sábado, 26 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Violência no Rio expõe política de segurança deficiente

O Globo

Enquanto não houver coordenação de governos federal e estaduais, crime organizado continuará a vencer

Não há como ficar indiferente às cenas de horror registradas na manhã de quinta-feira durante operação da Polícia Militar no Complexo de Israel, conjunto de favelas na Zona Norte do Rio, para reprimir o roubo de veículos e de carga. Os bandidos que dominam as comunidades reagiram de forma violenta, impondo caos e medo. Em meio à chuva de tiros, três inocentes morreram baleados a caminho do trabalho. Outros três ficaram feridos. Principal via do município, a Avenida Brasil, por onde circulam 200 mil veículos diariamente, teve de ser interrompida por duas horas. Escolas, unidades de saúde, estações de trem e BRT também precisaram ser fechadas.

Causaram perplexidade não apenas as imagens dramáticas de cidadãos deitados no asfalto, escondidos sob ônibus ou agachados. Chocou também o recuo da polícia ante a resistência dos bandidos. A PM reconheceu não esperar reação tão forte dos traficantes. A decisão de recuar para evitar mais mortes foi acertada, mas é inevitável constatar que as organizações criminosas estão mais bem preparadas e são mais ousadas que as forças de segurança. No Rio, bandidos fazem o que querem. Em comunidades como a Muzema, andam armados à luz do dia.

O que acontece no Rio se repete pelo país. O Estado brasileiro já não controla parte de seu território, sequestrado por organizações criminosas que, dotadas de armamento pesado, impõem às populações suas próprias leis. Não é acaso que a violência tenha dominado o debate eleitoral deste ano, nem que esteja entre as maiores preocupações dos brasileiros. É real a perspectiva de involuirmos para uma situação similar à de países como Colômbia, Peru ou México.

O problema está em todos os lugares. No dia 19, a Região Metropolitana de Florianópolis viveu momentos de pânico. Ruas foram interditadas por barricadas para impedir a passagem da polícia. Carros e ônibus foram incendiados — como se tornou comum em comunidades do Rio. Na Bahia, foi deflagrada nesta semana uma megaoperação policial para conter a onda de violência que fustiga Salvador e seu entorno. Em 24 horas, foram registradas 15 mortes. Das 50 cidades mais violentas do país, 12 estão na Bahia.

Está claro que os estados sozinhos não conseguem enfrentar facções armadas cuja atuação se dá em escala nacional ou internacional. A atuação das forças de segurança depende de circunstâncias locais, por isso deve ser responsabilidade dos estados. Mas o governo federal precisa assumir seu papel de coordenação para desarticular essas organizações criminosas.

Tudo o que fez até agora foi apresentar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança. Foi um acerto, por reconhecer a necessidade da atuação federal no enfrentamento de organizações criminosas e incrementar o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Mas não basta enviar uma PEC ao Congresso. A polícia não dispõe sequer de um sistema nacional unificado de boletins de ocorrência e informações sobre os criminosos.

Não podem existir dois países, um onde vigora a Constituição e outro onde vale a lei perversa do crime organizado. O Brasil vive uma situação grave na segurança, os governos até agora falharam em responder à angústia da população. O episódio do Rio expôs o tamanho do desafio. Ou o governo federal assume seu protagonismo em conjunto com os estados, ou a guerra continuará a ser perdida.

Apagão em SP traz motivos para fortalecer Aneel, não para esvaziá-la

O Globo

Agência intimou Enel em processo que pode levar à cassação da concessão — mas é essencial seguir trâmite formal

Três apagões na Região Metropolitana de São Paulo em menos de um ano puseram a concessão da italiana Enel sob risco, como determinam os contratos das concessionárias privadas de serviços públicos. Os blecautes — em novembro de 2023, março passado e agora em outubro — se estenderam por quase uma semana. No último, no sexto dia depois dos temporais que derrubaram a energia ainda havia 70 mil imóveis sem luz. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) encaminhou à empresa uma intimação relacionada à “reincidência quanto ao atendimento insatisfatório dos consumidores em situação de emergência”. O final do processo pode ser a recomendação ao governo federal para que casse a concessão da Enel. Mas é essencial seguir os trâmites. O pior que pode acontecer é o episódio servir de pretexto para o governo enfraquecer a regulação do setor.

Desta vez, é notável que, em vez da tradicional gritaria contra as privatizações, a gestão petista tenha decidido fazer pressão para trocar a diretoria da Aneel. Os atuais diretores foram nomeados no governo passado, e a agência não se tornará mais ágil nem mais eficiente se forem trocados por apadrinhados do PT. Também não faz sentido querer alterar o mandato deles para que passe a coincidir com a permanência do presidente de turno no Palácio do Planalto. Os mandatos não devem coincidir justamente para preservar a independência das agências reguladoras, de modo que possam tomar decisões técnicas, sem preocupações ou interferências políticas.

A longa tradição brasileira na produção e distribuição de energia criou gerações de especialistas e gestores competentes, capazes de recuperar a Aneel para ela cumprir com eficiência o trabalho de acompanhar o cumprimento dos contratos de concessão. Mas a agência tem sido esvaziada nos últimos anos, em razão de interesses políticos. Hoje tem apenas quatro diretores, com uma vaga aberta. Também enfrenta dificuldades financeiras devido ao corte de pessoal e ao contingenciamento dos recursos que recebe da Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica. De acordo com o diretor-geral Sandoval Feitosa, do R$ 1,4 bilhão arrecadado, apenas R$ 400 milhões ficam com a agência. “Nós só temos nove servidores dedicados a fiscalizar o serviço de distribuição de energia no Brasil. Somente nove”, disse ele.

É evidente que a escassez de recursos está relacionada às dificuldades de fiscalização, resultando no ambiente de leniência que incentiva os abusos da Enel. O necessário, portanto, não é enfraquecer ainda mais as agências, como pretende o governo, mas fortalecê-las, sem recair nos clichês ideológicos que culpam o modelo de privatização e de concessões. Nem o contribuinte paulista nem o Tesouro Nacional têm condições de arcar com os investimentos necessários à prestação de um serviço eficiente. O apagão não pode servir de revanche contra as privatizações no setor elétrico, necessárias para que o crescimento do país não esbarre amanhã na falta de energia.

Agências reguladoras sofrem ataque especulativo de Lula

Folha de S. Paulo

Gestão petista tem ideias para mudanças em autarquias, que favorecem intervencionismo; Congresso deve barrar retrocessos

A recente crise de abastecimento de energia elétrica na cidade de São Paulo, que expôs falhas de uma concessionária de serviço público, também serviu de pretexto para que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desencadeasse uma nova onda de pressão política contra as agências reguladoras.

Diferentes ideias, a maioria vinda de fontes anônimas, emanam da administração petista, que nunca aceitou o modelo de agências —autarquias que têm a incumbência de garantir decisões com solidez técnica e balancear interesses de sociedade, governo e empresas em áreas fundamentais para a produção e a prestação de serviços.

Fala-se em enviar projeto ao Congresso que poderá alterar a governança das entidades. A justificativa é avaliar o desempenho da gestão e a contenção da influência de interesses empresariais.

Não se disfarça, porém, o desejo de intervenção, com possível alteração de mandatos dos dirigentes para que coincidam com o calendário das eleições presidenciais, o que é um despautério. O interesse de um governo não necessariamente coincide com ações de Estado, que têm natureza de longo prazo.

Tampouco soa bem a eventual criação de uma instância superior às agências, já que o comando desse órgão coordenador provavelmente seria preenchido politicamente —o que derrubaria por terra o propósito essencial.

O risco é uma grave erosão da previsibilidade das regras que norteiam investimentos em áreas como energia, saneamentopetróleo, mineração, telecomunicações e transportes.

São justamente a autonomia em relação ao Executivo —ao qual cabe o direcionamento estratégico a partir dos ministérios— e a observância de normas técnicas que propiciam estabilidade para investimentos.

Algumas críticas ao funcionamento das agências são justificadas. Regulamentadas nos anos 1990, permitiram avanço notável em atração de investimentos e maior transparência decisória. Mas não está ainda consolidada a desejável solidez institucional.

A culpa em parte pode ser atribuída às entidades, mas o problema começa pelos próprios governos, que escolhem mal seus dirigentes, e pelo Congresso, que não cumpre seu papel de filtrar as indicações, muitas de caráter político. Também há sucateamento pela falta de verbas e por dezenas de cargos não preenchidos.

É obviamente correto salvaguardar o interesse público e garantir a blindagem ante interesses privados. Também se espera que a direção das autarquias seja avaliada por eficiência. É fundamental, contudo, que não haja intervencionismo de Brasília nos setores monitorados, como deseja o governo Lula.

Espera-se que não haja ambiente para tal retrocesso no Legislativo. Ainda assim, o ataque especulativo às agências em nada contribui para o fortalecimento da regulação, essencial para o crescimento de longo prazo.

Horizontes do clima se estreitam aquém de Belém

Folha de S. Paulo

ONU alerta que não se pode esperar até 2025, quando acontecerá a COP-30 no Pará, para agir contra o aquecimento global

Muito se discute sobre a possibilidade de sucesso, ou fracasso, da COP-30, cúpula do clima que acontecerá no próximo ano em Belém. Mas um senso de urgência mais adequado poria ênfase na COP-29, a menos de três semanas de iniciar-se em Baku, no Azerbaijão.

O ritmo de aquecimento da atmosfera não admite mais procrastinação e, pior, que de novo se adiem decisões. É o que alerta o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), para que a COP-30 logre produzir medidas compatíveis com a magnitude da crise climática.

Nem é preciso enumerar os eventos extremos a castigar populações, cuja frequência aumenta à vista de todos. Mais pertinente é assinalar que a confirmação de previsões dos modelos climatológicos tem sido incapaz de mudar a curva ascendente da temperatura média global.

Nada menos que 14 dos últimos 15 meses acusaram aquecimento igual ou superior a 1,5ºC no planeta, em comparação com níveis anteriores à industrialização do século 19. Esse limiar baliza a meta recomendada no Acordo de Paris (2015) —que admite aumento de até no máximo 2ºC.

Não é o suficiente, do ponto de vista estatístico, para proclamar descumprido o compromisso firmado na capital francesa. Entretanto a marcha das emissões mundiais de carbono indica que a janela de oportunidade está a fechar-se e que nem sequer o limite de 2ºC parece factível.

Para ficar em 1,5ºC, seria imprescindível cortar gases do efeito estufa em 42% até 2030. Em 2023, porém, as emissões subiram 1,3% ante 2022 —alta maior que a média entre 2010 e 2019 (0,8% ao ano), a sugerir que a poluição climática pode estar em aceleração após a pandemia.

A Agência Internacional de Energia destaca que a trajetória atual de emissões implicaria aquecimento de 2,4ºC. Outros especialistas calculam que, mesmo que se cumpram objetivos nacionais de descarbonização assumidos em Paris, estaria contratado um avanço de 2,6ºC a 2,8ºC.

A inércia governa a estrutura diplomática criada na ONU para enfrentar o problema, que iniciou negociações em 1992 no Rio. Nem mesmo as metas assumidas em Paris, 23 anos depois, estão sendo seguidas pelos signatários.

O setor de combustíveis fósseis se alvoroça para extrair o máximo de carvão, petróleo e gás natural antes da inviabilidade das reservas. A contradição também é representada pelo Brasil, que almeja sair de Belém como potência verde enquanto planeja poços petrolíferos a 540 km da vizinha foz do Amazonas.

Avenida Brasil

O Estado de S. Paulo

Dia de terror no Rio é o sintoma mais óbvio do despreparo do País para lidar com crime organizado. Hoje, nenhum cidadão daquela cidade pode cochilar no ônibus a caminho do trabalho

Foi mais do que uma pavorosa soma de medo e morte o intenso tiroteio no Complexo de Israel, conjunto de favelas na zona norte do Rio de Janeiro. O confronto entre criminosos e policiais, na manhã de anteontem, que matou três inocentes – um dos quais atingido por um tiro quando cochilava no ônibus que o levaria ao trabalho –, fez da Avenida Brasil um símbolo da falência do Estado brasileiro no enfrentamento do crime organizado.

Estavam ali todos os ingredientes de um roteiro tristemente conhecido: a demonstração de força dos bandidos, o despreparo da polícia escalada para combatê-los, uma operação montada de forma precipitada e realizada após pouca investigação, a fragilidade dos serviços de inteligência, a ausência de diálogo e coordenação com as polícias civil e federal e um complexo de favelas controlado por um traficante de altíssima periculosidade, que costuma matar sem piedade os inimigos ou quem ousa contrariá-lo.

Difícil imaginar desfecho muito diferente de uma tragédia adornada por mortos, feridos e pânico. A isto se somam as previsíveis declarações de autoridades ansiosas para se livrar da responsabilidade ou para negar a espantosa incompetência: enquanto o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), definia o tiroteio como um “ato de terrorismo” – expressão habitual a que se recorre quando se deseja justificar a inépcia governamental –, a Polícia Militar (PM) do Rio defendia a operação e seu resultado: “Não foi um erro, mas uma ação necessária”, sugeriu Claudia Moraes, tenente-coronel da PM.

De fato, foi uma ação necessária – mas repleta de erros. O Complexo de Israel inclui uma espécie de praia particular do tráfico de drogas no Rio, reúne cinco comunidades, é cercada de vias importantes, como a Avenida Brasil, a Linha Vermelha e a Rodovia Washington Luiz, e há muitos anos passou a ser controlada com mão de ferro por traficantes. Como em outras favelas cariocas, o crime organizado avança, ocupando e impedindo a presença do Estado. Combatê-lo é um imperativo. Ocorre que a operação, supostamente planejada previamente, se deparou com uma surpresa típica de quem a preparou de maneira ineficiente: as informações de inteligência não previram o nível de resistência e de resposta dos bandidos, expondo pessoas inocentes ao fogo cruzado de forma desnecessária. Como resumiu um especialista ao jornal O Globo, “cutucaram o vespeiro e viram que era pior do que se imaginava”.

Via que percorre 26 bairros e é vizinha de 70 favelas, a Avenida Brasil é um reconhecido terreno de perigo para os moradores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo levantamento do Instituto Fogo Cruzado, a principal via expressa da capital fluminense – pela qual poderão passar daqui a algumas semanas os chefes de Estado que participarão da cúpula do G-20 – exibe a espantosa média de um tiroteio a cada dois dias. O instituto registrou mais de 1.500 tiroteios nos últimos 8 anos, ou mais de 190 confrontos anuais – mais do que o dobro na comparação com a soma das outras duas principais vias expressas da cidade, a Linha Vermelha e a Linha Amarela. A organização considera casos ocorridos no entorno de até 100 metros da via.

Ou seja, a Avenida Brasil abre ou fecha conforme a vontade do crime organizado. E essa é apenas a face violenta do domínio que a bandidagem tem exercido sobre a vida cotidiana dos cidadãos, não só no Rio de Janeiro, mas em diversas outras partes do País. As máfias, as milícias e os narcotraficantes avançam também para ganhar poder político e econômico, como este jornal vem mostrando em diversas reportagens que retratam a evidente ofensiva desses criminosos para minar os meios institucionais de detê-los. O evidente despreparo da polícia fluminense no caso da Avenida Brasil é o sintoma mais óbvio do despreparo do País para lidar com a expansão do crime organizado de um modo geral. Hoje, no Rio de Janeiro, nenhum cidadão pode sequer cochilar no ônibus a caminho do trabalho.

O voluntarismo pós-apagão

O Estado de S. Paulo

Aprovado pela Câmara dos Deputados, projeto de lei que inclui municípios na fiscalização de distribuidoras de energia amplia a insegurança jurídica sem impedir que apagões voltem a ocorrer

Na semana passada, a Câmara aprovou um projeto de lei para incluir os municípios na fiscalização dos serviços de energia elétrica. Apresentada em abril deste ano, a proposta é do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), presidente nacional do MDB, e foi elaborada a pedido do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes.

Nunes, como todos aqueles que vivem na Região Metropolitana de São Paulo, ficou incomodado com a demora da Enel São Paulo em restabelecer a eletricidade após o apagão de novembro do ano passado. A lentidão da distribuidora se repetiu no blecaute ocorrido há duas semanas e serviu como um incentivo aos parlamentares para acelerar sua tramitação.

Em um dia, os deputados aprovaram um pedido de urgência e, já no dia seguinte, em votação virtual e simbólica, o projeto em si, que agora segue para apreciação do Senado. Trata-se de uma solução intempestiva, equivocada e inconstitucional para um problema que deveria ser tratado de forma técnica, mas que está contaminado pela demagogia.

Em primeiro lugar, há vício de iniciativa. Propostas que envolvam serviços públicos só podem ser apresentadas pelo Executivo, e não pelo Legislativo. Mas há mais problemas no texto a que os deputados deram aval.

O poder concedente – no caso, a União – já pode credenciar outros entes federativos a fiscalizar as distribuidoras. É o que já ocorre em São Paulo, Estado em que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tem um convênio com a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp).

Ceder essa competência, no entanto, depende de acordo e da vontade do poder concedente, e não dos entes federativos. O Legislativo não pode simplesmente obrigar a União a aceitá-los como parte fiscalizadora nem decidir que os convênios municipais, hoje inexistentes, devem prevalecer sobre os firmados com Estados, uma violação do pacto federativo.

O Legislativo tampouco pode mudar regras estabelecidas em contratos de concessão em vigor de um dia para o outro, como propõe o projeto ao fixar a compensação mínima a ser paga pelas distribuidoras aos consumidores que ficarem sem energia elétrica por mais de 24 horas. Audiências públicas em comissões temáticas teriam evitado tanta confusão que, ademais, pode gerar problemas em muitos outros setores cujos serviços são regulados pela Lei das Concessões (9.074/1995), como rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, entre outros.

O texto mais parece uma resposta política para isentar Nunes do ônus dos apagões em meio à campanha à reeleição. Uma vez reeleito, como indicam as pesquisas, é improvável que o prefeito tenha a intenção de colocá-lo em prática. Afinal, a medida exigiria desembolsos para seleção, contratação e treinamento de funcionários para aprenderem a atuar e a interpretar as complexas leis e regulamentos do setor elétrico.

O prefeito ajudaria muito mais se cumprisse com suas obrigações e executasse, com presteza e qualidade, os serviços de poda e remoção de árvores – essa sim uma competência municipal. Também seria mais útil se desse apoio aos apelos da Aneel para a contratação de pessoal, inclusive para o trabalho de fiscalização dos serviços de distribuição, que, atualmente, conta com apenas nove servidores em todo o País, segundo o órgão regulador.

A Aneel arrecada cerca de R$ 1,4 bilhão por ano com a taxa de fiscalização, de acordo com o diretor-geral, Sandoval Feitosa. Desse total, R$ 400 milhões ficam efetivamente com o órgão regulador, e o restante acaba por financiar outros gastos da União.

No orçamento da agência deste ano, o governo federal bloqueou R$ 31 milhões, o que reduziu pela metade os recursos destinados para as agências estaduais com as quais a Aneel tem convênio para auxiliá-la no trabalho de fiscalização.

O saldo do apagão, até agora, continua negativo, sobretudo para o consumidor, o grande prejudicado pela guerra política que se seguiu a ele. Iniciativas voluntaristas como o projeto de lei da Câmara reforçam discursos eleitoreiros e ampliam a insegurança jurídica sem impedir que apagões voltem a ocorrer.

Trânsito cada vez mais letal

O Estado de S. Paulo

Mortes evitáveis se acumulam no trânsito paulista, sem que autoridades se movam

Nos primeiros 9 meses do ano, 4.605 pessoas morreram no trânsito de São Paulo, um aumento de 19% em relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com dados do Infosiga, plataforma do governo estadual. A taxa de mortalidade no trânsito paulista é de 14,08 por 100 mil habitantes, quase três vezes acima da meta estabelecida para 2030, de 5,68 por 100 mil habitantes. Como as mortes só crescem, e em todos os modais, não há como esperar que tal meta seja alcançada algum dia.

Estarrecedores, os números recém-divulgados apenas atualizam uma realidade: o retumbante fracasso dos governos do Estado e da capital, que sozinha responde por 786 mortes no período, no combate à letalidade do trânsito paulista. O fracasso da esfera pública fica ainda mais escancarado diante do fato de que 1.068 pedestres morreram entre janeiro e setembro de 2024, 17,9% a mais do que no mesmo período do ano passado. Elemento mais vulnerável na cadeia do trânsito, o pedestre morre porque faltam fiscalização, conscientização e educação para o trânsito, todos estes princípios básicos de civilidade.

Em lugares onde a barbárie não impera, a diversificação nos meios de transporte é uma aliada para enfrentar o desafio dos congestionamentos e da poluição. Por aqui, contudo, optar por modais como a bicicleta é um ato de coragem (muitas vezes ditado pela necessidade); 317 ciclistas morreram no trânsito do Estado de São Paulo neste ano, quase 18% a mais do que entre janeiro e setembro de 2023.

Para completar a tragédia, 1.925 motociclistas já perderam a vida no trânsito paulista neste ano, um aumento de 20,4% em relação ao mesmo período de 2023. Na capital, a Prefeitura faz estardalhaço em torno da extensão das “faixas azuis”, vias preferenciais para motos criadas para, vejam só, reduzir a mortalidade no trânsito. Os números, porém, não mentem. Não bastam 200 quilômetros de vias exclusivas para motos para moralizar o caótico e letal trânsito de São Paulo.

Infelizmente, não há sinal de que algo vá mudar. Candidato à reeleição, o prefeito Ricardo Nunes afirmou ao SP1, da Rede Globo, ainda no primeiro turno das eleições, que não é com “indústria da multa que vai reduzir a questão dos acidentes”, em uma tentativa de justificar a decisão de proibir a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de instalar mais radares na capital – bem ao gosto do bolsonarismo irresponsável. Nunes foi enfático: “Indústria da multa na minha gestão não vai ter”, citando a queda na arrecadação com punições aos infratores como um marco positivo de sua gestão.

Óbvio que as multas no trânsito não devem ter por princípio o viés arrecadatório, tão em voga no Brasil atual, mas partir desse critério já totalmente politizado para reduzir o monitoramento do tráfego na capital é igualmente indefensável. Fato é que, na gestão Nunes, as mortes no trânsito só têm crescido. Reduzi-las exige conscientização, educação e fiscalização efetivas, que, como demonstram as mais de 700 vidas perdidas no trânsito da capital neste ano, não estão ocorrendo da maneira que deveriam.

Segurança pública do Rio de Janeiro entra em colapso

Correio Braziliense

O governador Cláudio Castro perdeu o controle da situação e está refém do crime organizado, que se infiltrou no aparelho de segurança do Estado

Seis pessoas foram baleadas durante troca de tiros entre a Polícia Militar (PM) e criminosos no Complexo do Israel, no Rio de Janeiro, nesta quinta-feira, da quais três faleceram. Renato Oliveira, 48, passageiro do ônibus da linha 493B que ia de Ponto Chic para a Central, não sobreviveu após ser atingido na cabeça. Além dele, o motorista de aplicativo Paulo Roberto de Souza, 60, teve perfuração na cabeça e chegou ao hospital sem vida. Ontem, Genilson Eustáquio Ribeiro, que era motorista de caminhão e teve uma perfuração no crânio, apesar de operado, também faleceu. O tiroteio interditou a Avenida Brasil, mais uma vez.

Com 58,5 quilômetros de extensão, a Avenida Brasil corta 26 bairros da cidade. A mais importante via expressa carioca liga a Zona Portuária a Santa Cruz, na Zona Oeste da capital fluminense. É o maior trecho urbano da BR-101, o elo entre a BR-101 norte (Ponte Rio-Niterói e Rodovia Rio-Vitória/Niterói-Manilha) e a BR-101 sul (Rodovia Rio-Santos). Também faz parte do percurso da BR-040, da BR-116 e da BR-465 — ou seja, é ponto de chegada de todas as rodovias federais que passam pela cidade. Por ela, circulam os veículos oriundos da Baixada Fluminense, da Região Serra, do Sul Fluminense, de Minas Gerais e de São Paulo. O fluxo médio é de 800 mil veículos por dia.

Na última segunda-feira, houve mais um dos violentos confrontos de grupos criminosos com a polícia, ou entre si, pelo domínio da Zona Oeste do Rio. Quase 30 ônibus, em diferentes pontos da região, foram alvos de incêndios criminosos. Os incêndios teriam sido provocados em represália à morte de Matheus da Silva Rezende durante troca de tiros com agentes policiais. Conhecido como Faustão ou Teteu, ele era sobrinho de Zinho, chefe de uma das principais milícias da região.

O Comando Vermelho (CV), facção criminosa originalmente focada no tráfico de drogas, se aliou a milicianos da Zona Oeste para controlar as comunidades na região, nas quais exploram o comércio ilegal de drogas e de produtos e serviços, como a venda de gás de botijão, acesso à internet, transporte por van e outros. Milicianos e traficantes, indistintamente, atuam da mesma forma.

A maior milícia do Rio, a Liga da Justiça, está na região há 15 anos, a pretexto de combater o tráfico de drogas. Policiais civis e militares, bombeiros, guardas municipais e integrantes da Forças Armadas, além de criminosos comuns, integram o bando. Após a morte do chefe miliciano Ecko (Wellington da Silva Braga), em junho de 2021, o irmão dele, Luiz Carlos da Silva Braga, o Zinho, e um ex-aliado, Tandera (Danilo Dias Lima), passaram a disputar bairros. Com a milícia fragilizada, o  CV rompeu o pacto de convivência e passou a tomar as áreas disputadas. Quando isso ocorre, a polícia fluminense entra em campo — muitas vezes para favorecer as milícias.

Os fatos revelam que o sistema de segurança pública do Rio de Janeiro é ineficaz e falta comando. O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), chegou a comemorar a morte de Matheus como um grande feito da Polícia Civil, mas a violência aumentou e está fora de controle. E não é de agora. No ano passado, o estado registrou 3.388 mortes violentas (média de nove por dia) e 233 a mais que as 3.155 registradas em 2022, uma alta de 7,4%. Castro perdeu o controle da situação e está refém do crime organizado, que se infiltrou no aparelho de segurança do Estado, o que explica a situação.

 


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