota final. Se alguém não paga, outro está pagando”, disse ele ao Estadão. “Se começarem a incluir na cesta básica produtos que não são para o consumo básico, o impacto na alíquota será muito grande”, alertou.

O alerta procede, e não só pelo aumento da alíquota padrão que a inclusão de novos itens na cesta básica pode acarretar. É preciso lembrar também que a redução da tributação incidente sobre a cesta privilegia as pessoas de renda mais alta, que sabidamente consomem os produtos nela incluídos em maior quantidade. São elas, portanto, as que mais se aproveitam da desoneração tributária desses produtos.

O Boletim Mensal sobre os Subsídios da União, elaborado pelo extinto Ministério da Economia e divulgado em setembro de 2019, conclui que a desoneração da cesta básica é uma política reconhecidamente regressiva. Enquanto os 20% mais pobres correspondiam a 10,6% dos gastos tributários do programa, os 20% mais ricos se apropriavam de 28,8% do total da renúncia.

Como se isso não bastasse, a desoneração dos preços de venda dos alimentos se perde ao longo da cadeia e não chega integralmente ao consumidor. Estudo realizado pela FGV Direito/SP em 2023 revelou que cada 1 ponto porcentual de variação no ICMS gera apenas 0,13% de variação nos preços, em média.

Há formas mais eficientes de proporcionar alimentos mais baratos às famílias mais vulneráveis, entre elas a devolução de parte do imposto incidente sobre os produtos tributados, conhecido como cashback – como, aliás, propõe a reforma.

A enxuta lista de alimentos da cesta básica divulgada pelo governo, no entanto, dificilmente será preservada. Para além de argumentos a favor das pretendidas inclusões, o lobby de setores econômicos influentes costuma sensibilizar os parlamentares e não raro encontra ressonância no Congresso.

Esse patrocínio de interesses específicos por nossos representantes políticos, entretanto, pode custar caro à maioria de seus representados, razão pela qual a cesta básica proposta pelo governo não deveria ser alterada. É a forma mais adequada de os parlamentares preservarem o espírito da reforma a que corajosamente deram aval no ano passado.

É preciso reagir ao trabalho infantil

Correio Braziliense

Segundo estabelece a legislação, a partir dos 16 anos, adolescentes podem trabalhar apenas de forma protegida, sendo que entre 14 e 16 anos somente na condição de aprendiz. Abaixo dos 14 anos, qualquer tipo de trabalho é vedado

A imagem é cotidiana nas cidades brasileiras: crianças e adolescentes pelas ruas exercendo atividades para ganhar algum dinheiro. Durante o dia ou à noite, surgem oferecendo doces, amendoins e petiscos do gênero, água, refrigerante e até mesmo mimos e brinquedos. Às vezes, estão acompanhados, mas em muitos casos enfrentam a função sozinhos. Trata-se de uma realidade escancarada, que exige ações imediatas. Proibido pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o trabalho infantil é uma grave violação de direitos, que impede o desenvolvimento amplo e sadio de crianças e jovens.

Segundo estabelece a legislação, a partir dos 16 anos, adolescentes podem trabalhar apenas de forma protegida, sendo que entre 14 e 16 anos somente na condição de aprendiz. Abaixo dos 14 anos, qualquer tipo de trabalho é vedado. Contudo, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgados em dezembro do ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que em 2022 o Brasil apresentou quase 1,9 milhão de crianças e adolescentes realizando alguma prática econômica, o equivalente a 4,9% do total de habitantes entre 5 e 17 anos no país. Os estudos apontam que a crise gerada pela pandemia de covid-19, com o aumento da vulnerabilidade das famílias de baixa renda, deixou os jovens ainda mais expostos e agravou a situação.

Ainda segundo o IBGE, em 2023 houve uma retomada da presença na pré-escola, porém foi registrada uma tendência de queda nas matrículas do ensino fundamental. Já em relação ao ensino médio, houve pouca oscilação se comparado a 2022. No ano passado, 91,9% dos jovens de 15 a 17 anos estavam na sala de aula e 75% faziam especificamente essa etapa do processo. Em 2023, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio da Auditoria Fiscal do Trabalho, tirou 2.564 crianças e adolescentes de situações de exploração do trabalho infantil em 1.518 ações de combate. Das 2.564 vítimas resgatadas, 1.923 eram meninos e 641, meninas.

O Mato Grosso do Sul liderou com 372 afastamentos, seguido por Minas Gerais, com 326 casos, e São Paulo, com 203. O órgão informa que o aumento da fiscalização é uma das metas neste ano. Esse trabalho é fundamental, porém não soluciona a questão. Traçar medidas e pensar iniciativas que diminuam o problema são pontos cruciais.

Políticas públicas devem amparar menores e familiares carentes. E a sociedade precisa pensar sobre essa problemática como prioridade. É importante que a responsabilidade pelo bem-estar das crianças e adolescentes seja compartilhada pela população. Adquirir uma mercadoria oferecida pelas mãos dos pequenos com a intenção de ajudar pode ser destruidor para a vida deles. Não exigir das autoridades e dos políticos um olhar comprometido é perpetuar o descaso.


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