Folha de S. Paulo
Políticas mal projetadas podem favorecer
interesses específicos e prejudicar a equidade
O sistema tributário brasileiro, como bem sabemos, é um
labirinto de complexidades. Além de termos uma alta carga, as múltiplas
alíquotas aplicadas de forma distinta para produtos e estados diferentes geram
uma distorção palpável no mercado. As empresas passaram a tomar decisões baseadas
mais em vantagens fiscais do que em eficiência operacional. Este cenário faz
com que a necessidade de uma reforma
tributária seja mais urgente do que nunca.
Nesse contexto, a promulgação da Emenda Constitucional 132 que substitui cinco tributos disfuncionais por um IVA Dual de padrão internacional é um enorme progresso. No entanto, a preservação da isenção total para a cesta básica, uma política tradicional, e consequente enfraquecimento do sistema de cashback, uma proposta mais inovadora e direcionada, mostra como os interesses políticos ainda moldam as decisões cruciais.
O modelo de isenção fiscal para itens básicos, apesar de suas boas
intenções, muitas vezes promove a desigualdade de duas maneiras. Primeiramente,
pessoas com maior renda, que consomem mais e produtos de qualidade superior,
acabam se beneficiando mais dos descontos fiscais do que os mais pobres. Um estudo do Banco Mundial publicado em 2023
corrobora essa constatação.
Em segundo lugar, na cadeia de produção de
alimentos, tanto produtores quanto mercados tendem a absorver parte da redução
de impostos como lucro adicional, especialmente as empresas com mais influência
no mercado. Assim, a redução esperada nos preços finais para os consumidores
geralmente é menor do que o total da isenção fiscal.
O modelo atual de isenção tributária, ao definir de forma arbitrária
quais produtos são considerados essenciais, acaba complicando o sistema
tributário e abrindo brechas para manipulações e favorecimentos indevidos. Isso
frequentemente inclui na lista de isentos itens como leite condensado, salmão e
queijos caros em alguns estados, demonstrando como políticas mal projetadas
podem favorecer interesses específicos e prejudicar a equidade e a eficiência
fiscal.
Em contraste, o sistema de cashback, que
reembolsa uma porcentagem do valor gasto em compras ao informar o CPF durante a
transação, oferece uma abordagem mais direta e equitativa. Esse reembolso pode
ocorrer imediatamente como desconto, ser creditado em conta-corrente, ou
adicionado a benefícios sociais, favorecendo principalmente famílias de baixa
renda ao mitigar o impacto dos impostos indiretos em seus orçamentos.
O sucesso do programa "Devolve ICMS" no Rio Grande do Sul ilustra
bem a eficácia desse tipo de política. Esse programa aumentou a renda mensal
das famílias beneficiadas em 16%, melhorando significativamente suas condições
de vida com maiores gastos em alimentos e remédios. A devolução média de R$
37,81 por mês impulsionou um aumento de consumo de R$ 32,47, com a maior parte
desses gastos concentrada em supermercados, açougues e padarias, além de uma
parcela significativa em farmácias. O programa beneficiou 618 mil famílias, que
receberam os valores por meio de um cartão cidadão, facilitando o acesso ao
benefício e incentivando o consumo no comércio formal.
Assim, além dos estudos, essa experiência
evidencia como o cashback não apenas apoia efetivamente os mais necessitados,
mas também dinamiza a economia local. Ao invés de perpetuar um sistema de
isenções que pode ser facilmente distorcido para beneficiar interesses
particulares, o cashback oferece uma solução focada e direta que realmente
atende às necessidades da população mais vulnerável.
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