País precisa se preparar para eventos climáticos extremos
Valor Econômico
Deficiências que se tornaram habituais serão ainda mais nocivas com a mudança de qualidade dos fenômenos causados pelo aquecimento global
O Rio Grande do Sul vive nova catástrofe climática, pouco tempo depois de um destrutivo ciclone extratropical em junho e de enchentes em setembro que deixaram 54 mortos. Desta vez, uma zona de alta pressão, com bloqueio de ar quente no Centro do país, impediu a chegada de frentes frias ao Sudeste que, sem poder avançar, estacionaram no Sul, provocando dilúvios. No Estado, as chuvas afetaram principalmente a região Central e dos Vales, com 332 cidades atingidas. Em Porto Alegre, o rio Guaíba ultrapassou o recorde de 1941, quando atingiu 4,7 metros de altura. O Centro histórico de Porto Alegre está debaixo de água. Havia 78 mortos e 105 desaparecidos no início da noite de ontem.
O Rio Grande do Sul pode ser um exemplo de que os fenômenos climáticos adversos ganharam em intensidade e frequência, algo já visto com preocupante ritmo em todos os países com a piora do aquecimento global. No Brasil, há pouco uma seca devastadora fez desaparecer provisoriamente alguns rios na maior bacia fluvial do planeta, a Amazônica, enquanto o Pantanal vem sendo devastado por incêndios de grande extensão por dois anos consecutivos.
O Estado tem sido palco de catástrofes climáticas em série. Sofreu prejuízos enormes com a sequência de secas que ocorreram na primeira década do século, a partir de 2001. A de 2005, a pior delas, derrubou em 2,8% o PIB gaúcho. Em 2004, a estiagem engoliu 45% da safra de soja estadual. A atual sequência de inundações devastadoras vem após uma severa seca no verão de 2023. A destruição trazida pelas águas até novembro, meses antes da enchente de agora, foi estimada em R$ 28 bilhões. Os prejuízos materiais hoje serão muito maiores e teme-se que o número de vidas perdidas, também.
Indústrias importantes, como a Gerdau, paralisaram a produção. Sem mobilidade, a produção de granjas e frigoríficos não pode ser escoada, enquanto que os animais em criação não podem ser abastecidos de rações e outros alimentos. O Estado é o terceiro maior produtor e exportador de carne de frango. É o maior produtor de arroz, com 75% da oferta do produto. Estima-se que haja ainda 1,5 milhão de toneladas no campo, que podem ser perdidas, e perto de 5 milhões de toneladas de soja (Folha de S.Paulo, 3 de maio).
Em pontos do Vale do Taquari, em poucos dias a precipitação atingiu entre 500 e 600 milímetros, um terço da média de chuvas anual, e o triplo da média mensal desta época do ano. Temporais intensos ocorrem também na vizinha Santa Catarina. A chuva na sexta-feira se deslocou para o noroeste do Rio Grande do Sul e desabou em Santa Catarina, onde houve precipitações fortes de 200 mm nas últimas 24 horas.
Nenhum governo está totalmente preparado para enfrentar um aguaceiro desses. No entanto, precisam estar a postos com o melhor esquema de prevenção possível, o que não é o caso, na maioria das vezes. O governo gaúcho agiu com rapidez, obtendo ajuda imediata do governo federal para enfrentar uma situação dramática, que ainda pode piorar. “É o pior desastre da história do Estado e um dos mais graves do país”, disse Marcelo Seluchi, coordenador da equipe de monitoramento do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, o Cemaden, ao Valor. A previsão é que a situação da capital, Porto Alegre, com a cheia do rio Guaíba, que já subiu 5,3 metros, vá piorar, e a volta a algum tipo de normalidade possa ocorrer somente em uma semana.
Mas, apesar da crônica de desastres climáticos em todo o país, os preparativos para enfrentá-los até hoje carecem de planejamento, recursos, coordenação e pessoal, um dos muitos frutos do imediatismo político. Essas deficiências, que se tornaram habituais, serão ainda mais nocivas com a mudança de qualidade dos fenômenos causados pelo aquecimento global.
“Os extremos de chuva estão virando mais extremos. Temos que nos preparar para esta nova realidade que já estamos vivendo. Este é o novo normal”, disse o climatologista José Marengo ao Valor. O mapeamento das zonas de risco atinge hoje 1.942 municípios, e seria necessário ampliá-lo muito mais. O Plano Nacional de Adaptação não foi concluído e faz falta. O desafio é brutal, mas tem de ser enfrentado. “Cidades foram construídas em áreas que eram leitos de rios ou muito próximas a eles”, afirma Marengo. “Qualquer chuva intensa, há inundação”.
É preciso planejar a expansão das cidades em função das mudanças climáticas e corrigir os pontos vulneráveis de metrópoles erigidas em épocas em que o problema do aquecimento global não era percebido. Agora, ele altera padrões estabelecidos de formas insuspeitadas. Os modelos utilizados perderam seu poder de predição de eventos climáticos com as mudanças em curso, adverte Paulo Artaxo, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas (O Estado de São Paulo, 3 de maio).
Além da adaptação e da mitigação dos efeitos, um passo decisivo é reduzir as emissões de carbono, que no Brasil são majoritariamente causadas pela eliminação da cobertura vegetal, ainda intensa em quase todos os biomas, e em especial na Amazônia e no cerrado.
O Globo
Casos recentes em redutos da elite paulistana
revelam dificuldades para lidar com o problema
A sociedade brasileira não deveria
desperdiçar a oportunidade para refletir com os casos recentes de racismo e
antissemitismo em escolas de elite da capital paulista. No dia 22 de abril,
duas alunas de 14 anos da Escola Vera Cruz pegaram o caderno da filha da
atriz Samara
Felippo e do ex-jogador de basquete Leandrinho, arrancaram
folhas de um trabalho escolar e escreveram uma ofensa abjeta de cunho racista.
Um mês e meio antes, no início de março, seis alunos de 15 anos da Beacon
School intimidaram um colega judeu, desenhando suásticas num caderno e fazendo
a saudação nazista.
Casos assim têm chamado mais a atenção nos
últimos tempos. Eles têm surgido não apenas em colégios caros de São Paulo, mas
em escolas particulares e públicas de todas as regiões do Brasil. O racismo é
em geral invisível quando as vítimas são negros pobres da periferia. Crianças e
jovens são alvos frequentes de humilhação hedionda em razão de cor da pele,
religião, características físicas ou intelectuais. Não se pode esquecer que a
legislação brasileira pune esses atos como crimes e que, perante a lei, os pais
são responsáveis pelo que seus filhos fazem. Tais atitudes são, além disso,
intoleráveis num ambiente que quer formar cidadãos.
Mas, por óbvio, educadores não têm o poder de manter o racismo, a intolerância religiosa e outros preconceitos fora das instituições de ensino. O que está ao alcance da direção e do corpo docente é fazer um trabalho contínuo de prevenção, criar canais de denúncia eficientes, acolher e cuidar das vítimas e de suas famílias, identificar jovens agressores e tomar medidas corretivas. Tudo isso sem atropelo. A pior das decisões é tentar apenas agradar ao tribunal das redes sociais ou dos grupos de mensagens quando o horror vem à tona.
A dor de ver um filho alvo de racismo ou
perseguição costuma provocar nos pais o desejo de punição exemplar, geralmente
na forma de expulsão. Não é, obviamente, opção que deva ser descartada. Mas
crianças e adolescentes são sujeitos em estágio de formação. Bem concebida e
realizada, a educação é um instrumento de transformação. Desistir de incutir
nelas princípios éticos e morais é um desserviço ao combate à discriminação.
Cada situação deve ser examinada em suas particularidades antes de decisões
extremas.
O caso de racismo contra a filha de Samara
Felippo ilustra a complexidade. O Vera Cruz é uma escola popular entre famílias
progressistas da Zona Oeste de São Paulo. Foi uma das primeiras da cidade a
adotar um programa antirracista consistente. Formou equipes de orientadores
pedagógicos e professores atentos. Em vez de decretar o fracasso de todo esse
esforço, a escola precisa identificar se houve erros, para torná-lo mais
eficaz, sabendo que nunca estará livre de novos casos.
Independentemente da motivação, o ato não
pode ser tratado com leveza. A escola suspendeu as agressoras e, em seguida,
elas saíram voluntariamente. Em mensagem, os pais de uma delas, precursores do
movimento contra o racismo no Vera Cruz, pediram desculpas pela “violência
injustificável” e lembraram que a filha, como toda adolescente, comete erros e
acertos.
A melhor resposta de educadores e da
sociedade à sensação de aviltamento das vítimas seria transformar os agressores
em cidadãos incapazes de cometer o mesmo crime. Sem prejuízo das punições
previstas nos termos da lei, necessárias para desencorajar que atitudes tão
repugnantes se repitam.
Morte de motorista de aplicativo expõe
leniência com quem bebe e dirige
O Globo
Condutor que provocou acidente foi dispensado
do teste do bafômetro, apesar de nítidos sinais de embriaguez
O grave acidente entre um Porsche e um
Renault Sandero numa avenida de São Paulo, na madrugada do domingo de Páscoa,
expôs a leniência das autoridades com infratores contumazes e a dificuldade
crônica dos governos para reduzir a violência no trânsito —
a despeito de o país possuir uma legislação rigorosa, implementada justamente
para conter a matança nas ruas e estradas.
Não se pode dizer que seja incomum o acidente
que matou o motorista de aplicativo do Sandero. Inicialmente, o condutor do
Porsche alegou estar “um pouco acima” da velocidade. A perícia constatou que,
no momento da colisão, ele corria a 114,8km/h (depois de chegar a 156,4km/h),
mais que o dobro do permitido na via (50km/h).
Tampouco se pode afirmar que seja incomum a
atitude leniente de autoridades em casos assim. Chama a atenção que policiais
não tenham feito o teste do bafômetro no motorista que dirigia em alta
velocidade, como seria praxe (depois, eles foram afastados). Testemunhas
desmontaram a versão segundo a qual ele não bebera. Imagens das câmeras
corporais mostram que os próprios policiais notaram sinais de embriaguez.
Apenas na sexta-feira, a Justiça de São Paulo mandou prendê-lo preventivamente,
após outros três pedidos de prisão negados.
Não foi a primeira imprudência desse
motorista no trânsito. Ele havia recuperado a carteira de habilitação apenas 12
dias antes do acidente. Pela legislação, o direito de dirigir é suspenso quando
o condutor atinge 40 pontos na soma das infrações. Pelo visto, o curso de
reciclagem, obrigatório nesses casos, não serviu para nada.
A mistura de álcool e volante infelizmente
provoca acidentes o tempo todo. Em fevereiro, um motorista aparentemente
embriagado avançou sobre dezenas de foliões num bloco de carnaval em São
Gonçalo (RJ). No último dia 27, três guardas municipais foram atropelados em
Indaiatuba, interior de São Paulo (o motorista se recusou a fazer o teste do
bafômetro e acabou detido). No dia 30, um condutor que mal conseguia ficar de
pé invadiu o canteiro central e colidiu contra um motociclista no bairro do
Tatuapé, em São Paulo.
Nos anos 2000, as madrugadas dos fins de
semana no Rio ficaram marcadas pelas sucessivas mortes de jovens em acidentes
de trânsito. Eles iam para as baladas, consumiam altas quantidades de bebida
alcoólica e depois assumiam o volante. Surgidas em 2008, as operações da Lei
Seca reduziram drasticamente essas tragédias, por meio de blitzes aleatórias
para submeter motoristas ao teste do bafômetro.
As necessárias campanhas de conscientização,
por si só, não são suficientes para evitar que motoristas arrisquem a própria
vida e a dos outros. É preciso aumentar a fiscalização. As blitzes da Lei Seca,
sem dia, hora ou local marcado, já se mostraram uma experiência bem-sucedida.
Mas há que manter a regularidade das operações. É fundamental ainda rigor com
infratores. Não basta ter leis rígidas. É preciso aplicá-las. Ou a imprudência
e a impunidade continuarão a fazer vítimas no trânsito.
Veto a populismo penal deveria ser mantido
Folha de S. Paulo
Projeto que esvazia saída temporária de
presos contraria evidências, impõe custos e nada faz pela segurança pública
Dá-se como certo que o Congresso
Nacional derrubará o veto parcial do presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT) ao projeto de lei que acaba com as saídas temporárias dos presos em
datas comemorativas.
Se isso de fato acontecer, terão sido em vão
todas as evidências disponíveis sobre o assunto e todos os conselhos de
especialistas que, em uníssono, apontaram problemas tão diversos quanto graves
na iniciativa aprovada pelos parlamentares em março deste ano.
Deputados e senadores, ao que parece, pouco
se importam com soluções verdadeiras para a exasperante situação da segurança
pública no Brasil. Interessa-lhes apenas colher frutos eleitorais, e isso eles
conseguem com mais facilidade apoiando propostas como o fim das chamadas
"saidinhas", exemplo típico de populismo penal.
Ocorre que, no mais das vezes, esse tipo de
medida é contraproducente, na melhor hipótese. A saída temporária, por exemplo,
ainda que não seja um mecanismo perfeito, funciona há quase quatro décadas como
um incentivo ao bom comportamento, um meio de ressocializar detentos e um
paliativo para a superlotação de presídios.
Esvaziar esse benefício nada faz pelo combate
à criminalidade, mas torna as
condições carcerárias ainda mais insalubres —o que não só viola
princípios humanitários como também reforça o apelo das facções criminosas que
oferecem proteção dentro das penitenciárias.
Além disso, o projeto aprovado no Congresso
torna obrigatório um exame criminológico para a progressão de regime. Não
consta, todavia, que análises dessa natureza tenham eficácia comprovada.
Espanta que governadores não tenham
pressionado as bancadas estaduais contra tais mudanças, pois eles é que
precisarão arcar com as consequências diretas nos sistemas penitenciários.
Lula, a cuja gestão faltam diretrizes na área
da segurança, viu-se em uma encruzilhada quando recebeu a proposta: vetá-la
implicaria comprar mais uma crise com o Legislativo, mas sancioná-la
representaria uma capitulação à linha-dura parlamentar.
Na expectativa de desatar o nó, o presidente
escolheu um veto parcial, cedendo no exame criminológico e
restaurando o direito à saída temporária para apenas alguns presos —aqueles
envolvidos em crimes menos violentos.
Os congressistas, imunes a argumentos
racionais nessa seara, poderiam ao menos reconhecer o gesto político de Lula,
que desagradou a própria base ao buscar um meio-termo diante de uma iniciativa
reacionária no campo penal.
Biden e as universidades
Folha de S. Paulo
Sob fogo da oposição, presidente é obrigado a
se posicionar sobre protestos
Como seria previsível, a crise que engolfa as
universidades americanas invadiu a disputa entre Joe Biden e
o seu antecessor, Donald Trump,
pela Casa Branca.
Ao longo da semana passada, os protestos de
estudantes e de ativistas contrários ao apoio americano à guerra de Israel contra
o Hamas na Faixa de Gaza se
avolumaram.
Cenas de policiais entrando em campi para
deter os manifestantes se multiplicaram, evocando os confrontos que
convulsionaram os Estados
Unidos no fim dos anos 1960, quando os estudantes eram recrutas
em potencial para a inglória Guerra do Vietnã.
Por óbvio, a situação atual é diversa, e é
a fronteira
entre a liberdade de expressão e os arroubos de racismo antissemita notados
nos protestos que apresenta desafios a quem tem de lidar com a questão.
Em meio a mais de 40 universidades afetadas e
de 2.200 presos, a conta chegou à mesa de Biden. A oposição republicana, com seu
candidato no banco dos réus em Nova York a defender a polícia,
fustiga o democrata pela alegada leniência com transgressões.
Obrigado a se posicionar, o presidente optou
por um breve e ponderado comentário, no qual uniu a defesa do dissenso ao
repúdio à violência e à supressão dos direitos do corpo discente.
É incerto o eventual impacto eleitoral da
crise. Governos americanos apoiam Israel de forma mais ou menos convicta desde
a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e o de Biden não é uma exceção.
O democrata elevou o tom contra o
prolongamento exorbitante do conflito e sua desproporção, a cargo do premiê
Binyamin Netanyahu —de resto um congênere de Trump na direita populista. Isso
dito, Biden não alterou em nada a política americana no conflito.
O problema para o presidente é que os
manifestantes, jovens, são seus presumidos eleitores. Mesmo que claramente
rejeitem o adversário, podem perder a disposição de comparecer às urnas.
Numa corrida
apertada, em que até aqui o republicano tem vantagem, margens
mínimas podem garantir a vitória. Todo estrato é importante para os
estrategistas.
A inflexão de Biden também é cautelar. A convulsão dos anos 1960 levou à conservadora e polarizante era Richard Nixon, que influi ainda hoje na política americana.
Previdência já demanda uma nova reforma
O Estado de S. Paulo
Pressões demográficas aceleradas e políticas
equivocadas adotadas pelo governo Lula apertam as contas públicas e devem
antecipar a necessidade de ajustes nas aposentadorias
Em defesa da reoneração da folha de
pagamento, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cobrou do Congresso
responsabilidade para não prejudicar a Previdência Social. Segundo ele, se o
Legislativo abrir mão dessas receitas, o País terá de aprovar outra reforma em
três ou cinco anos. “Não dá para brincar com essas coisas”, afirmou. O ministro
tem razão. De fato, a sociedade terá de discutir regras mais duras para as
aposentadorias muito em breve. A desoneração, no entanto, não é a maior nem a
única culpada pelo problema.
Aprovada em 2019, a última reforma da
Previdência gerou uma economia de R$ 156,1 bilhões para o sistema até 2022,
quase 80% a mais do que o governo havia estimado à época, segundo o consultor
legislativo Leonardo Rolim, ex-secretário da área e ex-presidente do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS).
Entre as mudanças, o texto estabeleceu uma
idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres, bem como um tempo de
contribuição mínimo para garantir o benefício. As regras estabilizaram o
déficit do sistema até o fim da década de 2030, segundo o Banco Mundial, mas já
se sabia que as mudanças demográficas exigiriam novos ajustes ao longo dos anos
seguintes.
Estudos recentes têm mostrado aspectos
preocupantes para a sustentabilidade do sistema previdenciário no médio e no
longo prazos. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou que o
País hoje tem 1,97 contribuinte para cada segurado e até 2051 terá mais
beneficiários do que pessoas contribuindo com o sistema. Nesse cenário, a
alíquota necessária para cobrir todos os custos do sistema teria de superar os
70% em 2060.
Além do envelhecimento populacional e da
redução da taxa de fecundidade, que ocorre em boa parte dos países do mundo,
fatores específicos da realidade brasileira explicam esse desequilíbrio. Os
autores do estudo, Graziela Ansiliero e Rogério Nagamine, também ex-secretário
do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), mencionaram a informalidade, o
desemprego e o número de pessoas inativas e fora do mercado de trabalho.
Há algumas soluções, ainda que impopulares,
para atenuar o problema. Artigo publicado pelo Instituto Brasileiro de Economia
da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) recomenda a equiparação da idade mínima
de aposentadoria para homens e mulheres. Otávio Sidone, Fabio Giambiagi e
Guilherme Tinoco calculam que a mudança economizaria R$ 1,5 trilhão em despesas
nos próximos 30 anos.
Completamente avesso a reformas, o governo
Lula da Silva poderia ao menos contribuir para não piorar o desequilíbrio do
sistema. Mas não é o que tem ocorrido. A aprovação da política permanente de
valorização do salário mínimo – piso ao qual os benefícios previdenciários e
assistenciais estão vinculados – pode ter anulado metade da economia da reforma
de 2019, segundo Giambiagi informou em recente coluna no Estadão.
Dois terços das aposentadorias e pensões
pagas pelo INSS serão reajustados pela inflação do ano anterior, mais a
variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Trata-se de uma
regra totalmente incompatível com o arcabouço fiscal, que restringe o aumento
das despesas a 70% da alta das receitas.
Pior: na hipótese de o País retomar um
crescimento econômico mais vigoroso, a política de valorização permanente do
salário mínimo fará com que os gastos previdenciários ultrapassem o limite de
despesas estabelecido pela nova âncora ainda mais rapidamente. Não se viu, no
entanto, qualquer crítica ou ponderação por parte do ministro Haddad quando a
medida era discutida e aprovada pelo Congresso. Afinal, foi uma iniciativa do
presidente Lula da Silva e uma promessa de campanha do petista.
Seria fácil se todos os problemas da
Previdência Social se resumissem à desoneração da folha de pagamento de 17
setores da economia e dos municípios. Mas há muitas outras questões a serem
discutidas para impedir o colapso das contas públicas, garantir a sustentabilidade
da Previdência Social e assegurar a proteção de todos os seus segurados no
futuro. Nada indica que serão enfrentadas por este governo.
O alerta de Macron deve ser ouvido
O Estado de S. Paulo
Sua advertência de um ‘risco existencial
triplo’, ante o expansionismo autocrático, as guerras comerciais e a erosão
democrática, serve não só à Europa, mas a todas as democracias
Em um discurso na Sorbonne, o presidente
francês, Emmanuel Macron, alertou: “A Europa pode morrer”. Em entrevista à
revista The Economist, ele aumentou a voltagem: o fim pode ser “brutal”, “muito
mais rápido do que imaginamos”. Sob essa fraseologia apocalíptica, não se pode
excluir interesses eleitorais, ambições sobre a União Europeia ou seu próprio
ego (o gosto pelas “grandes ideias” já lhe rendeu o adjetivo “jupiteriano”).
Seria reconfortante se essas fossem suas únicas motivações, se tudo isso fossem
só hipérboles alarmistas. Mas sua análise aponta antes para uma realidade
alarmante, não só para a Europa, mas para as democracias liberais. “É um risco
existencial triplo”, disse: além de militar e econômico, há o perigo da
“incoerência interna e de ruptura do funcionamento de nossas democracias”.
Na linha de frente do primeiro risco está a
ameaça russa. Outrora afeito a “ambiguidades estratégicas”, Macron fala agora
com a paixão de um convertido. A Rússia, diz, fez uma escolha “radical” em
2022: violou o direito internacional, lançou uma guerra de agressão a um país
soberano europeu, cometeu crimes de guerra e, agora, assume uma “lógica de
guerra total”. Com “ameaças nucleares”, agressões “híbridas”, “ameaças no
espaço e no mar”, a Rússia hoje é “um poder de desestabilização regional onde
puder ser”. Entre as hesitações ocidentais, hoje Macron vocaliza a clareza
moral: “Se a Rússia vencer na Ucrânia, não haverá segurança na Europa. Quem
pode fingir que a Rússia parará lá?”. E quem pode garantir que a Europa sempre
contará com os EUA? “Temos de nos preparar para proteger a nós mesmos.”
O segundo desafio é “econômico e
tecnológico”. No início dos anos 2000, esperava-se que a China jogasse pelas
regras do comércio internacional e até se democratizasse. Mas, ao contrário, os
ocidentais estão emulando o modelo chinês, injetando subsídios e erguendo
barreiras protecionistas. Nas fronteiras tecnológicas a Europa pode ficar para
trás, a uma distância irrecuperável.
Finalmente, o continente que “inventou a
democracia liberal” se vê ameaçado pelo ressurgimento de nacionalismos e
populismos turbinados por redes de desinformação.
O diagnóstico é mais inequívoco que as
soluções. Ante a volubilidade da política externa americana, Macron está certo
em propor um “arcabouço” de defesa europeu distinto, mas não separado, da Otan.
Mas há o risco de incitar ainda mais os apetites isolacionistas dos EUA,
provocando efetivamente a “morte cerebral” que ele atribuiu à Otan em 2019.
Macron defende uma restauração das regras de comércio internacional, mas admite
que a realidade impõe o dirigismo em áreas estratégicas, combinado com a
desregulação do mercado para facilitar negócios e atrair investidores. Mas há o
risco de que os governos implementem o dirigismo, sem a liberalização,
prejudicando ainda mais a competitividade. É preciso, como ele diz, cooperar
com a China em desafios globais, como o meio ambiente ou a proliferação
nuclear, e buscar uma reciprocidade econômica mutuamente vantajosa. Mas será
isso possível ante a divergência política cada vez maior do regime autocrático
chinês com os valores democráticos ocidentais? E em relação às ameaças
domésticas, a estratégia de isolar e demonizar extremistas não comporta o risco
de radicalizá-los e fortalecê-los ainda mais?
“Ainda sou um otimista”, disse Macron. “Mas o
mundo é um lugar mais tenebroso. É preciso ser lucidamente otimista e
determinado. Tivemos a pandemia de covid. Temos a guerra da agressão da Rússia.
Temos uma tensão sino-americana sem precedentes. Temos uma guerra terrível no
Oriente Médio, que está abalando nossas sociedades em suas bases. Temos
divisões massivas na Europa. Temos enormes riscos geopolíticos.”
Suas soluções podem ser questionáveis. Mas,
sob elas, há um alerta incontornável. Em meio à Grande Guerra, o poeta francês
Paul Valéry advertiu: “Nós, as civilizações modernas, aprendemos a reconhecer
que também somos mortais como as outras”. É essa a lição que Macron quer
recuperar e que nenhuma democracia pode se permitir ignorar.
O tamanho da cesta básica
O Estado de S. Paulo
Restringir a cesta básica preserva o espírito
da reforma e combate a regressividade da carga tributária
Acabou o mistério: a alíquota padrão estimada
pelo governo federal para a cobrança dos dois principais tributos nascidos com
a reforma tributária, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição
sobre Bens e Serviços (CBS), será de 26,5%.
Tal estimativa foi anunciada junto com o primeiro projeto de regulamentação da
proposta.
Esses 26,5%, no entanto, podem ter vida
curta. Se novas exceções ao regime geral de tributação de IBS e CBS forem
incluídas no projeto pelos parlamentares, tal porcentual será elevado. Já se
sabe, por exemplo, que deputados e senadores tentarão introduzir novos produtos
na “Cesta Básica Nacional de Alimentos”, composta por 15 alimentos beneficiados
com alíquota zero nos dois tributos.
A preocupação foi manifestada pelo
economistachefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp),
Igor Rocha. “A cesta básica é o ponto que pode impactar mais a alíquota final.
Se alguém não paga, outro está pagando”, disse ele ao Estadão. “Se começarem a
incluir na cesta básica produtos que não são para o consumo básico, o impacto
na alíquota será muito grande”, alertou.
O alerta procede, e não só pelo aumento da
alíquota padrão que a inclusão de novos itens na cesta básica pode acarretar. É
preciso lembrar também que a redução da tributação incidente sobre a cesta
privilegia as pessoas de renda mais alta, que sabidamente consomem os produtos
nela incluídos em maior quantidade. São elas, portanto, as que mais se
aproveitam da desoneração tributária desses produtos.
O Boletim Mensal sobre os Subsídios da União,
elaborado pelo extinto Ministério da Economia e divulgado em setembro de 2019,
conclui que a desoneração da cesta básica é uma política reconhecidamente
regressiva. Enquanto os 20% mais pobres correspondiam a 10,6% dos gastos
tributários do programa, os 20% mais ricos se apropriavam de 28,8% do total da
renúncia.
Como se isso não bastasse, a desoneração dos
preços de venda dos alimentos se perde ao longo da cadeia e não chega
integralmente ao consumidor. Estudo realizado pela FGV Direito/SP em 2023
revelou que cada 1 ponto porcentual de variação no ICMS gera apenas 0,13% de
variação nos preços, em média.
Há formas mais eficientes de proporcionar
alimentos mais baratos às famílias mais vulneráveis, entre elas a devolução de
parte do imposto incidente sobre os produtos tributados, conhecido como
cashback – como, aliás, propõe a reforma.
A enxuta lista de alimentos da cesta básica
divulgada pelo governo, no entanto, dificilmente será preservada. Para além de
argumentos a favor das pretendidas inclusões, o lobby de setores econômicos
influentes costuma sensibilizar os parlamentares e não raro encontra
ressonância no Congresso.
Esse patrocínio de interesses específicos por nossos representantes políticos, entretanto, pode custar caro à maioria de seus representados, razão pela qual a cesta básica proposta pelo governo não deveria ser alterada. É a forma mais adequada de os parlamentares preservarem o espírito da reforma a que corajosamente deram aval no ano passado.
É preciso reagir ao trabalho infantil
Correio Braziliense
Segundo estabelece a legislação, a partir dos
16 anos, adolescentes podem trabalhar apenas de forma protegida, sendo que
entre 14 e 16 anos somente na condição de aprendiz. Abaixo dos 14 anos,
qualquer tipo de trabalho é vedado
A imagem é cotidiana nas cidades brasileiras:
crianças e adolescentes pelas ruas exercendo atividades para ganhar algum
dinheiro. Durante o dia ou à noite, surgem oferecendo doces, amendoins e
petiscos do gênero, água, refrigerante e até mesmo mimos e brinquedos. Às
vezes, estão acompanhados, mas em muitos casos enfrentam a função sozinhos.
Trata-se de uma realidade escancarada, que exige ações imediatas. Proibido pela
Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o trabalho
infantil é uma grave violação de direitos, que impede o desenvolvimento amplo e
sadio de crianças e jovens.
Segundo estabelece a legislação, a partir dos
16 anos, adolescentes podem trabalhar apenas de forma protegida, sendo que
entre 14 e 16 anos somente na condição de aprendiz. Abaixo dos 14 anos,
qualquer tipo de trabalho é vedado. Contudo, dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgados em dezembro do ano passado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que em
2022 o Brasil apresentou quase 1,9 milhão de crianças e adolescentes realizando
alguma prática econômica, o equivalente a 4,9% do total de habitantes entre 5 e
17 anos no país. Os estudos apontam que a crise gerada pela pandemia de
covid-19, com o aumento da vulnerabilidade das famílias de baixa renda, deixou
os jovens ainda mais expostos e agravou a situação.
Ainda segundo o IBGE, em 2023 houve uma
retomada da presença na pré-escola, porém foi registrada uma tendência de queda
nas matrículas do ensino fundamental. Já em relação ao ensino médio, houve
pouca oscilação se comparado a 2022. No ano passado, 91,9% dos jovens de 15 a
17 anos estavam na sala de aula e 75% faziam especificamente essa etapa do
processo. Em 2023, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio da
Auditoria Fiscal do Trabalho, tirou 2.564 crianças e adolescentes de situações
de exploração do trabalho infantil em 1.518 ações de combate. Das 2.564 vítimas
resgatadas, 1.923 eram meninos e 641, meninas.
O Mato Grosso do Sul liderou com 372
afastamentos, seguido por Minas Gerais, com 326 casos, e São Paulo, com 203. O
órgão informa que o aumento da fiscalização é uma das metas neste ano. Esse
trabalho é fundamental, porém não soluciona a questão. Traçar medidas e pensar
iniciativas que diminuam o problema são pontos cruciais.
Políticas públicas devem amparar menores e familiares carentes. E a sociedade precisa pensar sobre essa problemática como prioridade. É importante que a responsabilidade pelo bem-estar das crianças e adolescentes seja compartilhada pela população. Adquirir uma mercadoria oferecida pelas mãos dos pequenos com a intenção de ajudar pode ser destruidor para a vida deles. Não exigir das autoridades e dos políticos um olhar comprometido é perpetuar o descaso.
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