Segurança e meio ambiente são desafios olímpicos
O Globo
Olimpíada de Paris quer afastar o espectro
dos atentados e deixar como legado o Sena despoluído
Com 10.500 atletas de 204 países (e a equipe
de refugiados), a Olimpíada de Paris, que
começa oficialmente amanhã, terá na segurança e no meio ambiente seus maiores
desafios. Segurança porque, pela primeira vez, a cerimônia de abertura será
realizada fora de um estádio, às margens do Rio Sena, demandando ações mais
complexas, além da tarefa óbvia de proteger o público. Meio ambiente porque
apenas duas construções foram erguidas do zero — o novo centro aquático e a
Vila Olímpica, que ficarão como legado na região deteriorada de Saint-Denis.
De resto, num esforço de sustentabilidade, toda a Olimpíada será realizada em instalações já existentes ou temporárias. Em iniciativa ousada, os organizadores decidiram levar as provas de triatlo e maratona aquática para as águas do próprio Sena, onde o banho estava proibido havia um século.
A cerimônia de abertura, que deverá reunir
cerca de 500 mil pessoas, traz preocupações pertinentes numa cidade que ainda
guarda cicatrizes recentes de atentados terroristas. Não se pode dizer que
Paris não tenha se preparado. O ministro do Interior, Gérald Darmanin, informou
que mais de 3.500 credenciados foram barrados por representarem ameaça à
segurança. Suspeitos de planejar atos violentos têm sido presos nos últimos
dias. Como é praxe nesses megaeventos, as forças de segurança francesas
receberam reforços de outros países que já patrulham a cidade. É verdade que
a França preparou
um plano B para a festa de abertura no Trocadéro ou no Stade de France, mas o
próprio presidente Emmanuel
Macron disse que usará o plano A.
Para levar a cabo a missão de despoluir o
Sena — um dos principais compromissos da cidade com o Comitê Olímpico
Internacional —, foi investido € 1,4 bilhão (cerca de R$ 8,5 bilhões). Uma
estrutura subterrânea com 34 metros de profundidade e 50 metros de largura foi
construída para armazenar, depois enviar às estações de tratamento as águas que
extravasam para o rio em tempos de chuva. Além disso, mais de 20 mil
residências foram conectadas às redes de esgoto.
Os organizadores garantem que a qualidade da
água do rio melhorou, mas tudo dependerá do tempo, uma vez que chuvas fortes
podem aumentar a sujeira. Para desespero dos organizadores, há previsão de
chuva para o período dos Jogos. Com o objetivo de convencer os céticos, a
prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e o presidente do Comitê Organizador, Tony
Estanguet, chegaram a mergulhar no Sena. Macron prometeu o mesmo, mas até ontem
não cumprira a promessa.
Ainda que nos próximos dias as condições de
balneabilidade não permitam as provas ou forcem seu adiamento, é louvável o
esforço de Paris para despoluir um de seus patrimônios. Esforço que o Rio, sede
dos Jogos de 2016, deixou escorrer pelos dedos. Embora a Olimpíada carioca
tenha deixado legados importantes, como a revitalização da Zona Portuária, a
Linha 4 do metrô (Ipanema-Barra) e os BRTs, a anunciada despoluição da Baía de
Guanabara e das lagoas da Barra foi o principal fiasco olímpico. Na França, a
limpeza do Sena é encarada como um dos principais legados. Prevê-se que, em
2025, já será possível nadar em trechos do rio.
A despeito das apostas de risco da Olimpíada
de Paris, espera-se que tudo saia como planejado, para o bem do esporte, do
espírito olímpico e de bilhões de espectadores no mundo inteiro.
Renegociação da concessão de estradas precisa
evitar o populismo tarifário
O Globo
É necessário encontrar modelo que equilibre
os interesses dos usuários, do governo e das concessionárias
Desde a primeira concessão de rodovia
federal, a Presidente Dutra, que liga Rio a São Paulo, em 1995, o poder público
ainda não conseguiu estabelecer regras estáveis para manter a iniciativa
privada no negócio. Agora, o Ministério dos Transportes prepara-se para
renegociar metade dos contratos, com 14 concessionárias, responsáveis pela
administração de 27 trechos de estradas. É uma oportunidade para chegar a um
modelo que atenda ao mesmo tempo aos interesses do usuário, com melhorias nas
estradas, do governo federal, que pode economizar ou destinar mais recursos a
outras despesas, e dos concessionários, que precisam de retorno financeiro em
troca dos investimentos. As variáveis dessa equação têm de ser bem definidas.
Já existe experiência suficiente no Brasil
para que os acordos de concessão beneficiem todos os envolvidos. A lição mais
recente vem do período anterior de governos do PT, quando foi privilegiada nas
licitações a oferta de tarifas baixas de pedágio. O populismo tarifário,
saudado à época como conquista, inviabilizou vários contratos.
O roteiro da nova rodada de renegociações
começa com a decisão da concessionária de manter o contrato. Confirmado o
interesse, os termos são discutidos e encaminhados à área de conciliação do
Tribunal de Contas da União (TCU). Depois, o governo oferece a rodovia em
leilão, nos mesmo termos aprovados pelo TCU, para que não haja questionamento
sobre favorecimento à atual operadora. A secretária de Transporte Rodoviário,
Viviane Esse, destaca que o projeto ofertado em leilão não dependerá de
litígio, pois todas as pendências já terão sido resolvidas. Está previsto que o
concessionário ofereça tarifa de pedágio menor que a de outros leilões em
andamento.
Para evitar repetir erros já cometidos,
prevê-se uma espécie de degrau tarifário, permitindo aumentos de tarifas à
medida que sejam entregues as obras iniciadas quando o acordo for assinado. Por
constarem de contratos antigos, essas obras já contam com projeto e
licenciamento aprovados.
É importante que a nova rodada de
renegociações dê certo. Não apenas porque há estradas inseguras à espera de
melhorias, mas também porque há mais de 20 novos trechos com licitação em
andamento e outros 40 a ser leiloados até o final do ano, representando
investimentos de R$ 80 bilhões, segundo o assessor especial para Programa de
Parcerias de Investimentos, da Casa Civil, Alexandre Carneiro.
No final do ano passado, uma pesquisa da
Confederação Nacional dos Transportes (CNT) constatou que os 26 mil quilômetros
de rodovias administradas em regime de concessão se deterioravam, incluindo
algumas rodovias estaduais. De 2022 para 2023, os 5% de trechos considerados
“ruins” ou “péssimos” se mantiveram estáveis, mas os “regulares” passaram de
25,8% a 31,5%, enquanto os “ótimos” caíram de 27,6% a 21,8%. De acordo com a
CNT, os índices negativos se devem às rodovias federais. Agora, com a
repactuação de contratos, há a expectativa de que trafegar nessas estradas
deixe de ser uma aposta na sorte.
Dólar deve dar trégua, mas alimentos
pressionam IPCA
Valor Econômico
Com o IPCA cheio de maio e junho bem comportado, abaixo das previsões, ainda não há motivos para que o BC mude os sinais da política monetária
A desvalorização do real diante do dólar
tende a se atenuar e a ameaça de uma inflação influenciada pela alta de preços
importados sobre o IPCA não deve ser um risco relevante, diminuindo as chances
de que a política monetária, já apertada, tenha de ser ainda mais dura no curto
prazo. O Comitê de Política Monetária, em sua próxima reunião, no início da
semana que vem, não deverá mover os juros, ainda que os preços de alimentos e
energia possam emitir um sinal de alerta.
O índice de commodities do Banco Central
indica pressões razoáveis a caminho. Apenas em junho, produtos agrícolas
aumentaram 6,29% e, no ano, 17,1%. Commodities metálicas, como alumínio, zinco,
ferro e cobre, subiram 30% em seis meses e 23,2% no trimestre encerrado em
junho. Petróleo e energia avançaram 17,9% no ano e 6% em junho. O peso conjunto
destes aumentos se concentrará nos bens industriais, cuja evolução até agora se
situa abaixo da meta de inflação, e nos alimentos, que tem empurrado o IPCA para
cima nas últimas medições.
O IPCA em junho, na taxa acumulada em 12
meses, evoluiu para 4,23%. Os analistas privados, no boletim Focus do Banco
Central, voltaram a elevar as projeções para o ano, de 4,05% e subindo. Nos
próximos meses, o IPCA deve se aproximar do teto da meta, porque a inflação de
julho e agosto de 2023 foi baixa, e a média trimestral do IPCA agora é superior
à de 2023 - a média trimestral até junho foi de 1,05% e a de junho do ano
anterior, 0,76%.
A boa notícia é que a inflação de serviços, a
mais resistente à queda, vem cedendo. Em 12 meses até junho, foi de 4,49%,
ainda assim, incompatível com a meta de inflação. Os serviços, porém, são muito
menos afetados pela variação do dólar do que os bens industriais, que, por seu
lado, apresentam variação muito comportada até agora. Até maio, o índice de
preços ao produtor variou 0,17% em 12 meses, ou seja, perto de zero.
O desempenho da economia no segundo trimestre
foi animador, com estimativas em alta. O Ibre/FGV, por exemplo, revisou sua
projeção de 0,5% para 0,7% para o período, com alta para a indústria de
transformação e serviços. O Monitor do PIB, da mesma instituição, apontou a
continuidade de boa performance em maio, o que torna possível um crescimento da
economia acima dos 2,1% estimados pelo Focus. Os impulsos vêm tanto do consumo
das famílias, com o aumento do emprego e da massa salarial, como dos investimentos,
que apresentam expansão mesmo com a taxa de juros ainda em nível muito alto.
O Banco Central acredita que a interrupção da
redução dos juros, com a manutenção da taxa Selic em 10,5%, é capaz de levar a
inflação para perto da meta em 2025 (3,1%), uma aposta não bancada pelo
mercado, que antevê 3,9%, com os juros deslizando gradualmente para 9,5% ao fim
de 2025. Mas há espaço para várias surpresas - o avanço de 14,7% no dólar ante
o real no ano foi uma delas. As críticas do presidente Lula à política
monetária do Banco Central, e os sinais emitidos pelo presidente de que a
política fiscal continuaria expansionista e em desacordo com a meta do novo
regime fiscal potencializaram o movimento de alta global da moeda americana.
No que depende da inflação importada, ou
seja, da variação do dólar, é possível prever que novas altas expressivas não
deverão ocorrer a curto prazo - e muito menos quedas abruptas. A previsão de
espaço para a valorização do real, corrente no início do ano, ficou no passado.
A troca do presidente Joe Biden provavelmente pela vice Kamala Harris na
eleição americana, tornando os democratas mais competitivos, conteve um pouco o
avanço da moeda americana. A decisão do governo brasileiro de bloquear e contingenciar
R$ 15 bilhões no orçamento mostrou disposição de agir para cumprir a meta
fiscal, um sinal que, mesmo sob desconfiança, suaviza as expectativas de que a
piora das contas era inexorável.
A economia ganhou bom ritmo e, apesar dos
juros altos, o crescimento deverá ultrapassar com folga 2%, o que coloca
obstáculos para que a inflação decline mais rapidamente para 3%. Os estímulos
fiscais e parafiscais, assim como o reajuste do salário mínimo acima da
inflação, adicionam dinamismo para as atividades e crédito que os juros altos,
por si só, não são suficientes para conter. De qualquer forma, o IPCA deverá
ficar dentro do intervalo de tolerância da meta, caso o BC resolva manter a
Selic onde está.
Não há motivos no momento para elevá-la, caso o intervalo de tempo para que o BC atinja a meta seja maior, como a autoridade monetária vem fazendo e como se tornará praxe a partir do ano que vem, com a entrada em vigor da meta contínua - que obrigará uma ação enérgica caso o IPCA fique acima da meta por seis meses consecutivos. Na mais recente reunião do Copom, houve debate sobre se o balanço de riscos havia se tornado assimétrico, inclinado favoravelmente a mais inflação, mas o comitê resolveu manter os riscos equilibrados. Com o IPCA cheio de maio e junho bem comportado, abaixo das previsões, ainda não há motivos para que o BC mude os sinais da política monetária.
Polarização cria falso juízo sobre
evangélicos
Folha de S. Paulo
Datafolha mostra que estereótipo extremista
do bolsonarismo atribuído a frequentadores de igrejas está longe da realidade
Nossos cérebros funcionam por meio de
operações mentais de categorização e generalização. Se é isso que nos permite
navegar por um mundo incerto, buscando regularidades, também está aí a origem
de nossos preconceitos.
Acrescente-se uma dose de polarização
política e temos a receita para formar o estereótipo do evangélico bolsonarista
que apoia as bandeiras extremistas do ex-presidente, quando não as define.
Pesquisa Datafolha realizada
no final de junho com 613 eleitores paulistanos que se declaram evangélicos
mostra que esse quadro está longe da realidade.
Um exemplo é o homeschooling, pauta do
bolsonarismo supostamente escolhida para contentar o público evangélico. Pela
sondagem, 77% dos
entrevistados são contrários à educação domiciliar.
Fenômeno análogo se repete em outros tópicos.
A maioria (66%) é contra a posse de armas para autodefesa; favorável ao
acolhimento de gays e pessoas trans nas igrejas (86%); e três de cada quatro
fiéis acham que a escola deve abordar a educação
sexual.
Os evangélicos paulistanos se aproximam do
ideário bolsonarista na questão da união homossexual (57% são contra) e
do aborto (só
21% apoiam ampliação das hipóteses legais que o permitem).
Sobre este último tema, contudo, há
sutilezas. Apesar da rejeição à interrupção voluntária da gravidez, a maioria
(53%) é contrária a processar penalmente e encarcerar mulheres que abortam.
Tal tendência foi verificada recentemente na
forte rejeição popular, por evangélicos ou não, ao insensato
projeto de lei que agrava penas para quem aborta —inclusive
mulheres e meninas que foram vítimas de estupro.
A pesquisa mostra ainda que os evangélicos se
pautam por motivações bastante terrenas.
Contrariando o estereótipo ascético, 55% atribuem importância máxima à religião
para a busca ou manutenção de uma parceria amorosa; 58% dizem o
mesmo sobre amizades; e 71% em relação a planos profissionais e vida
financeira.
Se a salvação eterna prometida aos fiéis é um
assunto para os religiosos, interações sociais significativas e ajuda em
momentos de dificuldade são produtos que os templos de fato entregam. Quase 50%
dos fiéis dizem já ter sido atendidos por algum projeto social de sua igreja.
Não é possível modificar o mecanismo mental
humano que favorece o surgimento de estereótipos e preconceitos. Mas, cientes
de que padecemos dessa vulnerabilidade, é factível duvidar dos juízos
definitivos a que chegamos sem o respaldo em dados. A realidade é quase sempre
mais complexa do que sugerem nossas intuições.
Arapongagem bolsonarista
Folha de S. Paulo
Investigação da PF revela como ex-presidente
usou o Estado para seus fins
São escandalosos os indícios colhidos
pela Polícia
Federal durante a Operação Última Milha, cujo objetivo consiste
em investigar a existência de uma "Abin paralela"
criada por Jair
Bolsonaro (PL).
De acordo com as apurações, parte da Agência
Brasileira de Inteligência se transformou em espécie de guarda pretoriana,
voltada não às demandas do Estado nacional, e sim aos interesses particulares
do ex-presidente e de sua família.
Pelo que se sabe, a estrutura espúria manteve
operações de 2019 a 2022, período em que a agência ficou sob comando de Alexandre
Ramagem, hoje pré-candidato do PL à Prefeitura do Rio de
Janeiro.
Tal qual os serviços secretos das
ditaduras, o núcleo
clandestino de Bolsonaro teria espionado políticos em cargos
relevantes, integrantes do Supremo Tribunal Federal, representantes da
sociedade civil e membros da imprensa.
Os esforços do ex-presidente, no entanto,
foram além da simples arapongagem —o que já não seria pouca coisa. Um áudio
obtido pela PF mostra que Bolsonaro mobilizou setores do Estado para tentar
blindar seu filho Flávio no chamado
caso das rachadinhas.
Feita por Ramagem, a gravação
capta uma reunião realizada em agosto de 2020 e da qual
participaram ele, o ex-presidente, o general Augusto Heleno (então
ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional) e duas advogadas de
Flávio, senador pelo PL-RJ.
Na conversa, Bolsonaro se prontificou a
conversar com os chefes da Receita e do Serpro (empresa estatal que detém os
dados do Fisco), com a finalidade de encontrar meios de anular as investigações
sobre suposto desvio de salário de funcionários da Assembleia Legislativa do
Rio à época em que Flávio era deputado estadual.
Dito e feito. Como reportagens desta Folha revelaram,
servidores da Receita atuaram em prol desse fim nada republicano e o próprio
secretário do órgão foi à casa de Flávio cuidar do assunto.
Para além das eventuais consequências penais que a Justiça possa determinar, o episódio evidencia, mais uma vez, que Bolsonaro jamais compreendeu a importância do palácio em que morou.
A Sabesp no caminho certo
O Estado de S. Paulo
Mantidas sob controle estatal, empresas de
saneamento não tiveram condições de acelerar a universalização de seus
serviços. A privatização, se bem feita, como no caso da Sabesp, é a solução
O governo do Estado de São Paulo concluiu o
processo de privatização da Sabesp, vendendo 32% das ações da empresa, das
50,3% que detinha, por um total de R$ 14,8 bilhões. Foi a maior oferta de ações
da história do setor do saneamento. Trata-se de um marco simbólico e alentador
diante dos desafios da infraestrutura nacional, em especial do saneamento.
Nas duas últimas décadas, a média anual de
investimentos em infraestrutura foi de 2%. O resultado é um baixo estoque de
capital, cerca de 35% do PIB, quando uma estrutura modernizada, ou seja, que
garanta acesso universal aos serviços, exigiria algo em torno de 60%. Segundo
estimativas da consultoria Inter.B, especializada no setor, o País precisaria
investir nas próximas duas décadas entre 3,6% e 4% do PIB ao ano para atingir
esta meta. Mas no último triênio a taxa de investimentos foi ainda menor que a
média histórica, 1,83%.
O Brasil é um dos países mais desiguais do
mundo, e nada expõe mais essa desigualdade que o acesso ao saneamento básico:
quase 100 milhões de brasileiros não têm rede de esgoto e mais 35 milhões não
têm água tratada. Tal tragédia humanitária não é uma consequência natural da
realidade socioeconômica do Brasil – o saneamento no País está bem abaixo da
média de outros países de renda média-alta e mesmo de renda média.
Diferentemente de outros setores – como
energia, telecomunicações e, em alguma medida, transportes – que foram
transformados por reformas que abriram os mercados nos anos 90, o saneamento
permaneceu por mais de duas décadas sob o monopólio estatal, à mercê da captura
clientelista. O Marco do Saneamento de 2020 foi o passo mais importante para
reverter esse quadro, definindo metas para a universalização, obrigando a
licitação para a escolha de prestadores, garantindo mais segurança jurídica à
privatização das companhias estaduais e conferindo à Agência Nacional de Águas
e Saneamento Básico (ANA) o papel de padronizar a regulação e a fiscalização
dos serviços.
Desde então, os investimentos no setor
cresceram 20%. Ainda assim, será preciso acelerar, e muito, para atingir a meta
de universalização em 2033. Segundo a Associação e Sindicato Nacional das
Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), mantido
o ritmo dos últimos cinco anos, a meta só seria alcançada em 2089.
Hoje, nenhuma empresa estatal tem condições
de cumprir a meta do Marco. Mesmo quando não há captura por interesses
privados. Primeiro, porque essas empresas não têm capital, e as restrições
fiscais não permitem aos governos ampliar investimentos. Depois, porque,
estando submetidas ao direito público, tampouco têm a flexibilidade necessária
para captar recursos e fazer parcerias em bases competitivas.
A Sabesp é uma das empresas mais eficientes
do setor e São Paulo tem uma cobertura bem acima da média nacional. Esse
resultado foi possível porque nos últimos anos a empresa abriu seu capital,
ingressou no mercado e estabeleceu parcerias público-privadas. Ainda assim,
precisará de mais capital financeiro e humano para atingir a meta.
A privatização não diminui a importância do
papel do Estado, que mantém a sua função de regular, fazer bons contratos e
fiscalizá-los. O Estado de São Paulo ainda será acionista da empresa e, segundo
estimativas conservadoras, se a companhia se valorizar quatro vezes em 20 anos,
seu patrimônio aumentará em 60%.
Na vanguarda do atraso, o PT e seus asseclas
tentaram de todas as formas barrar a privatização: perderam nas ruas, no
Legislativo e no Judiciário. Agora, a crítica é de que a empresa foi vendida a
preço de banana. Mas é uma crítica puramente ideológica. O preço de uma estatal
nunca será igual ao de uma empresa privada. O mais importante é que a Sabesp
será capaz de antecipar a entrega da universalização antes da meta.
O fato incontestável é que o Brasil é carente
de infraestrutura, e o Estado não tem condições de satisfazer essa carência. O
processo de desestatização da Sabesp mostra que, com boas condições e segurança
jurídica, esses recursos podem vir do setor privado.
Vivendo perigosamente
O Estado de S. Paulo
Ao formalizar o contingenciamento de
despesas, governo Lula demonstra que não persegue o centro da meta fiscal e
sinaliza que sua estratégia é fazer o mínimo para cumprir o objetivo
No início do ano passado, logo após
patrocinar um aumento de gastos de R$ 168 bilhões por meio da emenda
constitucional da transição, o governo Lula da Silva definiu que a meta fiscal
de 2024 seria zero. Era uma tentativa de mostrar que a recomposição do
Orçamento pós-Bolsonaro era uma política necessária, mas pontual, e que essa
não seria a regra adotada nos anos seguintes. Assim nasceu o arcabouço fiscal.
Diferentemente do rígido teto de gastos, o
arcabouço foi desenhado para acomodar eventuais imprevistos que ocorram na
administração das contas públicas. Por isso, estabeleceu-se que a meta teria
uma banda de flutuação de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) para cima e
para baixo. A regra permitiu que um déficit de até R$ 28,8 bilhões, para fins
de apuração da meta, fosse considerado um resultado positivo.
O dever, no entanto, sempre foi o de
perseguir o centro da meta, não seu limite inferior. Mas o governo parece ter
decidido viver perigosamente, transformando o piso na meta em si, estratégia
que acaba com a margem de segurança caso haja frustração de receitas – o que,
por culpa das projeções otimistas do governo, de fato tem ocorrido. É o que se
deduz de declarações recentes do presidente Lula da Silva e dos técnicos da
Fazenda e do Planejamento.
Na segunda-feira, Lula disse a
correspondentes estrangeiros que o governo pretende bloquear gastos “sempre que
precisar”, o que parecia uma declaração forte vinda de um presidente para quem
toda despesa é um investimento. Mas, no mesmo dia, técnicos da equipe econômica
mostraram, na prática, o real significado das palavras do presidente.
À tarde, o governo divulgou o Relatório
Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas e atualizou a previsão de
déficit do ano. A projeção mais que dobrou na passagem do segundo para o
terceiro bimestre, de R$ 14,2 bilhões para R$ 32,6 bilhões – acima, portanto,
da meta e de seu limite inferior. O rombo aumentou nas duas pontas, tanto pelo
lado das despesas, que superaram as estimativas do governo, quanto pelo lado
das receitas, que foram menores do que o esperado.
Mas o contingenciamento – obrigatório quando
há frustração na arrecadação – foi de apenas R$ 3,8 bilhões, o mínimo
necessário para se enquadrar no intervalo de tolerância sem descumprir a Lei de
Responsabilidade Fiscal. “Qualquer resultado dentro da banda significa sim o
cumprimento da meta, ainda que seja no limite da banda”, disse o secretário do
Tesouro Nacional, Rogério Ceron.
A questão é que a arrecadação não tem tido um
comportamento ruim neste ano. O governo antecipou que suas receitas tiveram
alta real – acima da inflação, portanto – de 11,02% em junho ante o mesmo mês
de 2023 e de 9,08% no semestre contra os seis primeiros meses do ano passado.
Ainda assim, a previsão inicial com a qual o governo trabalhava era R$ 6,4
bilhões maior, o que sugere, no mínimo, um otimismo exagerado.
Ora, se o objetivo era sinalizar que o centro
da meta seria efetivamente perseguido, o contingenciamento de despesas teria de
ter sido bem maior do que os R$ 3,8 bilhões anunciados. Antecipar o
detalhamento sobre como esses bloqueios serão materializados nas despesas
discricionárias também poderia ter trazido alguma confiança aos investidores.
Bloquear despesas “sempre que for preciso”,
como disse Lula da Silva aos correspondentes estrangeiros, não é o mesmo que
congelar o mínimo necessário para garantir o cumprimento da meta. Mas o governo
ainda parece jogar com as palavras e ganhar tempo até a divulgação do próximo
relatório bimestral em vez de anunciar ações que demonstrem que seu compromisso
fiscal é real e factível.
Como mostrou o Broadcast, trata-se de uma estratégia frágil e conveniente de conduzir a política fiscal, e que, por óbvio, não tem passado despercebida. O Tribunal de Contas da União (TCU) já havia feito um alerta sobre o perigo dessa prática em junho, recado que foi reforçado pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal (Conorf). O que está em jogo não é somente o cumprimento da meta deste ano, mas o vigor do arcabouço fiscal e a credibilidade do governo.
É para isso que serve o BNDES
O Estado de S. Paulo
Expansão do Instituto Butantan é o tipo de
projeto que merece financiamento público
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) anunciou crédito de R$ 386 milhões para a construção de uma
nova planta de biotecnologia do Instituto Butantan, um dos maiores fabricantes
mundiais de imunizantes, de acordo com critérios da Organização Mundial da
Saúde (OMS). Muitas vezes justamente criticado por oferecer crédito subsidiado
a empresas que nem sequer deveriam receber financiamento de um banco público de
fomento, o BNDES acerta ao fortalecer a centenária instituição paulista, uma
vez que a pandemia de covid-19 escancarou os limites das cadeias globais de
produção de imunizantes. Destaque-se ainda que as mudanças climáticas têm
provocado surtos cada vez mais frequentes de doenças virais.
O Butantan, bem como a Fiocruz, teve papel
fundamental, durante a mais recente pandemia global, na busca por uma vacina
que interrompesse a escalada brutal de mortes, enfrentando desafios não só no
terreno científico, mas também no campo político – a vacina do Butantan, convém
recordar, foi menosprezada pelos negacionistas, incentivados pelo governo de
Jair Bolsonaro.
Atualmente, também com apoio do BNDES, o
Butantan trabalha no desenvolvimento de um aguardado imunizante contra a
dengue, doença viral que viu uma explosão de casos em 2024. Segundo dados do
Ministério da Saúde sobre as arboviroses (doenças virais transmitidas por mosquitos,
por exemplo), os casos da enfermidade no País já ultrapassam 6 milhões, com
4.744 óbitos confirmados.
Além do surto de dengue, atribuído às
mudanças climáticas, o País também assiste ao avanço da febre oropouche, que já
ultrapassa 7 mil casos neste ano – o Ministério da Saúde investiga a
possibilidade de 3 mortes causadas pela doença. Ou seja, há uma significativa
demanda para pesquisa e produção de imunizantes.
Prevista para entrar em operação em janeiro
de 2029, a nova unidade do Butantan será construída no complexo que já abriga o
instituto. O objetivo é ampliar a capacidade de produção de novos imunizantes e
das vacinas contra a influenza, bem como realizar estudos para o
desenvolvimento de medicamentos para o tratamento de doenças como câncer,
artrite reumatoide, lúpus, esclerose múltipla, psoríase e doença de Crohn.
É digno de nota que o BNDES esteja realizando política de financiamento público que, ao mesmo tempo, fortalece uma instituição fundamental para a sociedade brasileira e, por extensão, combate o obscurantismo ao promover a inovação. Este é o verdadeiro papel de um banco público: financiar segmentos que, embora de importância vital para o país, não são exatamente foco da iniciativa privada. Que o BNDES continue firme nesse caminho, pois o Brasil precisa direcionar seus recursos públicos para objetivos de evidente interesse nacional, como é o caso da ciência e da produção de vacinas e remédios, e não despejar dinheiro em projetos megalomaníacos que só favorecem “campeões nacionais” ou ditadores companheiros.
Crise climática é urgência política
Correio Braziliense
Qualquer líder ou pretendente político que
desconsidere a crise ambiental precisa despertar ao menos um incômodo entre
seus eleitores. Como têm feito as temperaturas extremas
O 21 de julho de 2024 entra para a história
por ao menos dois acontecimentos: a desistência de Joe Biden em concorrer à
reeleição dos Estados Unidos, causando uma reviravolta na disputa pela Casa
Branca, e o anúncio de que tivemos o domingo mais quente já registrado na Terra
nos últimos 84 anos, deixando ainda mais evidente que a urgência climática é
pauta prioritária na agenda global. A sincronia deve seguir: qualquer líder ou
pretendente político que desconsidere a crise ambiental precisa despertar ao
menos um incômodo entre seus eleitores. Como têm feito as temperaturas
extremas.
Segundo o Serviço de Mudanças Climáticas
Copernicus (C3S), da União Europeia, no último domingo, a temperatura média
global foi de 17,09ºC, superando em 0,01ºC o recorde anterior, em 6 de julho de
2023. Em menos de 24 horas, o limite foi ultrapassado novamente: 17,15ºC, na
segunda-feira. Surpreende os estudiosos essa grande diferença entre os
sucessivos aumentos de temperatura nos últimos 13 meses e o cenário anterior de
recordes — antes de julho de 2023, a mais alta temperatura média global diária
foi de 16,8°C, em 13 de agosto de 2016.
Ao Correio, o geólogo Marco Moraes, autor do
livro Planeta Hostil, alerta para o fato de que essa divergência nos
termômetros preocupa porque 2016 enfrentou justamente o El Niño mais forte em
50 anos. O de agora é considerado "enfraquecido" desde o início do
ano. Para Moraes, a sequência de temperaturas recordes em 2024 é "um sinal
praticamente exclusivo do aquecimento global" em curso, e não de efeitos
de fenômenos temporários.
No Brasil, este inverno deve ter 3ºC acima da
média, prevê o Climatempo. As mais de mil cidades em condição de seca extrema e
severa, o equivalente 20% dos municípios brasileiros, segundo dados do Centro
de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), evidenciam o
tamanho do problema que, como pontua, também ao Correio, o biólogo Paulo
Jubilut, divulgador científico da Aprova Total, precisa ser enfrentado com
implementação de políticas ambientais eficazes, transição para fontes de
energias renováveis e conservação de florestas.
Trump, que tirou os EUA do Acordo de Paris
quando presidente, tem como uma das principais promessas de campanha aumentar
as perfurações de petróleo e gás, consideradas energias poluentes. E ele não é
o único líder a desmerecer os sinais da crise climática, apesar de a população
parecer estar mais atenta à necessidade de enfrentar a questão.
Levantamento divulgado em junho pelo Programa
de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud) revela que 80% da população global
apoia que seus governos adotem medidas mais rigorosas contra a crise climática.
A taxa do Brasil é maior do que a média global: 85%. A dos Estados Unidos,
menor: 66%.
Tal como os norte-americanos, os brasileiros
estão em ano de eleição. Estar atento a prefeitos sensíveis à urgência
ambiental também faz parte de um movimento de engajamento internacional a favor
do clima. Temas corriqueiros das campanhas municipais, como a melhora do
transporte público e a criação de bairros, precisam conter discussões que
contemplem a pauta ambiental — o estímulo à mobilidade alternativa e à
preservação de áreas verdes, por exemplo. volume00:00/00:00correiobrazilienseTruvid
Vem do Rio Grande do Sul a prova de outra
cobrança que é imprescindível por parte do eleitorado: a apresentação de um
plano estruturado de contingência de eventos extremos. Presenciamos cenas em
terras gaúchas inimagináveis e que, alerta o Copérnico, poderão ser superadas.
O mundo entra, cada vez mais, em um "território desconhecido".
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