Violência no Rio expõe política de segurança deficiente
O Globo
Enquanto não houver coordenação de governos
federal e estaduais, crime organizado continuará a vencer
Não há como ficar indiferente às cenas de
horror registradas na manhã de quinta-feira durante operação da Polícia Militar
no Complexo de Israel, conjunto de favelas na Zona Norte do Rio, para reprimir
o roubo de veículos e de carga. Os bandidos que dominam as comunidades reagiram
de forma violenta, impondo caos e medo. Em meio à chuva de tiros, três
inocentes morreram baleados a caminho do trabalho. Outros três ficaram feridos.
Principal via do município, a Avenida Brasil, por onde circulam 200 mil veículos
diariamente, teve de ser interrompida por duas horas. Escolas, unidades de
saúde, estações de trem e BRT também precisaram ser fechadas.
Causaram perplexidade não apenas as imagens dramáticas de cidadãos deitados no asfalto, escondidos sob ônibus ou agachados. Chocou também o recuo da polícia ante a resistência dos bandidos. A PM reconheceu não esperar reação tão forte dos traficantes. A decisão de recuar para evitar mais mortes foi acertada, mas é inevitável constatar que as organizações criminosas estão mais bem preparadas e são mais ousadas que as forças de segurança. No Rio, bandidos fazem o que querem. Em comunidades como a Muzema, andam armados à luz do dia.
O que acontece no Rio se repete pelo país. O
Estado brasileiro já não controla parte de seu território, sequestrado por
organizações criminosas que, dotadas de armamento pesado, impõem às populações
suas próprias leis. Não é acaso que a violência tenha dominado o debate
eleitoral deste ano, nem que esteja entre as maiores preocupações dos
brasileiros. É real a perspectiva de involuirmos para uma situação similar à de
países como Colômbia, Peru ou México.
O problema está em todos os lugares. No dia
19, a Região Metropolitana de Florianópolis viveu momentos de pânico. Ruas
foram interditadas por barricadas para impedir a passagem da polícia. Carros e
ônibus foram incendiados — como se tornou comum em comunidades do Rio. Na Bahia, foi deflagrada
nesta semana uma megaoperação policial para conter a onda de violência que
fustiga Salvador e seu entorno. Em 24 horas, foram registradas 15 mortes. Das
50 cidades mais violentas do país, 12 estão na Bahia.
Está claro que os estados sozinhos não
conseguem enfrentar facções armadas cuja atuação se dá em escala nacional ou
internacional. A atuação das forças de segurança depende de circunstâncias
locais, por isso deve ser responsabilidade dos estados. Mas o governo federal
precisa assumir seu papel de coordenação para desarticular essas organizações
criminosas.
Tudo o que fez até agora foi apresentar a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança. Foi um acerto, por
reconhecer a necessidade da atuação federal no enfrentamento de organizações
criminosas e incrementar o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Mas não
basta enviar uma PEC ao Congresso. A polícia não dispõe sequer de um sistema
nacional unificado de boletins de ocorrência e informações sobre os criminosos.
Não podem existir dois países, um onde vigora
a Constituição e outro onde vale a lei perversa do crime organizado. O Brasil
vive uma situação grave na segurança, os governos até agora falharam em
responder à angústia da população. O episódio do Rio expôs o tamanho do
desafio. Ou o governo federal assume seu protagonismo em conjunto com os
estados, ou a guerra continuará a ser perdida.
Apagão em SP traz motivos para fortalecer
Aneel, não para esvaziá-la
O Globo
Agência intimou Enel em processo que pode
levar à cassação da concessão — mas é essencial seguir trâmite formal
Três apagões na Região Metropolitana de São
Paulo em menos de um ano puseram a concessão da italiana Enel sob
risco, como determinam os contratos das concessionárias privadas de serviços
públicos. Os blecautes — em novembro de 2023, março passado e agora em outubro
— se estenderam por quase uma semana. No último, no sexto dia depois dos
temporais que derrubaram a energia ainda
havia 70 mil imóveis sem luz. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
encaminhou à empresa uma intimação relacionada à “reincidência quanto ao
atendimento insatisfatório dos consumidores em situação de emergência”. O final
do processo pode ser a recomendação ao governo federal para que casse a
concessão da Enel. Mas é essencial seguir os trâmites. O pior que pode
acontecer é o episódio servir de pretexto para o governo enfraquecer a
regulação do setor.
Desta vez, é notável que, em vez da
tradicional gritaria contra as privatizações, a gestão petista tenha decidido
fazer pressão para trocar a diretoria da Aneel. Os atuais diretores foram
nomeados no governo passado, e a agência não se tornará mais ágil nem mais
eficiente se forem trocados por apadrinhados do PT. Também não faz sentido
querer alterar o mandato deles para que passe a coincidir com a permanência do
presidente de turno no Palácio do Planalto. Os mandatos não devem coincidir
justamente para preservar a independência das agências reguladoras, de modo que
possam tomar decisões técnicas, sem preocupações ou interferências políticas.
A longa tradição brasileira na produção e
distribuição de energia criou gerações de especialistas e gestores competentes,
capazes de recuperar a Aneel para ela cumprir com eficiência o trabalho de
acompanhar o cumprimento dos contratos de concessão. Mas a agência tem sido
esvaziada nos últimos anos, em razão de interesses políticos. Hoje tem apenas
quatro diretores, com uma vaga aberta. Também enfrenta dificuldades financeiras
devido ao corte de pessoal e ao contingenciamento dos recursos que recebe da Taxa
de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica. De acordo com o diretor-geral
Sandoval Feitosa, do R$ 1,4 bilhão arrecadado, apenas R$ 400 milhões ficam com
a agência. “Nós só temos nove servidores dedicados a fiscalizar o serviço de
distribuição de energia no Brasil. Somente nove”, disse ele.
É evidente que a escassez de recursos está
relacionada às dificuldades de fiscalização, resultando no ambiente de
leniência que incentiva os abusos da Enel. O necessário, portanto, não é
enfraquecer ainda mais as agências, como pretende o governo, mas fortalecê-las,
sem recair nos clichês ideológicos que culpam o modelo de privatização e de
concessões. Nem o contribuinte paulista nem o Tesouro Nacional têm condições de
arcar com os investimentos necessários à prestação de um serviço eficiente. O
apagão não pode servir de revanche contra as privatizações no setor elétrico,
necessárias para que o crescimento do país não esbarre amanhã na falta de
energia.
Agências reguladoras sofrem ataque
especulativo de Lula
Folha de S. Paulo
Gestão petista tem ideias para mudanças em
autarquias, que favorecem intervencionismo; Congresso deve barrar retrocessos
A recente crise
de abastecimento de energia elétrica na cidade de São Paulo, que
expôs falhas de uma concessionária de serviço público, também serviu de
pretexto para que o governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
desencadeasse uma nova onda de
pressão política contra as agências reguladoras.
Diferentes ideias, a maioria vinda de fontes
anônimas, emanam da administração petista, que nunca aceitou o modelo de
agências —autarquias que têm a incumbência de garantir decisões com solidez
técnica e balancear interesses de sociedade, governo e empresas em áreas
fundamentais para a produção e a prestação de serviços.
Fala-se em enviar projeto ao Congresso que
poderá alterar a governança das entidades. A justificativa é avaliar o
desempenho da gestão e a contenção da influência de interesses empresariais.
Não se disfarça, porém, o desejo de
intervenção, com possível alteração de mandatos dos dirigentes para que
coincidam com o calendário das eleições presidenciais, o que é um despautério.
O interesse de um governo não necessariamente coincide com ações de Estado, que
têm natureza de longo prazo.
Tampouco soa bem a eventual criação de uma
instância superior às agências, já que o comando desse órgão coordenador
provavelmente seria preenchido politicamente —o que derrubaria por terra o
propósito essencial.
O risco é uma grave erosão da
previsibilidade das regras que norteiam investimentos em áreas
como energia, saneamento, petróleo,
mineração, telecomunicações e transportes.
São justamente a autonomia em relação ao
Executivo —ao qual cabe o direcionamento estratégico a partir dos ministérios—
e a observância de normas técnicas que propiciam estabilidade para
investimentos.
Algumas críticas ao funcionamento das
agências são justificadas. Regulamentadas nos anos 1990, permitiram avanço
notável em atração de investimentos e maior transparência decisória. Mas não
está ainda consolidada a desejável solidez institucional.
A culpa em parte pode ser atribuída às
entidades, mas o problema começa pelos próprios governos, que escolhem mal seus
dirigentes, e pelo Congresso, que não cumpre seu papel de filtrar as
indicações, muitas de caráter político. Também há sucateamento pela falta de
verbas e por dezenas de cargos não preenchidos.
É obviamente correto salvaguardar o interesse
público e garantir a blindagem ante interesses privados. Também se espera que a
direção das autarquias seja avaliada por eficiência. É fundamental, contudo,
que não haja intervencionismo de Brasília nos
setores monitorados, como deseja o governo Lula.
Espera-se que não haja ambiente para tal
retrocesso no Legislativo. Ainda assim, o ataque especulativo às agências em
nada contribui para o fortalecimento da regulação, essencial para o crescimento
de longo prazo.
Horizontes do clima se estreitam aquém de
Belém
Folha de S. Paulo
ONU alerta que não se pode esperar até 2025,
quando acontecerá a COP-30 no Pará, para agir contra o aquecimento global
Muito se discute sobre a possibilidade de
sucesso, ou fracasso, da COP-30, cúpula do clima que acontecerá no próximo ano
em Belém.
Mas um senso de urgência mais adequado poria ênfase na COP-29, a menos de três
semanas de iniciar-se em Baku, no Azerbaijão.
O ritmo de aquecimento da atmosfera não
admite mais procrastinação e, pior, que de novo se adiem decisões. É o que
alerta o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma),
para que a COP-30 logre produzir medidas compatíveis com a magnitude da crise
climática.
Nem é preciso enumerar os
eventos extremos a castigar populações, cuja frequência aumenta à
vista de todos. Mais pertinente é assinalar que a confirmação de previsões dos
modelos climatológicos tem sido incapaz de mudar a curva ascendente da
temperatura média global.
Nada menos que 14 dos últimos 15 meses
acusaram aquecimento igual ou superior a 1,5ºC no planeta, em comparação com
níveis anteriores à industrialização do século 19. Esse limiar baliza a meta
recomendada no Acordo de
Paris (2015) —que admite aumento de até no máximo 2ºC.
Não é o suficiente, do ponto de vista
estatístico, para proclamar descumprido o compromisso firmado na capital
francesa. Entretanto a marcha das emissões mundiais de carbono indica que a
janela de oportunidade está a fechar-se e que nem sequer o limite de 2ºC parece
factível.
Para ficar em 1,5ºC, seria imprescindível
cortar gases do efeito estufa em 42% até 2030. Em 2023, porém, as emissões
subiram 1,3% ante 2022 —alta maior que a média entre 2010 e 2019 (0,8% ao ano),
a sugerir que a poluição climática pode estar em aceleração após a pandemia.
A Agência Internacional de Energia destaca
que a trajetória atual de emissões implicaria aquecimento de 2,4ºC. Outros
especialistas calculam que, mesmo que se cumpram objetivos nacionais de
descarbonização assumidos em Paris, estaria contratado um avanço de 2,6ºC a
2,8ºC.
A inércia governa a estrutura diplomática
criada na ONU para
enfrentar o problema, que iniciou negociações em 1992 no Rio. Nem mesmo as
metas assumidas em Paris, 23 anos depois, estão sendo seguidas pelos
signatários.
O setor de combustíveis fósseis se alvoroça
para extrair o máximo de carvão, petróleo e
gás natural antes da inviabilidade das reservas. A contradição também é
representada pelo Brasil, que almeja sair de Belém como potência verde
enquanto planeja poços
petrolíferos a 540 km da vizinha foz do Amazonas.
Avenida Brasil
O Estado de S. Paulo
Dia de terror no Rio é o sintoma mais óbvio
do despreparo do País para lidar com crime organizado. Hoje, nenhum cidadão
daquela cidade pode cochilar no ônibus a caminho do trabalho
Foi mais do que uma pavorosa soma de medo e
morte o intenso tiroteio no Complexo de Israel, conjunto de favelas na zona
norte do Rio de Janeiro. O confronto entre criminosos e policiais, na manhã de
anteontem, que matou três inocentes – um dos quais atingido por um tiro quando
cochilava no ônibus que o levaria ao trabalho –, fez da Avenida Brasil um
símbolo da falência do Estado brasileiro no enfrentamento do crime organizado.
Estavam ali todos os ingredientes de um
roteiro tristemente conhecido: a demonstração de força dos bandidos, o
despreparo da polícia escalada para combatê-los, uma operação montada de forma
precipitada e realizada após pouca investigação, a fragilidade dos serviços de
inteligência, a ausência de diálogo e coordenação com as polícias civil e
federal e um complexo de favelas controlado por um traficante de altíssima
periculosidade, que costuma matar sem piedade os inimigos ou quem ousa
contrariá-lo.
Difícil imaginar desfecho muito diferente de
uma tragédia adornada por mortos, feridos e pânico. A isto se somam as
previsíveis declarações de autoridades ansiosas para se livrar da
responsabilidade ou para negar a espantosa incompetência: enquanto o governador
do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), definia o tiroteio como um “ato de
terrorismo” – expressão habitual a que se recorre quando se deseja justificar a
inépcia governamental –, a Polícia Militar (PM) do Rio defendia a operação e
seu resultado: “Não foi um erro, mas uma ação necessária”, sugeriu Claudia
Moraes, tenente-coronel da PM.
De fato, foi uma ação necessária – mas
repleta de erros. O Complexo de Israel inclui uma espécie de praia particular
do tráfico de drogas no Rio, reúne cinco comunidades, é cercada de vias
importantes, como a Avenida Brasil, a Linha Vermelha e a Rodovia Washington
Luiz, e há muitos anos passou a ser controlada com mão de ferro por
traficantes. Como em outras favelas cariocas, o crime organizado avança,
ocupando e impedindo a presença do Estado. Combatê-lo é um imperativo. Ocorre
que a operação, supostamente planejada previamente, se deparou com uma surpresa
típica de quem a preparou de maneira ineficiente: as informações de
inteligência não previram o nível de resistência e de resposta dos bandidos,
expondo pessoas inocentes ao fogo cruzado de forma desnecessária. Como resumiu
um especialista ao jornal O Globo, “cutucaram o vespeiro e viram que era
pior do que se imaginava”.
Via que percorre 26 bairros e é vizinha de 70
favelas, a Avenida Brasil é um reconhecido terreno de perigo para os moradores
da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo levantamento do Instituto
Fogo Cruzado, a principal via expressa da capital fluminense – pela qual
poderão passar daqui a algumas semanas os chefes de Estado que participarão da
cúpula do G-20 – exibe a espantosa média de um tiroteio a cada dois dias. O
instituto registrou mais de 1.500 tiroteios nos últimos 8 anos, ou mais de 190
confrontos anuais – mais do que o dobro na comparação com a soma das outras
duas principais vias expressas da cidade, a Linha Vermelha e a Linha Amarela. A
organização considera casos ocorridos no entorno de até 100 metros da via.
Ou seja, a Avenida Brasil abre ou fecha
conforme a vontade do crime organizado. E essa é apenas a face violenta do
domínio que a bandidagem tem exercido sobre a vida cotidiana dos cidadãos, não
só no Rio de Janeiro, mas em diversas outras partes do País. As máfias, as
milícias e os narcotraficantes avançam também para ganhar poder político e
econômico, como este jornal vem mostrando em diversas reportagens que retratam
a evidente ofensiva desses criminosos para minar os meios institucionais de
detê-los. O evidente despreparo da polícia fluminense no caso da Avenida Brasil
é o sintoma mais óbvio do despreparo do País para lidar com a expansão do crime
organizado de um modo geral. Hoje, no Rio de Janeiro, nenhum cidadão pode
sequer cochilar no ônibus a caminho do trabalho.
O voluntarismo pós-apagão
O Estado de S. Paulo
Aprovado pela Câmara dos Deputados, projeto
de lei que inclui municípios na fiscalização de distribuidoras de energia
amplia a insegurança jurídica sem impedir que apagões voltem a ocorrer
Na semana passada, a Câmara aprovou um
projeto de lei para incluir os municípios na fiscalização dos serviços de
energia elétrica. Apresentada em abril deste ano, a proposta é do deputado
Baleia Rossi (MDB-SP), presidente nacional do MDB, e foi elaborada a pedido do
prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes.
Nunes, como todos aqueles que vivem na Região
Metropolitana de São Paulo, ficou incomodado com a demora da Enel São Paulo em
restabelecer a eletricidade após o apagão de novembro do ano passado. A
lentidão da distribuidora se repetiu no blecaute ocorrido há duas semanas e
serviu como um incentivo aos parlamentares para acelerar sua tramitação.
Em um dia, os deputados aprovaram um pedido
de urgência e, já no dia seguinte, em votação virtual e simbólica, o projeto em
si, que agora segue para apreciação do Senado. Trata-se de uma solução
intempestiva, equivocada e inconstitucional para um problema que deveria ser
tratado de forma técnica, mas que está contaminado pela demagogia.
Em primeiro lugar, há vício de iniciativa.
Propostas que envolvam serviços públicos só podem ser apresentadas pelo
Executivo, e não pelo Legislativo. Mas há mais problemas no texto a que os
deputados deram aval.
O poder concedente – no caso, a União – já
pode credenciar outros entes federativos a fiscalizar as distribuidoras. É o
que já ocorre em São Paulo, Estado em que a Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) tem um convênio com a Agência Reguladora de Serviços Públicos
do Estado de São Paulo (Arsesp).
Ceder essa competência, no entanto, depende
de acordo e da vontade do poder concedente, e não dos entes federativos. O
Legislativo não pode simplesmente obrigar a União a aceitá-los como parte
fiscalizadora nem decidir que os convênios municipais, hoje inexistentes, devem
prevalecer sobre os firmados com Estados, uma violação do pacto federativo.
O Legislativo tampouco pode mudar regras
estabelecidas em contratos de concessão em vigor de um dia para o outro, como
propõe o projeto ao fixar a compensação mínima a ser paga pelas distribuidoras
aos consumidores que ficarem sem energia elétrica por mais de 24 horas.
Audiências públicas em comissões temáticas teriam evitado tanta confusão que,
ademais, pode gerar problemas em muitos outros setores cujos serviços são
regulados pela Lei das Concessões (9.074/1995), como rodovias, ferrovias,
portos e aeroportos, entre outros.
O texto mais parece uma resposta política
para isentar Nunes do ônus dos apagões em meio à campanha à reeleição. Uma vez
reeleito, como indicam as pesquisas, é improvável que o prefeito tenha a
intenção de colocá-lo em prática. Afinal, a medida exigiria desembolsos para
seleção, contratação e treinamento de funcionários para aprenderem a atuar e a
interpretar as complexas leis e regulamentos do setor elétrico.
O prefeito ajudaria muito mais se cumprisse
com suas obrigações e executasse, com presteza e qualidade, os serviços de poda
e remoção de árvores – essa sim uma competência municipal. Também seria mais
útil se desse apoio aos apelos da Aneel para a contratação de pessoal,
inclusive para o trabalho de fiscalização dos serviços de distribuição, que,
atualmente, conta com apenas nove servidores em todo o País, segundo o órgão
regulador.
A Aneel arrecada cerca de R$ 1,4 bilhão por
ano com a taxa de fiscalização, de acordo com o diretor-geral, Sandoval
Feitosa. Desse total, R$ 400 milhões ficam efetivamente com o órgão regulador,
e o restante acaba por financiar outros gastos da União.
No orçamento da agência deste ano, o governo
federal bloqueou R$ 31 milhões, o que reduziu pela metade os recursos
destinados para as agências estaduais com as quais a Aneel tem convênio para
auxiliá-la no trabalho de fiscalização.
O saldo do apagão, até agora, continua
negativo, sobretudo para o consumidor, o grande prejudicado pela guerra
política que se seguiu a ele. Iniciativas voluntaristas como o projeto de lei
da Câmara reforçam discursos eleitoreiros e ampliam a insegurança jurídica sem
impedir que apagões voltem a ocorrer.
Trânsito cada vez mais letal
O Estado de S. Paulo
Mortes evitáveis se acumulam no trânsito
paulista, sem que autoridades se movam
Nos primeiros 9 meses do ano, 4.605 pessoas
morreram no trânsito de São Paulo, um aumento de 19% em relação ao mesmo
período do ano anterior, de acordo com dados do Infosiga, plataforma do governo
estadual. A taxa de mortalidade no trânsito paulista é de 14,08 por 100 mil
habitantes, quase três vezes acima da meta estabelecida para 2030, de 5,68 por
100 mil habitantes. Como as mortes só crescem, e em todos os modais, não há
como esperar que tal meta seja alcançada algum dia.
Estarrecedores, os números recém-divulgados
apenas atualizam uma realidade: o retumbante fracasso dos governos do Estado e
da capital, que sozinha responde por 786 mortes no período, no combate à
letalidade do trânsito paulista. O fracasso da esfera pública fica ainda mais
escancarado diante do fato de que 1.068 pedestres morreram entre janeiro e
setembro de 2024, 17,9% a mais do que no mesmo período do ano passado. Elemento
mais vulnerável na cadeia do trânsito, o pedestre morre porque faltam fiscalização,
conscientização e educação para o trânsito, todos estes princípios básicos de
civilidade.
Em lugares onde a barbárie não impera, a
diversificação nos meios de transporte é uma aliada para enfrentar o desafio
dos congestionamentos e da poluição. Por aqui, contudo, optar por modais como a
bicicleta é um ato de coragem (muitas vezes ditado pela necessidade); 317
ciclistas morreram no trânsito do Estado de São Paulo neste ano, quase 18% a
mais do que entre janeiro e setembro de 2023.
Para completar a tragédia, 1.925
motociclistas já perderam a vida no trânsito paulista neste ano, um aumento de
20,4% em relação ao mesmo período de 2023. Na capital, a Prefeitura faz
estardalhaço em torno da extensão das “faixas azuis”, vias preferenciais para
motos criadas para, vejam só, reduzir a mortalidade no trânsito. Os números,
porém, não mentem. Não bastam 200 quilômetros de vias exclusivas para motos
para moralizar o caótico e letal trânsito de São Paulo.
Infelizmente, não há sinal de que algo vá
mudar. Candidato à reeleição, o prefeito Ricardo Nunes afirmou ao SP1, da
Rede Globo, ainda no primeiro turno das eleições, que não é com “indústria da
multa que vai reduzir a questão dos acidentes”, em uma tentativa de justificar
a decisão de proibir a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de instalar
mais radares na capital – bem ao gosto do bolsonarismo irresponsável. Nunes foi
enfático: “Indústria da multa na minha gestão não vai ter”, citando a queda na
arrecadação com punições aos infratores como um marco positivo de sua gestão.
Óbvio que as multas no trânsito não devem ter
por princípio o viés arrecadatório, tão em voga no Brasil atual, mas partir
desse critério já totalmente politizado para reduzir o monitoramento do tráfego
na capital é igualmente indefensável. Fato é que, na gestão Nunes, as mortes no
trânsito só têm crescido. Reduzi-las exige conscientização, educação e
fiscalização efetivas, que, como demonstram as mais de 700 vidas perdidas no
trânsito da capital neste ano, não estão ocorrendo da maneira que deveriam.
Segurança pública do Rio de Janeiro entra em
colapso
Correio Braziliense
O governador Cláudio Castro perdeu o controle
da situação e está refém do crime organizado, que se infiltrou no aparelho de
segurança do Estado
Seis pessoas foram baleadas durante troca de
tiros entre a Polícia Militar (PM) e criminosos no Complexo do Israel, no Rio
de Janeiro, nesta quinta-feira, da quais três faleceram. Renato Oliveira, 48,
passageiro do ônibus da linha 493B que ia de Ponto Chic para a Central, não
sobreviveu após ser atingido na cabeça. Além dele, o motorista de aplicativo
Paulo Roberto de Souza, 60, teve perfuração na cabeça e chegou ao hospital sem
vida. Ontem, Genilson Eustáquio Ribeiro, que era motorista de caminhão e teve uma
perfuração no crânio, apesar de operado, também faleceu. O tiroteio interditou
a Avenida Brasil, mais uma vez.
Com 58,5 quilômetros de extensão, a Avenida
Brasil corta 26 bairros da cidade. A mais importante via expressa carioca liga
a Zona Portuária a Santa Cruz, na Zona Oeste da capital fluminense. É o maior
trecho urbano da BR-101, o elo entre a BR-101 norte (Ponte Rio-Niterói e
Rodovia Rio-Vitória/Niterói-Manilha) e a BR-101 sul (Rodovia Rio-Santos).
Também faz parte do percurso da BR-040, da BR-116 e da BR-465 — ou seja, é
ponto de chegada de todas as rodovias federais que passam pela cidade. Por ela,
circulam os veículos oriundos da Baixada Fluminense, da Região Serra, do Sul
Fluminense, de Minas Gerais e de São Paulo. O fluxo médio é de 800 mil veículos
por dia.
Na última segunda-feira, houve mais um dos
violentos confrontos de grupos criminosos com a polícia, ou entre si, pelo
domínio da Zona Oeste do Rio. Quase 30 ônibus, em diferentes pontos da região,
foram alvos de incêndios criminosos. Os incêndios teriam sido provocados em
represália à morte de Matheus da Silva Rezende durante troca de tiros com
agentes policiais. Conhecido como Faustão ou Teteu, ele era sobrinho de Zinho,
chefe de uma das principais milícias da região.
O Comando Vermelho (CV), facção criminosa
originalmente focada no tráfico de drogas, se aliou a milicianos da Zona Oeste
para controlar as comunidades na região, nas quais exploram o comércio ilegal
de drogas e de produtos e serviços, como a venda de gás de botijão, acesso à
internet, transporte por van e outros. Milicianos e traficantes,
indistintamente, atuam da mesma forma.
A maior milícia do Rio, a Liga da Justiça,
está na região há 15 anos, a pretexto de combater o tráfico de drogas.
Policiais civis e militares, bombeiros, guardas municipais e integrantes da
Forças Armadas, além de criminosos comuns, integram o bando. Após a morte do
chefe miliciano Ecko (Wellington da Silva Braga), em junho de 2021, o irmão
dele, Luiz Carlos da Silva Braga, o Zinho, e um ex-aliado, Tandera (Danilo Dias
Lima), passaram a disputar bairros. Com a milícia fragilizada, o CV
rompeu o pacto de convivência e passou a tomar as áreas disputadas. Quando isso
ocorre, a polícia fluminense entra em campo — muitas vezes para favorecer as
milícias.
Os fatos revelam que o sistema de segurança pública do Rio de Janeiro é ineficaz e falta comando. O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), chegou a comemorar a morte de Matheus como um grande feito da Polícia Civil, mas a violência aumentou e está fora de controle. E não é de agora. No ano passado, o estado registrou 3.388 mortes violentas (média de nove por dia) e 233 a mais que as 3.155 registradas em 2022, uma alta de 7,4%. Castro perdeu o controle da situação e está refém do crime organizado, que se infiltrou no aparelho de segurança do Estado, o que explica a situação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário