segunda-feira, 6 de maio de 2024

Bruno Carazza - Quem se importa com as mortes no RS?

Valor Econômico

Tragédia de 2023 pouco mobilizou políticos gaúchos e o governo federal

No Brasil, as tragédias se sucedem, trazendo morte, sofrimento e prejuízos, principalmente para os mais pobres. Na maioria das vezes, poucas lições extraímos com o drama humano - e menos ainda mudamos nosso comportamento.

A situação vivida atualmente no Rio Grande do Sul foi bola cantada por especialistas em meteorologia e meio-ambiente, triste reprise das chuvas e inundações sofridas em meados do ano passado. A classe política, porém, ignorou os alertas.

Na mensagem que enviou a proposta para o orçamento de 2024 à Assembleia Legislativa, o governador Eduardo Leite (PSDB) mencionou a destruição e as mortes provocadas em diversos municípios do Estado em 2023, e propôs que todos os gaúchos unissem seus esforços para “que todos os atingidos tenham de volta a esperança no futuro”. Palavras quase protocolares, diante do pouco que se propôs de mudanças.

A favor do governador tucano, pode-se até considerar louvável a ampliação dos recursos previstos para o Fundo Estadual de Defesa Civil, que prevê neste ano gastar R$ 5,05 milhões para o desenvolvimento de uma plataforma digital de informações para a população e expansão do Centro de Operações da Defesa Civil (em comparação com os R$ 2,6 milhões de 2023). No entanto, a previsão de despesas totais alocadas na subfunção “Defesa Civil” para este ano é 7,5% menor do que o destinado no ano passado (R$ 495,7 milhões).

Se de um lado o governador não deu prioridade à prevenção de novas catástrofes ambientais no orçamento, também não houve ajuda vinda dos representantes do Estado no Congresso Nacional.

Segundo o portal Siga Brasil, do Senado Federal, de todo o valor previsto pelos deputados federais e senadores gaúchos em emendas individuais e de bancada em 2023 e 2024 (R$ 2,84 bilhões), apenas R$ 1 milhão se destinava a estudos e projetos de prevenção e proteção a deslizamentos urbanos e míseros R$ 700 mil foram voltados para preservação e conservação ambiental no Estado. Ainda assim, nenhum centavo foi aplicado.

Além disso, dos R$ 192,1 milhões que os parlamentares transferiram desde o ano passado para administração do Palácio do Piratini, sede do Poder Executivo sul-rio-grandense, mais recursos foram alocados na Secretaria de Agricultura e Pecuária (R$ 21,1 milhões) do que na pasta de Assistência Social (R$ 18,9 milhões), área que poderia amparar os abrigados que tiveram que recomeçar suas vidas praticamente do zero após a destruição de suas casas.

Casos de grande comoção nacional costumam mobilizar parlamentares a apresentarem projetos de lei destinados a lidar com a prevenção ou com a remediação das tragédias que os produziram. No caso das enchentes do ano passado no Rio Grande do Sul, porém, as dezenas de mortes parecem não ter motivado a ação dos representantes da população gaúcha no Congresso Nacional.

Entre os 106 projetos de lei ordinária e complementar, assim como propostas de emenda à Constituição, apresentados até a última sexta-feira pelos 31 deputados federais gaúchos na atual legislatura (2023-2026), apenas dois foram apresentados como uma resposta às situações de calamidade causadas pelas chuvas em 2023 e 2024.

A deputada Fernanda Melchionna (Psol) sugeriu uma alteração no Código de Defesa do Consumidor para punir comerciantes que se aproveitem da situação de vulnerabilidade da população para aumentar seus lucros durante as tragédias, com a proibição de participar de licitações e de ter acesso a empréstimos em bancos públicos (PL nº 1525/2024).

Numa iniciativa encabeçada pelo deputado gaúcho Bibo Nunes (PL) e subscrita por outros 18 colegas do mesmo Estado, foi proposta a introdução de um dispositivo na Constituição que permita que 5% do valor das emendas orçamentárias individuais possam ser remanejados para o atendimento a catástrofes e emergências ambientais (PEC nº 44/2023). Nenhuma das medidas, porém, teve avanços na tramitação.

Entre os três senadores gaúchos não houve a apresentação de nenhum projeto legislativo após as enchentes do ano passado que lidasse com a questão ambiental, com defesa civil ou prevenção de desastres.

Pelo contrário, Paulo Paim (PT), Hamilton Mourão (Republicanos) e Luis Carlos Heinze (PP) se uniram numa iniciativa conjunta (PL nº 4.653/2023) para incluir a região carbonífera gaúcha no Programa de Transição Energética Justa, favorecendo com incentivos governamentais a produção de energia termelétrica proveniente da queima de carvão mineral - aumentando, assim, as emissões de gases de efeito estufa e contratando a ocorrência de novos eventos climáticos extremos nos próximos anos.

Da parte do governo federal, até hoje não saiu do papel a proposta de campanha de se criar uma Autoridade Nacional de Segurança Climática, condição imposta pela ministra do Meio Ambiente Marina Silva para apoiar Lula no segundo turno. A ideia de se ter um órgão supra-ministerial que coordene ações de prevenção e adaptação às mudanças climáticas em todas as pastas do governo nunca foi prioridade do presidente da República, a despeito das ações de marketing embaladas pelo “Brasil voltou” nos encontros internacionais.

Com instrumentos frágeis para responsabilização - na Justiça ou nas urnas - de políticos que nada fazem para prevenir novas tragédias ambientais, é questão de tempo para que novas mortes e destruições aconteçam.

3 comentários:

Mais um amador disse...

Perfeito.

Daniel disse...

Realmente PERFEITO! Bruno fez a "lição de casa": pegou o assunto da semana, foi atrás de dados que reunissem Política e Economia, fez uma boa análise e nos apresentou um texto ponderado, IMPARCIAL, informativo, CRÍTICO e muito bem escrito. Muitos parabéns ao autor, e também ao blog que divulgou esta obra prima! Ah, se todos os colunistas fossem como o Bruno!

ADEMAR AMANCIO disse...

Deus nos livrem de tanto sofrimento!