sábado, 26 de outubro de 2024

Luiz Gonzaga Belluzzo - O Prêmio Nobel de 2024

O poder da finança cairia bem nas incursões dos vencedores pelos labirintos do poder e do progresso

Prêmio Nobel concedido a ­Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson consagrou o trabalho dos três economistas na identificação dos processos socioeconômicos que impulsionam o progresso das nações.

No livro Poder e Progresso: Nossa Luta de Mil Anos por Tecnologia e Prosperidade, Acemoglu e Johnson enfrentam as complexidades das relações entre progresso tecnológico e democracia.

“…As primeiras esperanças de democratização digital foram frustradas porque o mundo da tecnologia colocou seu esforço onde estão o dinheiro e o poder – com a censura do governo. É, portanto, um caminho específico – um caminho sorrateiro – escolhido pela comunidade de tecnologia que intensifica a coleta e a vigilância de dados.

Infelizmente, o caminho atual da mídia social alimentada por IA parece quase tão pernicioso para a democracia e os direitos humanos quanto a censura de cima para baixo na Internet. A parábola do clipe de papel é uma ferramenta favorita de cientistas da computação e filósofos para enfatizar os perigos que a IA ­superinteligente representará se seus objetivos não estiverem perfeitamente alinhados com os da humanidade.”

Acemoglu e Johnson adotam uma perspectiva institucionalista para observar as relações entre Poder e Progresso. Essa abordagem escapa dos determinismos da economia dominante e busca acolhida nas ações coletivas cujos resultados nem sempre correspondem às intenções.

As redes sociais, dizem eles, prometidas como o espaço do movimento livre de ideias e as opiniões, transformaram-se num calabouço policialesco em que a crítica é substituída pela vigilância. A vigilância exige convicções esféricas, maciças, impenetráveis, perfeitas. A vigilância deve adquirir aquela solidez própria da turba enfurecida, disposta ao linchamento. Não se trata de compreender o outro, mas de vigiá-lo.

As incursões dos autores nos labirintos do Poder e do Progresso trouxeram-me à memória o economista norte-americano Thornstein Veblen, um dos pioneiros da abordagem institucionalista. Para ­Veblen, perspectivas que se desenhavam nos albores da economia industrial moderna despertaram a esperança do aumento do tempo livre desfrutado de forma enriquecedora por indivíduos autônomos.

Essa utopia foi desmentida pela evolução real das sociedades industriais e pós-industriais (como querem alguns). Ao observar o nascimento do capitalismo da grande empresa e do consumo de massa, Thornstein Veblen desafiou a sabedoria econômica convencional com a publicação do livro A Teoria da Classe Ociosa. Nessa obra clássica, Veblen ironizou as piedosas justificativas do enriquecimento obtido pelo exercício das virtudes da frugalidade e da poupança e apontou a diferenciação do consumo das classes abastadas e sua imitação pelas subalternas como um fator decisivo para o “progresso” das modernas sociedades industriais.

“Com exceção”, diz ele, “do instinto de autopreservação, a propensão à concorrência é provavelmente o mais forte e persistente dos motivos econômicos. Numa comunidade industrial, isso se exprime na concorrência pecuniária, isto é, em alguma forma de consumo conspícuo. As tendências para o desperdício conspícuo estão, portanto, prontas a absorver qualquer aumento da eficiência ou aumento industrial da comunidade, depois de supridas as necessidades físicas mais elementares.”

John Commons acompanhou ­Thornstein Veblen. Ben Seligman, em seu monumental livro Main ­Currents in ­Modern Economic Thought, reconstrói as trajetórias de Commons e Veblen. Nas páginas de Institutional ­Economics, ­Commons desenvolve os conceitos de transação e de acordos sobre o futuro. Para tanto, a sociedade capitalista constrói espaços de ação coletiva, a busca de regras aceitáveis para o encaminhamento dos acordos.

Commons estabelece uma contradição entre os princípios da indústria e as regras que guiam os negócios. Os negócios são os negócios do dinheiro e das finanças. Há diferença entre a propriedade de um bem físico e os direitos sobre um valor monetário. As duas formas revelam características opostas do direito de propriedade. No caso dos bens físicos, há transferência concreta da propriedade. No caso dos valores financeiros, o intercâmbio não exige a transferência efetiva do bem, mas da propriedade incorpórea, dos direitos representados pelas dívidas monetárias.

Quando os mercados assumem a hegemonia econômica, começam a surgir os mercados especulativos e as formas monopolistas de propriedade na indústria e nas finanças.

Em 1927, John Maynard Keynes escreveu uma carta para Commons: “Parece não haver outro economista com o qual eu esteja em acordo mais genuíno”.  

Publicado na edição n° 1334 de CartaCapital, em 30 de outubro de 2024.

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