Senado precisa rejeitar PEC da Anistia
O Globo
Proposta aprovada na Câmara livra partidos de
obrigações legais e contraria anseios do eleitorado
É missão do Senado rejeitar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia — ou então esquecê-la. Aprovada na Câmara, ela grava na Constituição mudanças na legislação que beneficiam o caixa dos partidos políticos em detrimento do eleitor. Mais grave, perdoa irregularidades cometidas nas últimas eleições e desfaz incentivos a candidaturas de minorias. “A PEC é um retrocesso de décadas em relação a regras que o próprio Congresso havia construído no plano das ações afirmativas”, diz o procurador Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção. As ONGs Transparência Internacional, Pacto pela Democracia e Movimento Transparência Partidária consideraram a PEC “um grave retrocesso para a sociedade civil, para o sistema partidário, para o Congresso Nacional e, consequentemente, para a democracia brasileira”.
Não houve debate adequado sobre os temas com
a sociedade, tampouco entre os próprios deputados. Em vez de coibir abusos, a
PEC dificulta a fiscalização. O texto aprovado reduz o financiamento a
candidaturas de negros, autoriza as legendas a usar o Fundo Partidário para
pagar multas eleitorais, as isenta de multas e juros acumulados por atraso nos
pagamentos, além de estender essa imunidade a todas as sanções a que foram
condenadas, inclusive as determinadas em processos de prestação de contas
anuais ou de eleições passadas. Apenas o partido Novo e o bloco PSOL-Rede
votaram contra esse despropósito. No fim, o amplo arco de alianças interessado
no perdão aos partidos somou 338 votos. Apenas 83 deputados votaram contra.
Para aumentar a representatividade no
Congresso, o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu em 2020 que partidos
políticos deveriam destinar a candidatos negros uma fatia proporcional dos
recursos do Fundo Partidário e do Fundo de Campanha. Se fossem 60% das
candidaturas, receberiam a mesma fatia do financiamento. Nas eleições de 2022,
a regra foi amplamente descumprida. Em vez dos 50% a que tinham direito, os
negros ficaram com 30%.
Para escapar das multas, partidos de todos os
matizes ideológicos passaram a apoiar a anistia. De acordo com a última versão
da PEC, caso o montante que deixou de ser aplicado em 2022 seja distribuído em
2026, 2028, 2030 e 2032, não haverá punição. Dado o histórico do Congresso, é
pouco provável que a impunidade tenha fim. “Considerando que, se aprovada, será
a quarta anistia, ninguém ficaria muito surpreso se viesse outra no início da
próxima década”, diz Guilherme France, gerente da Transparência Internacional.
O texto aprovado ainda diminuiu o percentual
de recursos destinado a candidaturas de negros, estabelecendo 30% “nas
circunstâncias que melhor atendam aos interesses e estratégias partidárias”. As
mulheres, para as quais as campanhas também destinaram menos que o exigido,
acabaram retiradas da PEC diante da pressão.
Apesar desse avanço, é escandalosa a
tentativa da Câmara de reduzir o apoio a candidaturas de minorias, promover
anistias e diminuir a transparência na prestação de contas. O anseio do
eleitorado é o oposto. Pesquisas de opinião reforçam o repúdio aos políticos
que legislam em causa própria. A sociedade tem demonstrado repetidas vezes
apoiar o aumento da representatividade de negros e mulheres nas várias esferas.
A tarefa de resgatar esses valores do ataque representado pela PEC da Anistia
está agora nas mãos do Senado.
Só ação federal na segurança poderá deter
avanço do Comando Vermelho
O Globo
Organização criminosa de traficantes está
presente em 21 das 27 unidades da Federação
No vácuo deixado pelo fracasso das políticas
de segurança pública de diferentes governos, a organização criminosa Comando
Vermelho (CV) se expandiu por praticamente todo o Brasil ao longo de mais de
quatro décadas. Surgida em 1979 dentro do antigo presídio da Ilha Grande, no
litoral fluminense, hoje está presente em 21 das 27 unidades da Federação (fica
atrás apenas da facção paulista PCC, que está em 25). Controla rotas do tráfico
internacional de drogas, disputa pontos de venda, achaca moradores e mantém em
alta os índices de violência,
como mostrou uma série de reportagens do GLOBO.
A grande vítima da expansão do crime é a
população. No Rio, a guerra deflagrada pelo CV para retomar territórios
perdidos para a milícia tem desencadeado batalhas sangrentas — a facção já
retomou 19 comunidades em 14 bairros. Desde janeiro do ano passado, 238 pessoas
foram assassinadas nesses confrontos, entre as quais pelo menos 26 inocentes
sem nenhuma relação com o crime. As disputas, que não têm data ou local para
acontecer, afetam o funcionamento de escolas, hospitais e transporte coletivo,
restringindo o direito de ir e vir.
Não se pode dizer que as forças de segurança
não estejam agindo. Ontem, as polícias Militar e Civil do Rio deflagraram uma
operação com cerca de 2 mil agentes em dez comunidades da Zona Oeste do Rio. A
princípio, não há prazo para desmobilizar as equipes. São ações necessárias,
mas não costumam produzir resultados significativos. Tão logo os policiais
saem, volta tudo ao que era antes. O controle nessas áreas não é mais do
Estado.
O próprio secretário de Segurança do Rio,
Victor Santos, reconhece as dificuldades. “O problema está na falta de
investigação qualificada para atacar aquilo que mais atinge as organizações
criminosas, a parte financeira”, diz. “Todos, sem exceção, buscam receita. É o
dinheiro que possibilita poder bélico e influência política.”
As polícias estaduais por si sós não dão
conta de facções que atuam por todo o país e até no exterior. O CV é apenas
uma. Estima-se que no Brasil existam pelo menos 70 agindo dentro e fora dos
presídios. Isso significa guerras constantes por disputa de território. É
essencial e urgente que o governo federal se integre aos estados para enfrentar
esses grupos mafiosos.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da
Segurança apresentada pelo ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, representa um passo adiante, ao prever ação federal no
combate ao crime organizado. Mas ela está ainda no plano das ideias e, mesmo
assim, já enfrenta resistências.
Não existe saída para combater organizações
criminosas como o CV que não seja o trabalho conjunto entre as forças federais
e estaduais. O país precisa de uma política de segurança pública nacional,
coordenada pela União. Não dá mais para fingir que as polícias estaduais
vencerão o desafio. Até hoje não conseguiram. Não é possível que a população
tenha apenas duas opções cruéis: ser dominada pela milícia ou pelo tráfico. O
Estado precisa reagir.
Endividamento volta a preocupar com juro
ainda alto
Valor Econômico
A suspeita é que, com o poder de compra reavivado após a limpeza dos passivos e os juros então com indicação de queda, os consumidores voltaram a fazer dívidas
Um sinal amarelo voltou a acender no painel
do endividamento dos brasileiros, mal encerrado o programa de renegociação dos
débitos das pessoas físicas, Desenrola Brasil. Alguns indicadores mostraram o
aumento do endividamento e do superendividamento, causando preocupação no
varejo e no setor financeiro. A suspeita é que, com o poder de compra reavivado
após a limpeza dos passivos e os juros então com indicação de queda, os
consumidores voltaram a fazer dívidas.
O programa Desenrola Brasil beneficiou cerca
de 15 milhões de pessoas, totalizando R$ 53,07 bilhões em dívidas renegociadas,
reduzindo a inadimplência especialmente da população mais vulnerável, segundo
balanço do Ministério da Fazenda. O governo disse que o número de beneficiados
superou a expectativa e argumentou que a negociação equivalente a 0,5% do
Produto Interno Bruto (PIB) não é de magnitude desprezível. O Desenrola
consumiu R$ 1,8 bilhão de recursos da União dos R$ 8 bilhões reservados para o
Fundo Garantidor de Operações (FGO) - para cada R$ 1 aportado pelo Tesouro no
programa, foram negociados R$ 25 em dívidas atrasadas.
A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência
do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo (CNC), porém, colhia números preocupantes. A Peic de maio constatou que
a parcela dos muito endividados subiu de 17,2% de abril para 17,8%, o maior
patamar desde os 18,1% de outubro de 2023. Aumentou também a fatia dos que têm
mais de 50% da renda comprometida com dívidas, os chamados “superendividados”,
de 20,7% para 20,8% entre abril e maio, o maior percentual desde os 21,1% de
fevereiro.
O receio é que os muito endividados e os
superendividados acabem ficando inadimplentes. A Peic de maio da CNC ainda não
apontou mudança no indicador de inadimplência. O percentual de endividados com
débitos em atraso se manteve em 28,6% entre abril e maio. Outros índices de
inadimplência também mostraram estabilidade em maio. O Banco Central (BC)
informou que a inadimplência média das operações de crédito entre as famílias
foi de 3,7% em maio, estável em comparação com abril. Mas o endividamento
acompanhado pelo BC também está em alta, após alguns meses em queda. O
endividamento das famílias situou-se em 47,9% em abril, com alta de 0,1 ponto
no mês. O comprometimento de renda atingiu 26,6% em abril, aumentando 0,4
ponto.
A favor dos endividados está o mercado de
trabalho aquecido, que sustenta a renda e a capacidade de pagamento - quadro
cuja manutenção depende da economia que, embora não esteja exuberante, vem
mantendo um ritmo até acima do esperado.
Do lado adverso está a taxa de juros, que
começou a cair em agosto, quando a Selic estava em 13,75%, mas estacionou em
10,50% em junho, sem perspectivas de nova queda. Há até quem preveja que a
Selic volte a subir no próximo ano, o que, se acontecer, tornará a situação dos
endividados ainda mais apertada e mais próximo o risco de a inadimplência
subir.
Com a defasagem do impacto da política
monetária no crédito, o custo do dinheiro ainda está em baixa no momento.
Segundo o BC, as taxas médias nas operações com pessoas físicas recuaram 0,2
ponto de abril para maio e 5,6 pontos em 12 meses, situando-se em 32,4% ao ano.
Mas, se a percepção de que o risco aumentou se confirmar, os juros do crédito
podem subir e a oferta escassear mesmo com a Selic estacionada.
Em maio, segundo constatou o BC, o quadro era
normal. As concessões de recursos estavam até mais generosas para pessoas
físicas do que para empresas. Somaram R$ 570 bilhões, com recuo de 1% no caso
das pessoas jurídicas e aumento de 2% no das famílias. No acumulado em 12
meses, o crescimento é de 6,3% e 10,5% respectivamente. O consignado e o
crédito imobiliário se somam às dívidas no cartão de crédito. Segundo a Peic, o
consignado representa um terço dos compromissos dos superendividados. Como são
linhas de longo prazo, ocupam por mais tempo a relação de compromissos das
famílias.
Ao comentar o risco de nova onda de
endividamento, o secretário de reformas econômicas do Ministério da Fazenda,
Marcos Pinto, apontou o elevado spread bancário como principal problema a ser
atacado - para ele, está muito acima da média mundial de 6 pontos. Não é por
outro motivo que os serviços bancários lideraram as operações de renegociação
do Desenrola, com R$ 11 bilhões, seguida pelas securitizadoras, com R$ 1,6
bilhão, comércio com R$ 1 bilhão e conta de luz, com R$ 501,2 milhões.
Segundo o BC, o spread bancário médio está no nível mais baixo desde julho de 2022, em 18,85 pontos em maio. O recuo é resultado não só do decréscimo da Selic, mas também da composição das linhas de crédito, com maior participação das com mais garantias, mas também de mudanças estruturais como o cadastro positivo, o open finance e o novo marco legal de garantias (Valor 15/7). Maiores reduções do spread dependem do comportamento da Selic e de eventuais reflexos da reforma tributária sobre o consumo.
Atentado contra Trump eleva tensão e
incerteza
Folha de S. Paulo
Em meio a teorias conspiratórias e uso
político do crime, é um imperativo global que a calma retorne às eleições nos
EUA
O histórico de violência política dos Estados
Unidos, país que nasceu e vive sob o signo das armas de fogo, ganhou
um novo e temerário capítulo no sábado (13), quando o ex-presidente Donald Trump foi
alvo de uma tentativa de assassinato.
A bala disparada durante comício na
Pensilvânia raspou-lhe a orelha e deu ao republicano, que busca voltar à Casa
Branca, uma fotografia poderosa: com o rosto sangrando, punho erguido e a
bandeira dos EUA tremulando ao fundo.
Admiradores do candidato viram nela a
repetição da clássica imagem dos fuzileiros navais americanos levantando o
estandarte nacional na ilha de Iwo Jima, tomada dos japoneses em 1945
—esquecem, porém, que tal fotografia fora uma encenação do hasteamento original,
usada depois como propaganda.
Não se insinua isso sobre o atentado, embora
as redes sociais estejam coalhadas de teorias conspiratórias. A condenação da
violência tem de ser firme e inequívoca, quem quer que seja o seu alvo.
Isso dito, há que se considerar a contribuição do populismo desabrido de Trump
para o acirramento do clima político nos EUA e a corrosão institucional da
principal democracia do mundo.
O republicano trabalha o conflito como forma
de ação política. Sua derrota em 2020 para o democrata Joe Biden,
que cambaleia para manter a candidatura neste ano, foi uma rejeição momentânea
a este modus operandi, não o seu fim.
Some-se isso a uma política de armas que
permite que um fuzil AR-15 como o usado no ataque por Thomas Mattew Crooks,
cujas motivações ainda são incógnitas, seja facilmente encontrado em lojas, e a
receita do desastre está dada.
A culpa não é só de Trump. Ainda que seja
insensata a acusação de que Biden ajudou a provocar o crime por dizer que o
republicano ameaça a democracia, a polarização interessa aos dois lados.
É imperativo que se acalmem os ânimos, devido
ao impacto global do que ocorre nos EUA. A Europa vive uma onda de violência
política: o premiê trumpista da Eslováquia sobreviveu a um ataque a tiros; sua
colega progressista da Dinamarca foi agredida na rua.
No Brasil, o atentado já foi assimilado pela
guerra cultural entre bolsonaristas e petistas. O entrelaçamento narrativo das
trajetórias de Trump e Jair
Bolsonaro (PL) já era fato com a
ascensão e queda deles —o 6 de janeiro de Washington e o 8 de janeiro em Brasília.
Agora, os tiros remetem à facada levada pelo
brasileiro na campanha de 2018. Os episódios são diversos, mas o resultado é o
risco de criação de um mártir político. Trump já vestiu tal manto, o que torna
a missão de apaziguamento proposta por Biden mais difícil, e o caminho até
novembro, incerto.
Saque ao Orçamento
Folha de S. Paulo
"Donos do poder" ampliam captura do
Estado, com bilhões de reais em privilégios
Casta mais saliente no processo de captura do
Estado por estamentos do setor público, o Poder Judiciário constitui apenas
parte dos grupos de interesse organizados que vêm se apropriando do Orçamento
com altos salários e vantagens ao longo dos últimos anos.
Ao lado de juízes, também os militares,
congressistas e até advogados públicos têm empreendido uma verdadeira corrida
para ultrapassar o teto constitucional de R$ 44.008,52, equivalente hoje aos
proventos dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Minuciosa radiografia sobre o tema, que acaba
de ser publicada pelo doutor em direito Bruno Carazza, expõe como o
desenvolvimento do Brasil aprofundou o saque ao Orçamento pelos poderosos.
Em "O
País dos Privilégios: Os Novos e Velhos Donos do Poder", Carraza
atualiza o clássico "Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político
Brasileiro", publicado em 1953 pelo jurista Raymundo Faoro (1925-2003), e
esmiúça os caminhos pelos quais essas categorias obtêm rendimentos elevados e
bancados por toda a sociedade.
No Judiciário, o autor contabiliza R$ 40
bilhões pagos em penduricalhos acima do teto nos últimos seis anos. Já os
advogados públicos embolsaram R$ 8,5 bilhões ao tomarem para si os chamados
honorários de sucumbência —parcela de 10% a 20% do valor de uma ação paga ao
advogado vitorioso, e que antes ficava com o Estado.
Dos recursos bilionários do Orçamento
apropriados por parlamentares em emendas controversas a aposentadorias polpudas
pagas a militares e a seus herdeiros. Os exemplos são abundantes.
Perante o atual quadro de ruína fiscal, a
providência mais urgente seria recuperar a validade do teto no serviço público.
Para isso, bastaria um posicionamento do STF que considere os
penduricalhos do Judiciário não como indenizatórios, mas
remuneratórios.
Seria preciso também, nos três níveis de Poder, uma estrutura de carreiras o mais unificada possível. Nela, o ideal seriam salários de entrada mais baixos, que só chegariam ao topo após avaliações de desempenho, qualificação e métricas de entregas para a sociedade.
A pergunta que não quer calar
O Estado de S. Paulo
Como disse o economista Mansueto Almeida, o
mercado quer saber como governo pretende pôr em prática o prometido ajuste
fiscal. Rever cadastros de benefícios sociais não será suficiente
Depois de semanas em que investiu toda sua
verve contra o mercado financeiro, levando o dólar a superar a marca de R$
5,70, o presidente Lula da Silva finalmente recuou e voltou a afirmar que não
seria irresponsável na área fiscal. Foi o suficiente para levar o câmbio a
níveis um pouco mais civilizados, entre R$ 5,40 e R$ 5,50, mas longe dos R$
4,90 registrados no início do ano, medida das incertezas criadas pelo próprio
governo.
Há, no Executivo, quem não compreenda as
razões pelas quais a instabilidade ainda não foi plenamente debelada, sobretudo
após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter reiterado que o arcabouço será
preservado a qualquer custo e anunciado um corte de quase R$ 26 bilhões em
despesas do Orçamento do ano que vem.
Para o mercado, no entanto, palavras são de
pouca valia se não forem convertidas em ações efetivas, e é isso que todos os
investidores querem saber neste momento. “Os economistas dizem que foi boa a
mensagem, mas se perguntam: como é que o governo vai fazer isso?”, disse o
economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
A declaração de Mansueto resume o tamanho do
desafio do governo neste momento. E não se pode alegar que o economista não
saiba do que está falando. Como ex-secretário do Tesouro Nacional nos governos
de Michel Temer e Jair Bolsonaro, Mansueto conhece, como poucos, a dinâmica das
contas públicas, a rigidez do Orçamento e o tamanho dos gastos obrigatórios.
“É muito difícil mensurar o quanto se
consegue economizar com revisão de cadastro irregular de benefícios sociais. E
os programas que têm um impacto muito grande têm regras. Então, se não mudar
regras, é muito difícil saber exatamente quanto vai economizar”, afirmou o
economista.
Como Mansueto bem observou, desde abril,
quando o governo alterou as metas fiscais de 2025 e de 2026, nem a ala política
do Executivo nem o presidente da República falam da importância de cumprir o
teto de gastos – ao contrário. O que se vê é uma desqualificação prévia de toda
e qualquer tentativa de colocar ordem nas contas públicas.
Iniciativas que ousem tocar na dinâmica das
principais despesas do governo são imediatamente rechaçadas, algumas delas pelo
próprio presidente, como foi o caso da desvinculação do salário mínimo dos
benefícios assistenciais e das mudanças propostas nos pisos constitucionais de
saúde e educação.
Como disse Mansueto, não existe ajuste fiscal
pelo lado da despesa sem mexer em cinco áreas – Previdência Social, Assistência
Social, saúde, educação e trabalho. E ainda que o avanço exponencial de
despesas como Benefício de Prestação Continuada (BPC), seguro-desemprego, abono
salarial, auxílio-doença e seguro-defeso nos últimos anos sugira a existência
de fraudes, essas áreas ainda são tratadas como intocáveis pelos petistas.
O que se sabe é que o governo mantém sua
aposta nas receitas, estratégia que ignora a resistência do Congresso a medidas
que elevem a arrecadação. O Executivo ainda não chegou a um acordo com o Senado
para cobrir a desoneração da folha de 17 setores e de municípios, mas não
parece nada preocupado, pois conta com o cumprimento da decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) segundo a qual a reoneração será retomada de maneira
imediata se não houver a adoção de medidas compensatórias.
Recuperar a confiança perdida requer do
governo clareza e transparência sobre o que pretende cortar – e,
principalmente, sobre como pretende cortar. Como disse Mansueto Almeida, o
ajuste fiscal é sempre uma decisão política que vai muito além da boa vontade
da equipe econômica.
Operações do tipo pente-fino para rever
benefícios irregulares não podem ser chamadas de ajuste, mas mera obrigação de
qualquer governo minimamente zeloso com o dinheiro do contribuinte, o que
lamentavelmente não parece ser o caso. Quem clama por responsabilidade fiscal
não torce contra o governo, mas tampouco compra gato por lebre e quer ver as
promessas que têm sido feitas nas últimas semanas se materializarem de fato
para voltar a ver o País com bons olhos.
‘Rachadinha orçamentária’
O Estado de S. Paulo
Emendas de bancada têm uma finalidade muito
específica. Mas, nas mãos de parlamentares ávidos por mais recursos públicos em
ano eleitoral, viraram extensões das emendas individuais
O chamado fundo eleitoral, que nem sequer
deveria existir, está orçado em inacreditáveis R$ 4,9 bilhões para cobrir os
gastos dos partidos políticos com a promoção de seus candidatos a prefeito e
vereador nas eleições de 2024. Esse vultoso montante de recursos públicos,
contudo, não parece suficiente para deputados e senadores que são candidatos ou
apoiam aliados nos municípios que compõem as suas bases políticas. São muitas
as artimanhas a que os congressistas têm recorrido para se assenhorar de um quinhão
cada vez maior do Orçamento da União a fim de turbinar candidaturas de seu
interesse, entre outras finalidades inconfessáveis.
Além do famigerado orçamento secreto e das
“emendas Pix”, práticas espúrias reveladas por este jornal, e das próprias
emendas de comissão e individuais a que cada parlamentar tem direito, o Estadão publicou
há poucos dias como as emendas de bancada passaram a ser divididas em “cotas
individuais” entre deputados e senadores de um mesmo Estado, o que configura
uma completa desvirtuação desse tipo de disposição de recursos orçamentários
por membros do Poder Legislativo. De tão banalizada, essa divisão, totalmente
irregular, passou a ser chamada de “rachadinha orçamentária” nos corredores do
Congresso.
De acordo com o art. 47 da Resolução n.º 1 do
Congresso, de 2006, as emendas de bancada se destinam ao financiamento de
“projeto de grande vulto, conforme definido na lei do plano plurianual”, e
“projeto estruturante, (...) especificando-se o seu objeto e sua localização”.
Para apresentar essas emendas, as bancadas dos Estados devem, necessariamente,
“identificar de forma precisa o seu objeto, vedada a designação genérica de
programação que possa contemplar obras distintas ou possam resultar, na execução,
em transferências voluntárias, convênios ou similares para mais de um ente
federativo ou entidade privada”, entre outros requisitos (inciso II do mesmo
dispositivo).
Todos esses critérios objetivos, redigidos em
português cristalino e em vigor há quase 20 anos, têm sido olimpicamente
ignorados pelos congressistas, que estão mais interessados em fazer prevalecer
os seus interesses eleitorais particulares do que em respeitar a lei. Os
recursos reservados para as emendas de bancada não apenas têm sido despendidos
em desacordo com a Resolução n.º 1/2006, como ao abrigo de qualquer escrutínio
público sobre os fins a que se destinam, o que autoriza suspeita de que podem estar
sendo usados para favorecer financeiramente alguns candidatos em detrimento de
outros.
As emendas de bancada, orçadas em R$ 11,2
bilhões neste ano, fizeram crescer os olhos de deputados e senadores
virtualmente insaciáveis no que concerne ao poder acumulado nos últimos anos
sobre a destinação de recursos do Orçamento da União. Ao invés de privilegiar o
desenvolvimento geral de seus Estados, contribuindo para o bem-estar geral de
toda a população, optam por dividir a alocação desses recursos em pequenas
frações por municípios governados por familiares ou aliados.
“É muito mais interessante, para o
parlamentar, fazer a aplicação dos recursos (das emendas de bancada) de forma
pulverizada, de forma a beneficiar vários municípios”, disse ao Estadão o
cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da consultoria Arko
Advice. “Dessa forma”, concluiu o analista, “o congressista pode atender vários
prefeitos simultaneamente.” Diante desse quadro distorcido por interesses
paroquiais, não surpreende que alguns municípios de um determinado Estado
carente de tudo sejam ricos, enquanto outros, sem bons padrinhos, fiquem à
míngua. Ao fim e ao cabo, é o conjunto da população que sai perdendo.
Convém lembrar, por fim, que a Constituição
fixou no rol dos objetivos fundamentais da República a garantia do
desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e a
redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3.º, incisos II e III). Não
há a menor dúvida de que, fossem mais bem empregadas, as emendas de bancada
exerceriam um papel relevantíssimo na consecução desses objetivos
civilizatórios.
Empreendedor por falta de opção
O Estado de S. Paulo
Pesquisa da FGV mostra que maioria dos
trabalhadores autônomos preferiria carteira assinada
Levantamento do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) constatou que mais da metade dos
autônomos que abriram firma (54,6%) e passaram a trabalhar com CNPJ preferiria
ter vínculo trabalhista a ser prestadores de serviços. Entre os informais (sem
CNPJ), a vontade de ter carteira assinada é ainda maior e atinge 72,1% dos
entrevistados. As respostas ao questionário da Sondagem do Mercado de Trabalho
corroboram o que já estava intuído: ser microempreendedor no Brasil, na maior
parte das vezes, não é uma questão de opção, mas da falta de alternativa.
Reportagem recente do Estadão mostrou casos
de pessoas que, depois de perderem empregos formais, apostaram em negócios
próprios, mantidos na própria residência, e no registro como MEI
(microempreendedor individual) como alternativa para permanecerem ativos no
mercado de trabalho. Na média, sete em cada dez autônomos (67,7%), formais e
informais, gostariam de migrar para a formalidade com carteira de trabalho para
manter direitos trabalhistas e a previsibilidade de um salário mensal fixo.
Pesquisa relativamente nova, criada em 2022,
a sondagem tem como principais objetivos aprofundar o conhecimento sobre o
mercado de trabalho, atualmente em grande transformação, e antecipar
tendências. O ideal é que bases de dados como esta ajudem a elaborar novas
propostas de políticas públicas. Para além da medição regular de quesitos como
desocupação, renda, desalento e formalização, as questões qualitativas, como a
segurança da renda, a satisfação com o trabalho e as perspectivas para o futuro
são também periodicamente verificadas.
Aprovada em 2017, durante o governo Temer, a
reforma trabalhista teve o mérito de facilitar as relações entre empregados e
empregadores e dar maior flexibilidade a um mercado engessado, no qual
informalidade e desemprego avançavam de forma alarmante. Quando Lula da Silva
assumiu seu terceiro mandato, no ano passado, falava-se em revogação da reforma
que, entre outras medidas, retirou a obrigatoriedade da taxa de contribuição
sindical. Por sorte, reações contra a anulação pretendida pelo PT impediram o plano
de seguir adiante.
Revisar relações de trabalho e, de tempos em
tempos, corrigir distorções e atualizar leis é salutar num mercado em contínua
transformação ditada, principalmente, pela evolução tecnológica. Com coerência
e foco é preciso garantir questões fundamentais, como a elevação da
produtividade do trabalho aliada à garantia de proteção trabalhista. Sem
conseguir avançar em questões específicas, como a regulamentação do trabalho
por aplicativo, o governo dá mostras de que está perdido.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a taxa de desemprego do trimestre encerrado em maio foi de 7,1%, com 7,8 milhões de desempregados e mais de 100 milhões de ocupados. O emprego formal cresceu, mas o contingente de autônomos disparou. É preciso pensar nos impactos que esse fenômeno vai representar no futuro próximo para preservar a economia, o mercado de trabalho e, claro, a Previdência.
Um recado para as democracias
Correio Braziliense
O atentado contra Donald Trump, no último
sábado, serve de alerta para todo o mundo sobre os riscos da extrema
polarização política
A imagem de Donald Trump com o rosto
ensanguentado e o punho em riste conclamando os apoiadores para a luta logo
após sofrer um atentado ganhou o mundo. Entrou para a iconografia americana,
sendo, inclusive, comparada à histórica imagem de fuzileiros navais hasteando a
bandeira estadunidense na ilha de Iwo Jima, uma fortaleza japonesa, na Segunda
Guerra Mundial. No imaginário coletivo, também está sendo confrontada com a
imagem atual do adversário Joe Biden — cresce a percepção de que o democrata
não tem mais vigor físico e cognitivo para seguir na Presidência. É cedo para
afirmar os impactos do episódio do último sábado nas eleições de novembro,
dizem especialistas. Mas é certo, desde agora, que o que aconteceu no comício
na Pensilvânia serve de alerta para todo o mundo sobre os riscos da extrema
polarização política.
Líderes foram enfáticos nesse ponto ao
repudiar a tentativa de assassinato sofrida pelo candidato republicano
que tenta voltar à Casa Branca. Segundo o presidente francês, Emmanuel Macron,
trata-se de uma "tragédia para as democracias". O primeiro-ministro
britânico, Keir Starmer, disse que "a violência política, em qualquer
forma, não tem lugar em nossas sociedades". Ao ser questionado se o
atentado poderia favorecer candidaturas da extrema-direita, o presidente
brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, respondeu não saber, mas ter certeza de
que o episódio "empobrece a democracia".
Declarações com conhecimento de causa. Em
2016, uma semana antes do Brexit, o referendo para a saída do Reino Unido da
União Europeia, a parlamentar trabalhista pró-europeia Jo Cox foi morta a tiros
e facadas por um agressor de extrema-direita. Uma França bastante polarizada
acaba de finalizar as eleições legislativas marcadas por campanhas violentas —
incluindo agressões físicas a candidatos e apoiadores dos diferentes polos. E o
Brasil começa as eleições municipais sob uma forte polarização política há pelo
menos uma década, quando Dilma Rousseff foi reeleita para a Presidência, e a
expectativa de que os próximos resultados das urnas vão desenhar a disputa de
2026.
O processo da volta de Lula à Presidência em
2022 demonstra o quanto a violência política e eleitoral tem crescido no país.
Pesquisa das organizações de direitos humanos Justiça Global e Terra de
Direitos mostra que os dois meses que antecederam o primeiro turno daquele
pleito registraram quase o mesmo número de episódios de violência política e
eleitoral do que os sete primeiros meses de 2022. Entre 1º de agosto e 2 de
outubro, ocorreram, em média, dois casos de violência política por dia. Até
2018, uma pessoa era vítima a cada oito dias, a partir de 2019 o período médio
entre um registro e outro caiu para 48 horas.
A arraigada desigualdade social, a prática disseminada de corrupção e a forte sensação de insegurança estão entre os fatores que têm levado os brasileiros a se identificarem com os discursos radicais. Em outros países, pesam questões como imigração, repressão a movimentos populares e acesso facilitado às armas. Quaisquer que sejam os motivos, ataca-se diretamente o diálogo, um dos pilares da democracia, sempre que divergências políticas são resolvidas à bala ou com qualquer outro tipo de violência. Não faltam relatos e imagens também históricos atestando as consequências desse perigoso caminho.
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