Folha de S. Paulo
Patrick Deneen, amigo acadêmico de J.D.
Vance, defende 'populismo aristocrático' como novo regime da era pós-liberal
Amigo e espécie de guru de J.D.
Vance, indicado por Trump para
concorrer como vice-presidente, o professor católico Patrick Deneen lançou em
2018 o livro "Por
que o Liberalismo Fracassou" (Âyiné). Entre elogios e críticas, a
obra obteve boa acolhida nos meios acadêmicos e na mídia, com direito a uma
recomendação do ex-presidente Barack Obama,
que destacou seu interesse para o entendimento dos atuais dilemas da democracia
liberal.
No ano passado, Deneen, que dá aula na Universidade de Notre Dame, publicou uma continuação propositiva do livro. Intitula-se "Regime Change: Toward a Postliberal Future" (Mudança de regime: rumo a um futuro pós-liberal).
Na nova empreitada, ele defende que a
conturbada aparição do populismo na cena política abre caminho para uma mudança
maior e mais profunda. Nos EUA, o
movimento teria sido, em seu entendimento, uma reação
à crise de governos e elites liberais, que estariam experimentando seu
ocaso inelutável.
Na perspectiva de Deneen, o
liberalismo é uma vertente ideológica situada num período histórico e
não o sistema final da evolução política –o que se poderia equivocadamente
inferir da longevidade em relação aos grandes rivais do século 20, o socialismo
e o fascismo.
O professor sustenta que na era
pós-liberal, que estaria batendo à porta, seria preciso substituir a atual
classe dirigente por uma aristocracia comprometida com os interesses dos
"muitos", num sistema de "governo misto", de solidariedade
de classes, capaz de reconectar laços comunitários, familiares e religiosos,
além do sentido de nação.
Esse "aristopopulismo" ou
"conservadorismo do bem comum", como Deneen classifica o novo regime,
pressupõe a adesão, como protagonista, da classe trabalhadora, cujas aspirações
teriam sido abandonadas tanto pelas elites liberais tradicionais quanto pelas
pós-modernas progressistas.
No fundo, ambas, à direita ou à esquerda,
compartilhariam o mesmo temor pelo povo, e por isso mesmo sempre tentaram
impedir que uma força popular autônoma se lançasse na disputa pelo poder com um
partido de tipo trabalhista. Uma das propostas do professor, aliás, é
justamente a criação desse partido, multicultural e multirracial, da classe
trabalhadora.
O esgotamento do liberalismo seria, portanto,
decorrência de falhas das duas alas. Na clássica, as dificuldades residiriam
nas promessas de igualdade de direitos em contraste com uma realidade
econômica instável e iníqua, na qual a noção de individualismo
meritocrático e a divisão das pessoas entre vencedores e perdedores seriam
fontes para o acúmulo de frustrações e ressentimentos.
As coisas não seriam melhores no outro campo,
que passou a privilegiar questões de raça e gênero em sua agenda de luta por
direitos e liberdades. Nos dois lados, a proeminência da ideia de progresso
como promessa de um futuro melhor se revelaria, na prática, um fator permanente
de desestabilização e perda de referências.
O aristopopulismo de Deneen mescla traços de
propostas que poderiam ser vistas como de esquerda com o ideário político,
cultural e moral conservador, no qual religião, família, redes comunitárias e
nação são fundamentais.
O que o livro não explica, como
críticos já apontaram, é de
que maneira tudo isso poderia ser feito.
Caso Trump e seu possível herdeiro, o senador
J.D. Vance, venham a triunfar na eleição, quem sabe surja alguma pista.
Esperemos que não.
Nenhum comentário:
Postar um comentário