Valor Econômico
Austeridade fiscal passou longe dos discursos de campanha, e nem sequer foi apresentado uma versão final do plano de governo, para evitar polêmicas
Luiz Inácio Lula da Silva acertou em cheio quando chamou de cretinos os jornalistas de miolo-mole que mentem descaradamente ao dizer que os dólar sobe toda vez que ele abre a boca. O presidente deveria ter dito que correlação não implica em causalidade, para ensinar uma lição a esses ignorantes. Mesmo com indícios fortes, pessoas sensatas e sofisticadas sabem que é uma temeridade fazer esse tipo de alegação. Afinal, quando Lula fala, a única coisa que acontece é que o mundo se abre, se ilumina e se esclarece, como já decretou a filósofa. Simples assim. O dólar não sobe. Nunca.
Esses descuidados têm que procurar outros
culpados pelo “ruído interno”. Investiguem, façam o seu trabalho, como já
recomendou, com bastante assertividade, o ministro Fernando Haddad numa
coletiva de imprensa. Vão ver se Jair Bolsonaro não está incomodando cetáceos,
já que é bem conhecido o poder das baleias comedoras de sardinhas nos mercados
mais líquidos do mundo. Elon Musk também pode estar por trás desse ataque
especulativo contra o real, afinal ele não é dono do mercado global e espacial
de câmbio, conhecido como ForeX? As viagens de centenas de autoridades dos três
poderes e seus séquitos para o festivais político-judiciais em Portugal são
outra possibilidade. Imaginem o efeito dessa multidão na ponta compradora?
O mais provável, no entanto, é que a
desvalorização do real tenha sido mais um efeito da mudança climática, que
causou do fogo no Pantanal às enchentes do Rio Grande do Sul, segundo os
especialistas, que isentaram o governo de qualquer responsabilidade por esses
desastres ambientais. Bobagem? É uma explicação muita mais plausível do que as
relações impróprias e descabidas entre as falas do presidente e a
desvalorização do real - que ontem, por um acaso, teve o pior desempenho entre
33 moedas mais líquidas acompanhadas pelo Valor.
Quando Lula diz que quer “fazer ajuste fiscal
na rentabilidade de banqueiro que ganha dinheiro especulando todo dia na bolsa”
trata-se unicamente de uma constatação dos fatos. Especula-se demais nestas
terras, de swaps cambiais reversos ao jogo do tigrinho. É preciso acabar com
essa sem-vergonhice, mas, claro, sem perder a ternura jamais, de maneira
empática e inclusiva.
Por isso, cretino foi muito bem empregado
pelo presidente para classificar os bandos de abestalhados que andam por aí a
falar bobagens sobre o governo, o câmbio, os juros, a política fiscal, o
resultado primário ou nominal, enfim, todas essas abstrações da contabilidade
pública sobre as quais os desmiolados não têm a mínima condição dar pitacos.
Nelson Rodrigues já havia alertado. Os idiotas, uma espécie de primos dos
cretinos, vão dominar o mundo. Não pela capacidade, mas pela quantidade.
O desabafo mais que justificado do presidente
é tão apropriado que torna-se inevitável usá-lo numa acepção mais abrangente.
Assim, são cretinos os que acreditaram que ele iria, no seu terceiro mandato,
fazer uma administração sóbria e manter os gastos sob controle. Austeridade
fiscal passou longe dos discursos de campanha, e nem sequer foi apresentado uma
versão final do plano de governo, para evitar polêmicas, disseram. Então, os
sonsos acreditaram no que quiseram.
Sabemos hoje que basicamente o programa
consiste em arrecadar mais e gastar mais ainda. Viajar pelo mundo também é
essencial para a costura de uma cooperação internacional que visa taxar os
super-ricos e acabar com a fome. Além disso, é cansativo ficar neste país mais
que três meses seguidos sem uma turnê global para refrescar a cabeça e fugir do
cretinismo que grassa pelos trópicos como o mosquito da dengue. Como dizia o
compositor carioca, a caminho de Paris, bye-bye, Brasil, porque ninguém é de
ferro. A gente aqui, na falta de um Royal Salute, vai tomando uma cachaça do
pecado, em breve com imposto majorado, para segurar esse rojão.
O presidente, que não prometeu nada além de
picanha e cervejinha, pegou o cheque especial em branco que lhe deram e está
gastando por conta. Aprendam: educação e saúde são investimentos, não despesas
(contadores, tomem nota), e o salário mínimo vai continuar subindo como se não
houvesse amanhã nem arcabouço fiscal, para que o povo fique gordo e bonitão.
São especialmente cretinos aqueles que
achavam que Lula não ia se meter na governança das empresas estatais,
semiestatais, paraestatais e privadas. Pode não ter dado certo antes, agora
pode ser que dê, Lula e o povo, numa pessoa só, errando de novo. Só algum parvo
neoliberal meritocrata não se emocionaria com essa apoteose da democracia.
Por isso, empreendedores, executivos e
gestores, da Faria Lima ou da padaria da esquina, parem de pensar por um minuto
no lucro e na exploração das classes trabalhadoras. As empresas brasileiras têm
que se subordinar aos desígnios do governo para que alcancemos a justiça social
e fiscal. Parem de reclamar, façam fila, peguem a senha e aguardem as
diretrizes das mentes brilhantes de Brasília, que entendem muito mais que vocês
desse negócio de gerar, administrar e distribuir riqueza.
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