Andrea Jubé, Beth Kaike e Victoria Neto / Valor Econômico
Pacote contempla novas regras para transferência de recursos federais, renegociação da dívida do Estado e linhas de crédito especiais
O governo federal, o Congresso Nacional e o
Supremo Tribunal Federal (STF) começaram a articular ações emergenciais para
vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. O pacote, anunciado no domingo (5),
deverá contemplar regras para transferência de recursos federais fora das
restrições fiscais, renegociação da dívida do Estado com a União, liberação de
emendas parlamentares e linhas de crédito especiais ao agronegócio e a empresas
afetadas pela catástrofe.
No domingo, o governador do Rio Grande do
Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou, diante de autoridades locais e federais,
que o Estado vive um “cenário de pós-guerra”, e que será necessário um “Plano
Marshall” para reconstruir tudo, em alusão ao plano de reconstrução da Europa
pós-Segunda Guerra, financiado pelos Estados Unidos. Alertou que limitações,
como as regras fiscais, dificultam a utilização de recursos extraordinários no
socorro à população.
Leite fez o apelo diante do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, que desembarcou ontem em Porto Alegre com uma comitiva de
ministros, com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), da Câmara
dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno
Dantas, o vice-presidente do STF, Edson Fachin, e representantes das Forças
Armadas.
O Estado enfrenta a maior enchente de sua história. Os temporais já deixaram 78 mortos confirmados, 105 desaparecidos e 175 pessoas feridas, de acordo com boletim da defesa civil divulgado na noite de domingo. Outros quatro óbitos estão sendo investigados.
O real impacto, contudo, será dimensionado
somente quando o nível da água diminuir.
As tempestades, que começaram em 27 de abril
e ganharam força no dia 29, já atingiram 844,6 mil pessoas em 341 municípios
(cerca de 68% do Estado). Há pelo menos 839 mil imóveis sem água, mais de 400
mil sem luz e 113 bloqueios em rodovias.
As áreas mais afetadas são os vales dos rios
Taquari, Caí, Pardo, Jacuí, Sinos, Gravataí, além do Guaíba, em Porto Alegre.
As cidades de Rio Grande e Pelotas, no sul do Estado, também estão sob alerta
de inundação grave. A projeção é que toda a água acumulada no Guaíba desça para
a Lagoa dos Patos, onde há vazão para o mar.
Esta enchente, a terceira enfrentada pelo Rio
Grande do Sul em oito meses, é a mais desastrosa pela velocidade e força das
águas. O Rio Guaíba superou a marca histórica de 1941, quando alcançou 4,76
metros, no que era maior enchente registrada até então, e chegou a marcar 5,31
metros no domingo.
Diante do apelo do governador, Pacheco e Lira
anunciaram que nesta semana discutirão com os líderes partidários quais medidas
serão votadas para socorrer o Estado com agilidade e segurança jurídica. “A
resposta será dura, firme e efetiva como foi na pandemia”, disse Lira.
Confirmando Leite, Pacheco reconheceu que o
Estado enfrenta uma situação de “guerra”. “Não há limitações, não há restrições
legais de tempos comuns, é preciso retirar a burocracia, as travas, as
limitações para que nada falte ao Rio Grande do Sul”, afirmou.
Na mesma linha, o ministro Edson Fachin disse
que o Poder Judiciário apoiará a instituição de “regime jurídico emergencial e
transitório” para o Estado neste momento. E lembrou que recursos derivados de
multas e outras sanções pecuniárias criminais podem ser destinados a fins
humanitários.
Bruno Dantas, do TCU, acrescentou que, em
momentos excepcionais como a tragédia gaúcha, o órgão adotará regras mais
flexíveis na fiscalização do uso do dinheiro público para que a burocracia não
retarde o socorro à população.
Lula cobrou o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, que estava presente, para acelerar a renegociação da dívida com o Rio
Grande do Sul, e viabilizar novas linhas de crédito para ajudar empresas
afetadas pela tragédia, bem como produtores rurais.
Lula pediu ao TCU que assegure a correta
aplicação dos recursos. “Cada centavo que for colocado [para o Estado] tem que
ser aplicado no que foi colocado, não pode ser desviado”, afirmou.
Lula, que perdeu a eleição no Rio Grande do
Sul para o ex-presidente Jair Bolsonaro em 2022, citou o papel do agronegócio,
majoritariamente ligado ao bolsonarismo, para impulsionar a economia
brasileira. “O Brasil deve muito ao Rio Grande do Sul, sobretudo se a gente
levar em conta a agricultura”, afirmou. “Se ele [o Estado] sempre ajudou o
Brasil, está na hora do Brasil ajudar o Rio Grande do Sul”, completou.
Citando a presença da ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, o presidente cobrou dela um plano de prevenção de
acidentes climáticos. “É preciso parar de correr atrás da tragédia para que a
gente veja com antecedência o que pode acontecer”, alegou.
Os discursos foram em tom de conciliação. De
esferas políticas distintas, Lula, Leite, Lira e Pacheco pregaram “união” e,
que nessa hora, diferenças ideológicas sejam esquecidas.
“As diferenças políticas têm que ficar longe
da polarização e da politização, disse Lira. Leite citou o slogan do governo
federal “União e reconstrução” para afirmar que esses ideias são ainda mais
necessários neste momento. “A reconstrução agora é concreta, é material”,
destacou.
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