terça-feira, 26 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

STF deve invalidar artigo 19 do Marco Civil da Internet

O Globo

Trecho que exime plataformas de responsabilidade por conteúdo viola direitos constitucionais

Está marcado para quarta-feira o início do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da constitucionalidade da regra que estabelece quando as plataformas digitais devem ter responsabilidade por conteúdos publicados por seus usuários. O artigo 19 do Marco Civil da Internet prevê que elas são passíveis de punição somente se receberem decisão judicial determinando a remoção e se negarem a obedecer. Passados dez anos da criação da lei, tal critério se revelou inadequado. As evidências estão por todos os lados: dos danos causados pela disseminação de racismo e discurso de ódio aos atentados contra a saúde pública, a privacidade ou a democracia. O salvo-conduto proporcionado pelo artigo 19 é inconstitucional por um motivo simples: fere o direito fundamental dos brasileiros, incapazes de buscar ou de obter reparação na Justiça, pois o estrago já está feito quando sai a decisão.

Não há caminho do meio: o STF deve considerar inconstitucional o artigo 19. No lugar dele, deve ser estabelecido um sistema de retirada do ar mediante notificação das partes afetadas (“notice and take down”). Era o que estipulava a versão original do Marco Civil, infelizmente modificada. Qualquer um deveria poder notificar conteúdo ilícito diretamente às plataformas digitais. A partir desse momento, caso comprovassem a denúncia e nada fizessem, elas deveriam ser responsáveis juridicamente pela omissão criminosa.

O argumento dos defensores do artigo 19 é que as plataformas, temendo o custo de processos na Justiça, passarão a remover conteúdo preventivamente, cerceando a liberdade de expressão. Tal suposição carece de lógica. A existência de um espaço de livre expressão não pode ser confundida com a existência de um espaço sem lei. “As plataformas digitais se tornaram o escoadouro de terríveis características humanas: desinformam, disseminam ódio e promovem divisão social. É como se a lei tivesse permitido que, em ambientes específicos, diversas atividades ilícitas pudessem ser praticadas livremente e sem qualquer consequência legal”, escreveu em artigo recente no GLOBO o jurista Gustavo Binenbojm. Do jeito como está, o artigo 19 atribui o ônus de responsabilização à vítima. É o alvo de racismo, homofobia ou outras violações que tem de perder tempo e dinheiro em busca de ajuda legal sabidamente lenta, enquanto as plataformas, coniventes com o crime cometido, continuam faturando com audiência e engajamento.

Se o Brasil adotar um sistema de retirada do ar mediante notificação, as plataformas certamente terão plena capacidade de se adaptar. Recentemente, a União Europeia (UE) adotou regra semelhante, e não há queixas relevantes sobre cerceamento da liberdade de expressão. A maior parte delas tem se mostrado eficiente na retirada de conteúdo protegido por direito autoral ou pornográfico sem consentimento — ou de qualquer outro que viole seus termos de uso. Não se trata, portanto, de dificuldade técnica.

Deixar tudo como está não é opção. O Brasil é exemplo das consequências negativas da falta de um sistema adequado de atribuição de responsabilidades. A assimetria da responsabilidade que cabe a cidadãos ou organizações nos mundos on-line e off-line precisa ser corrigida. Na ausência de iniciativa do Congresso, onde o Projeto de Lei das Redes Sociais continua parado, um primeiro passo é o Supremo invalidar o artigo 19 do Marco Civil.

Ucrânia será o primeiro teste internacional para governo Trump

O Globo

Ao se comprometer a acabar com a guerra rápido, o presidente eleito criou uma armadilha para si mesmo

Na campanha eleitoral, Donald Trump prometeu acabar “em 24 horas” com a guerra na Ucrânia. O conflito será o primeiro teste para sua política externa depois da volta à Casa Branca em janeiro. É conhecida a admiração que ele tem pelo autocrata Vladimir Putin, que desencadeou a guerra com a invasão do território ucraniano. Trump se recusou a afirmar desejar que a Ucrânia vencesse, e algumas indicações suas para postos no governo têm sido aplaudidas por Putin. Do palanque, seu vice, J.D. Vance, chegou a dizer que não tinha nenhuma preocupação com o que poderia acontecer com a Ucrânia. Mas não está claro como — nem se — esses discursos de campanha se converterão em decisões de governo.

Parece evidente que a estratégia americana adotada até agora em relação ao conflito não tem funcionado. Apesar de todo o apoio declarado, o presidente Joe Biden tem sido comedido na ajuda militar aos ucranianos, até agora insuficiente para recuperar o território invadido. Apenas depois da vitória de Trump, ele os autorizou a usar mísseis de longo alcance contra a Rússia. Em resposta, Putin passou a atacar o território ucraniano com mísseis balísticos. Dias antes, afrouxara a regra de uso de armas nucleares, de modo a autorizar ataques contra adversários apoiados por potências nucleares, caso da Ucrânia. Às vésperas da posse de Trump, a tensão na região tem crescido, como se todos tentassem consolidar vantagens no terreno.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, conviveu com Trump no primeiro mandato e, apesar das demonstrações de simpatia a Putin, os Estados Unidos enviaram na ocasião armas a Kiev, depois vitais para conter o avanço russo. Zelensky vem há tempos se aproximando dos republicanos, cujo apoio no Congresso é essencial para liberar recursos para a guerra. Depois da convenção que sacramentou sua candidatura, Trump manteve uma conversa amistosa com Zelensky. “Foi um telefonema muito bom”, disse.

Em qualquer cenário, as perspectivas não são animadoras para a Ucrânia. A duração da guerra e as dezenas de bilhões de dólares já gastos pelos Estados Unidos no apoio aos ucranianos sensibilizam o eleitor republicano. Quando estava no governo, Trump se recusou intervir no ataque russo a um navio ucraniano no Mar Negro, mais tarde cancelou manobras navais conjuntas das marinhas dos Estados Unidos e da Ucrânia. É provável que seu isolacionismo favoreça algum tipo de negociação em favor de concessões ucranianas e da posição russa.

Ao se comprometer a acabar com a guerra tão rápido, porém, Trump criou uma armadilha para si mesmo. Não faz sentido, dada a posição anti-russa da maioria do Congresso, um presidente americano ser agente de um acordo de paz que signifique apenas a capitulação da Ucrânia às condições de Moscou. E há até dúvidas se Putin aceitará essa mediação. Trump precisa encontrar a melhor solução possível para o desafio que ele próprio se impôs. E não pode demorar.

COP29 legará a Belém problema do subfinanciamento climático

Valor Econômico

Por sua governança, as COPs só têm produzido resultados muito aquém do que seria necessário pela gravidade da situação climática e, ademais, com atraso exasperante

Financiamento ao combate e à adaptação às mudanças climáticas tem sido um dos temas mais divisivos das Conferências do Clima das Nações Unidas. Tornou-se praticamente tema único da COP29, em Baku, com resultados previsíveis. Houve um enorme cisma entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, que consumiu 33 horas além dos 14 dias de duração oficial, até se encontrar uma solução tirada da cartola que desagradou a todos. Os países ricos se comprometeram a “tomar a dianteira” para mobilizar US$ 300 bilhões anuais até 2035, para os países em desenvolvimento encontrarem formas de diminuir e conviver com os efeitos do aquecimento global. Foi a primeira COP a rever o compromisso dos países ricos de colocarem na mesa US$ 100 bilhões por ano para essas finalidades - eles só cumpriram a meta 13 anos depois, em 2022, segundo a OCDE.

A COP29 começou com os melhores auspícios, pois em um par de dias foi sacramentada a criação de mercado de carbono, sob supervisão da ONU, um dos meios de se obter parte dos enormes recursos necessários para evitar que a temperatura da Terra ultrapasse 1,5º C em relação à da era industrial. Economistas da Comissão de Alto Nível do Grupo de Especialistas em Mudanças Climáticas estimaram em US$ 1,3 trilhão ao ano até 2035 o financiamento suficiente para os países em desenvolvimento. Há também previsões de que enfrentar a catástrofe climática em todos os níveis exigiria US$ 6,7 trilhões ao ano até 2030.

Todos esses números foram assumidos por grupos de países distintos na COP de Baku, mas, para descontentamento geral, nenhum deles foi aprovado. O Brasil foi um dos mediadores para encontrar uma solução de compromisso. Ao final, em uma votação de poucos segundos, foi decidida quase que por exclusão a cifra de US$ 300 bilhões. Mesmo assim, a questão foi decidida pela metade. O financiamento oferecido pelos países ricos tem hoje fatia significativa de empréstimos, com juros, uma fonte inviável para muitos países pobres já severamente endividados ao redor do mundo.

As demandas mais altas por recursos não foram assumidas pelos países desenvolvidos e provavelmente não serão. Os 24 países que se comprometeram com o financiamento climáticos na Convenção Quadro de 1992 têm hoje um PIB de cerca de US$ 57 trilhões. O US$ 1,3 trilhão sugerido corresponde a 2,2% do total das riquezas produzidas por eles, e os US$ 6,7 trilhões, a 11% do PIB dos ricos, cujos déficits fiscais e endividamento estão crescendo.

O resultado é que foi jogado o problema crônico do subfinanciamento para a reunião seguinte, a se realizar em Belém em novembro de 2025 (COP30). Criou-se um “mapa do caminho” Baku-Belém, no qual Azerbaijão e Brasil procurarão propor meios e formas para que se chegue ao US$ 1,3 trilhão almejado. A discussão vai vazar para uma COP que tem outros problemas difíceis pela frente. O Brasil e o mundo esperam que até Belém os países aumentem muito suas ambições de redução das emissões de CO2. Até fevereiro, espera-se que os países participantes façam uma revisão de suas metas e as tornem compatíveis com o objetivo do Acordo de Paris, de impedir um aquecimento superior a 1,5º C.

Nessa missão, as COPs têm falhado em grande estilo. Segundo o mais recente relatório da ONU, as emissões teriam de cair 42% até 2030, mas continuam aumentando. Até 2035, será preciso um corte de 57% em relação ao nível de 2019 para que ainda seja possível atingir a meta. Mas mesmo para evitar que a temperatura suba 2º C será preciso agora cortes nada triviais de 37% até lá.

Os países ricos pedem que alguns emergentes entrem na roda como financiadores. O argumento correto de que os países industrializados são os maiores responsáveis pelo maior volume de CO2 lançado na atmosfera e de que por isso lhes cabe o maior encargo financeiro de limpar o planeta agora passou a valer também para a China. No inventário das emissões históricas, de 1850 a 2022, a China já se igualou às 300 gigatoneladas dos 27 membros da União Europeia.

Além disso, as emissões estão crescendo apenas nos emergentes e caindo nos países desenvolvidos. Segundo a ONU, a China aumentou em 5,2% suas emissões em 2023 - o total somado lançado por Estados Unidos, União Europeia, Rússia e Brasil. No ano passado, os países que mais poluíram a atmosfera foram China, Índia (+ 6,1%) e Rússia (+ 2%). As emissões dos EUA caíram 1,4% e as da UE, 7,5%.

Ainda que sejam o único fórum global de discussão e tomada de decisões (por consenso) existente, as COPs, pela sua governança, só têm produzido resultados muito aquém do que seria necessário pela gravidade da situação climática e, ademais, com atraso exasperante. Os países do G20 emitem 77% do total, e a eles caberia a iniciativa principal em decidir como fazer para deter o aquecimento global e mobilizar recursos. Decisões focadas pelos atores mais relevantes poderiam ser mais eficazes do que 195 países se reunirem e aguardarem um consenso que se arrasta pelo mínimo divisor comum, insuficiente diante da catástrofe climática a caminho.

A exemplar eleição tediosa no Uruguai

Folha de S. Paulo

Vencida pela esquerda, disputa se deu com convívio democrático e sensatez de propostas, destoando do populismo na região

"Façam com que a política seja tediosa novamente". Esse mote, criado como resposta à onda populista global do último decênio, foi seguido pelos uruguaios nas eleições encerradas no domingo (24). Felizmente.

Com 51,22% dos votos válidos, o vencedor foi Yamandú Orsi, candidato da coalizão de esquerda e centro-esquerda Frente Ampla, que voltará ao poder após cinco anos do governo de centro-direita de Luis Lacalle Pou —a legislação não permite reeleição. Tal alteração do espectro ideológico na gestão, contudo, não representa mudança brusca de rota.

Tanto Orsi quanto seu oponente, o governista Álvaro Delgado (Partido Nacional), que obteve 47,13% dos votos, apresentaram programas ausentes de radicalismos em setores cruciais, como a política econômica, e sem apelos sensacionalistas a temas polêmicos na seara do comportamento.

Um confronto talvez enfadonho, mas virtuoso na América Latina plena de populismos.

No MéxicoClaudia Sheinbaum venceu numa campanha cheia de violência, que incluiu assassinatos de candidatos, e após medidas extremas contra os sistemas eleitoral e jurídico instituídas por seu padrinho, o presidente Andrés Manuel López Obrador.

Em El SalvadorNayib Bukele foi reeleito apesar de a Constituição vetar esse procedimento. Ademais, infringe liberdades civis e, desde 2022, governa sob estado de exceção. Nicolás Maduro, na Venezuela, mantém sua ditadura brutal após eleições descaradamente fraudadas.

O ultraliberal argentino Javier Milei incita a intolerância a adversários e se alinha a outro populista disruptivo, o americano Donald Trump, reeleito para comandar a maior potência econômica e militar do planeta.

No Brasil a polarização se acirrou com a ascensão do bolsonarismo, que levou a tramas golpistas ora sob apuração, enquanto a esquerda liderada pelo PT, embora fiel à democracia, não abandona teses econômicas obsoletas nem autocratas do mesmo credo.

Uruguai destoa desse cenário de excessos. Exemplo disso foi a recusa, por cerca de 60% dos votantes, de uma reforma que propunha diminuir a idade mínima da aposentadoria para 60 anos.

A consulta foi feita por plebiscito no primeiro turno do pleito, e até na Frente Ampla só alas radicais minoritárias defendiam a ideia, oriunda de uma central sindical, capaz de causar um rombo no sistema previdenciário.

A moderação faz parte da história recente do Uruguai —um país com cerca de 3,5 milhões de habitantes que tem o maior PIB per capita da América do Sul e o segundo melhor Índice de Desenvolvimento Humano da região, atrás apenas do Chile.

Obviamente o vizinho não está livre de mazelas, que vão do avanço da violência ligada ao narcotráfico a uma longa crise demográfica com envelhecimento e queda da população. Mas sua experiência de civilidade e bom convívio democrático deveria servir de exemplo para a região.

Política fiscal perdeu o benefício da dúvida

Folha de S. Paulo

Governo Lula mina credibilidade com vícios como subestimar gasto previdenciário, cuja projeção subiu R$ 31 bi no ano

No que diz respeito à saúde das contas públicas, as atenções da sociedade estão compreensivelmente concentradas no prometido pacote de medidas destinadas a conter a expansão dos gastos do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Não pode passar em branco, porém, a permanência alarmante de vícios da administração petista no trato do Orçamento.

Um caso vexatório se dá na subestimação escancarada das despesas do Tesouro nas projeções oficiais —que contribui para a corrosão da credibilidade da política econômica. Nos últimos dias, vieram à tona novos e vultosos números sobre o tema.

Com a divulgação protocolar do quinto relatório bimestral de reavaliação orçamentária, os ministérios da área econômica fizeram saber que os desembolsos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foram mais uma vez reestimados para cima, desta vez em R$ 8,2 bilhões ante o cálculo de apenas dois meses antes.

Desde o início do ano, essa rubrica —a maior do governo federal— já foi reajustada em desmesurados R$ 31 bilhões, chegando agora a R$ 939,6 bilhões.

É pouco plausível que uma diferença dessa magnitude decorra de mero erro de cálculo, ainda mais porque analistas diversos apontavam há meses que os valores da lei orçamentária pareciam irrealistas. Como tampouco houve alguma corrida inesperada por aposentadorias e outros benefícios, o mais provável é que o governo tenha se amparado em otimismo excessivo.

Não terá sido a primeira vez —e já sobram dúvidas quanto ao Orçamento do próximo ano.

Espanta, de todo modo, que a gestão petista não tenha aprendido que tal prática gera, quando muito, vantagens efêmeras como adiar ajustes de gastos. Cedo ou tarde, a realidade se impõe.

A meta para o saldo do Tesouro neste ano poderá ser cumprida, graças à margem de tolerância e às brechas previstas em lei, mais a ajuda de um crescimento da economia e da arrecadação acima do esperado. Entretanto há e haverá um preço elevado a pagar pelo descrédito das promessas e das projeções de Brasília.

Cotações do dólarinflação e juros estão em alta devido à percepção de que as atuais regras fiscais são insustentáveis, e em prazos nem tão longos. O governo Lula precisa apresentar providências imediatas e indicar que elas serão suficientes para estancar a escalada da dívida pública.

Fazê-lo quando não há confiança em números e compromissos é muito difícil. Por mais de um motivo, a política fiscal perdeu o benefício da dúvida.

O resultado possível da conferência do clima

O Estado de S. Paulo

COP-29 gerou frustração no financiamento para os países mais pobres enfrentarem as mudanças climáticas e impôs desafios extras à COP-30, no Brasil. Mas isso não significa desesperança

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-29) deste ano, realizada em Baku, no Azerbaijão, definiu uma nova meta de financiamento climático: US$ 300 bilhões anuais, até 2035, será o valor pago pelas nações ricas para os países em desenvolvimento enfrentarem as mudanças climáticas. A cifra não é muito maior do que a meta anterior (de US$ 100 bilhões) e está muito aquém do necessário, segundo projeções internacionais. O pessimismo já era evidente, mas o desfecho foi considerado frustrante e inspirou análises sombrias sobre a falta de vontade política, a ausência de uma liderança central que promovesse uma concertação eficaz e a indefinição de como virão os recursos e como serão aplicados.

Apesar disso, convém cautela para que o mundo não embarque nem no catastrofismo nem no desespero, não só porque um impasse favoreceria a inércia dos negacionistas, mas também porque há avanços em curso que precisam ser registrados. É o caso dos movimentos regulatórios do mercado de carbono, do estímulo crescente à descarbonização, dos novos mecanismos pensados para reduzir o risco climático em países em desenvolvimento e até mesmo as mudanças na arquitetura financeira global, de modo a fazê-la suportar a pressão que a emergência climática trará nas próximas décadas.

Previsivelmente, ambientalistas consideraram a COP-29 um fracasso, uma “sentença de morte para inúmeras pessoas”, segundo palavras da ativista Greta Thumberg. Um impotente secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que esperava um resultado “mais ambicioso”, enquanto alguns dos principais arquitetos do multilateralismo climático – como Ban Ki-moon, ex-secretário-geral da ONU, e Christiana Figueres, ex-secretária executiva da organização guarda-chuva da COP, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – chegaram a criticar o processo, pedindo uma reforma para uma governança que seja “mais adequada ao propósito”.

As críticas acabaram amplificadas pela simbologia de 2024, que deve ser o ano mais quente já registrado. Mas não dá para avaliar a COP-29 desconsiderando o seu contexto. As negociações em Baku começaram afetadas pela eleição de Donald Trump nos EUA. Ele, afinal, promete iniciar seu mandato tirando o país do Acordo de Paris e até da Convenção do Clima. Com isso, o peso das finanças recaiu sobre a União Europeia, que não quer arcar sozinha com o financiamento climático do mundo em desenvolvimento, sobretudo diante das crises que o bloco enfrenta, como a ascensão de forças de direita explicitamente hostis à pauta climática, a instabilidade política e econômica na Alemanha e uma França em crise orçamentária.

E há a China, cuja responsabilidade pelas mudanças climáticas tornou-se incontroversa. O modelo, desenhado em 1992, é hoje um contrassenso. O financiamento caberia aos países ricos e industrializados, enquanto países como China, Índia e Arábia Saudita ainda são classificados como “em desenvolvimento” pela Convenção-Quadro das Nações Unidas, todos protegidos sob o manto do tal “Sul Global”. Hoje, no entanto, essa distinção não faz mais sentido. Primeiro pela potência que a China é. Segundo porque os chineses geram hoje praticamente o dobro de emissões dos EUA e é responsável por 90% do crescimento das emissões de carbono desde 2015. Ainda que a China tenha fornecido dinheiro para outros países em desenvolvimento e seja um líder global em investimento e expansão de energia limpa, faltam-lhe compromisso e transparência.

Esse é um dos vespeiros com os quais o Brasil e os outros países precisarão lidar até a COP-30, que ocorrerá em Belém (PA), em 2025. A palidez da COP-29 exigirá mais da COP-30, com a presidência brasileira, não só para ajudar a restaurar as negociações climáticas, como também para retomar a confiança no regime multilateral, que saiu de Baku com mais fraturas. No Azerbaijão, o ditador local, Ilham Aliyev, elogiou o petróleo como um “presente de Deus”. No Brasil, o presidente Lula da Silva e a ministra Marina Silva precisarão mostrar que o País tem mais a oferecer do que belas palavras em favor da transição. Não haverá vida fácil até lá, mas ainda assim os prognósticos estão longe de resumir-se a um horizonte sombrio e desesperançado.

O insustentável vício lulopetista

O Estado de S. Paulo

O MEC promete oferecer bolsa para incentivar docentes, nos moldes do Pé-de-Meia. Um efeito direto da confusão que Lula faz entre estímulo financeiro imediato com solução estrutural

O Ministério da Educação (MEC) promete lançar um pacote de benefícios para valorização de professores, incluindo um programa de transferência de renda destinado a estimular estudantes a ingressar em cursos de licenciatura e uma bolsa adicional para o professor que queira ir para determinada região onde hoje há menos professores. Para o primeiro caso, a inspiração do ministro Camilo Santana é o Mais Médicos, programa criado para tentar suprir a carência de médicos no interior do Brasil. Para o segundo, o MEC inspira-se no Pé-de-Meia, sucesso de público e de crítica que funciona como uma poupança para estudantes do Ensino Médio, incentivando-os financeiramente à permanência e à conclusão. A inspiração é louvável, e o problema diagnosticado, real. Mas o projeto ainda em gestação revela um vício irrefreável do governo de Lula da Silva: a convicção de que boa parte dos problemas nacionais será resolvida com bolsas.

É um dinheiro fácil e rápido que se converte num fim em si mesmo. E assim o incentivo financeiro emergencial se torna sinônimo de solução estrutural. Há uma pletora de iniciativas do gênero: no próprio MEC, estuda-se a extensão do Pé-de-Meia para estudantes universitários de baixa renda matriculados em instituições públicas e privadas, incorporando-se aos benefícios já concedidos hoje via ProUni e Fies, em que o governo paga parte ou toda a mensalidade para os alunos, e eles ficam com uma dívida com o governo. No passado recente, a explosão de bolsas no setor educacional fez fortunas e gerou calotes. Há outros exemplos, em que se misturam iniciativas temporárias – como o Auxílio Construção, destinado à população do Rio Grande do Sul afetada pelas enchentes – e outras transformadas em benefícios permanentes, como o seguro-defeso, destinado ao pescador artesanal, e o Benefício de Prestação Continuada, voltado para os idosos e pessoas com deficiência.

Desde que os programas de transferência de renda, consumados e simbolizados no Bolsa Família, se tornaram patrimônio nacional, os governos lulopetistas levaram a medida ao paroxismo. A onda transformou-se em obsessão de Lula e seus exegetas, invariavelmente preocupados com os índices de aprovação do governo e do presidente, além de ansiosos por assegurar dividendos políticos imediatos – o que costuma levar ministros a constantemente pensar em soluções do gênero, como o abortado “estudo” para a criação do vale-carne, uma ideia burlesca atribuída ao ministro Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.

O professor e ex-ministro Mario Henrique Simonsen ensinava: “O problema mais difícil do mundo, bem enunciado, um dia será resolvido. O problema mais fácil do mundo, mal enunciado, jamais será resolvido”. Bem enunciados, problemas como o desinteresse dos estudantes pelo Ensino Médio ou a baixa valorização de professores (e a reduzida qualificação em sua formação em áreas básicas) podem ser resolvidos com políticas que atinjam as causas, e não apenas as consequências. O ministro Camilo Santana é reconhecido especialista na arte de executar boas políticas públicas educacionais de longo prazo. Como, porém, é parte da cultura “bolsista” do governo Lula, pode acabar tisnado pela busca incessante de resultados imediatos.

Recentemente, um dos criadores do Bolsa Família, o economista Ricardo Paes de Barros, publicou um artigo no site do Insper com diretrizes para o desenho de uma política de superação da pobreza. Escreveu: “Uma efetiva e duradoura superação da pobreza só ocorre quando há geração de renda pelo trabalho de forma autônoma. Portanto, a superação da pobreza requer um processo de inclusão produtiva bem-sucedido”. Ou seja, um bom modelo pressupõe transferência de renda focalizada, com o acompanhamento individualizado de famílias vulneráveis, para identificar serviços e oportunidades que visem à geração de renda autônoma.

Essa lição deveria inspirar as respostas aos desafios da educação. Mas, sob a influência lulista, o risco é o governo tentar resolver um problema difícil com soluções demasiadamente fáceis, isto é, ceder à insustentável tentação de mais e mais bolsas e deixar em segundo plano as condições para avanços autônomos e de longo prazo.

Cheiro de inflação no ar

O Estado de S. Paulo

Expectativa piora rapidamente e fica cada vez mais próxima de se tornar fato consumado

O mercado elevou sua previsão para a inflação do ano que vem de 4,12% para 4,34%, segundo a mais recente edição do Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central (BC). Foi uma pancada e tanto em um curtíssimo espaço de tempo, ainda mais quando se considera que o BC não divulga a média, mas a mediana das expectativas, uma medida que reduz a chance de distorções que poderiam ser ocasionadas por poucas projeções muito altas ou muito baixas.

Foi a sexta semana consecutiva de piora em expectativas para o IPCA de 2025, e o mercado já projeta que a inflação ficará acima do teto da meta, de 4,5%, ao longo de todo o primeiro semestre do ano que vem. Dólar em elevação, alimentos mais caros, consumo das famílias em alta e desemprego em nível historicamente baixo têm feito muitos bancos e corretoras ajustarem suas expectativas a uma conjuntura mais desafiadora nos próximos meses.

Também no Boletim Focus, a previsão para a inflação para 2026 passou de 3,70% para 3,78%, e a de 2027, de 3,50% para 3,51%, após 72 semanas seguidas sem registrar qualquer variação. O dólar para o fim de 2024 passou de R$ 5,60 para R$ 5,70 e, com isso, a expectativa para o IGP-M, índice usado como referência para o reajuste de aluguéis e que sofre mais influência do câmbio, subiu de 5,45% para 5,98% para o fim deste ano.

O reconhecimento desse cenário mais adverso já não é mais exclusividade do mercado. Na semana passada, o Ministério da Fazenda elevou sua estimativa para a inflação deste ano de 4,25% para 4,4%, e, para a de 2025, de 3,4% para 3,6%. As previsões da Fazenda são mais modestas que as calculadas por analistas de bancos e corretoras, mas avançam na mesma direção.

O governo, por óbvio, preferiu destacar suas projeções para o crescimento do PIB, de 3,3% neste ano e de 2,5% em 2025, melhores que as do mercado, de 3,17% e 1,95%, respectivamente. Mas o que realmente tem chamado a atenção são a rapidez e a intensidade com que as expectativas têm piorado, um cenário que as deixa cada vez mais próximas de se tornarem um fato consumado, alertou o economista José Roberto Mendonça de Barros.

Em recente entrevista ao Estadão, Mendonça de Barros ressaltou que a inflação voltou a entrar no radar dos investidores. “O que mais preocupa é que a inflação encostou em 5%. Não é que ela encostou no teto da meta; ela encostou em 5%”, afirmou. “É muito mais perigoso o negócio da inflação do que parece”, acrescentou.

Tudo isso torna ainda mais incompreensível a demora do governo Lula da Silva em anunciar de uma vez o ajuste fiscal, única maneira de interromper a piora das expectativas. O mercado está preocupado com o cenário, mas tem como se proteger.

Já o Executivo não parece compreender a gravidade da situação, age como se estivesse imune a esses riscos e ignora que os preços mais elevados em breve chegarão aos preços dos itens nas gôndolas dos supermercados. Negar essa realidade não fará com que ela desapareça e, como lembrou Mendonça de Barros, uma inflação elevada derruba a avaliação de qualquer governo.

Urge um combate mais eficaz ao feminicídio

Correio Braziliense

É hora de rever estratégias e ações, até agora inócuas, e construir políticas públicas que, realmente, protejam a vida das mulheres

Uma mulher morre a cada 10 minutos vítima do parceiro ou de familiares, revela o relatório da ONU Mulheres divulgado ontem. Ao longo do ano passado, 85 mil foram assassinadas intencionalmente. Pelo menos 60% desses crimes ocorreram dentro do ambiente familiar, cometidos pelo marido ou pelo ex-companheiro. O feminicídio não tem nacionalidade. Ocorre em todo o planeta e em quaisquer camadas sociais ou faixas etárias.

No Brasil, em 2023, foram registradas 1.463 vítimas, um aumento de 1,6% na comparação com 2022, conforme levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Na série histórica do FBSP, esse foi o maior número desde a entrada em vigor da Lei nº 3.104/2015, a Lei do Feminicídio. Entre 2015 e 2023, 10.655 perderam a vida em razão dessa hedionda covardia dos homens — marido, namorado ou ex-companheiro, casado ou não com a vítima.

O Centro-Oeste aparece como a região mais violenta para as mulheres, com uma taxa de 2 mortes por 100 mil — 43% acima da média —, seguido pela Região Norte, com taxa de 1,6/100 mil mulheres, pelo Sudeste (1,2), Nordeste (1,4) e Sul (1,5). Em números absolutos, o Distrito Federal registrou 34 feminicídios em 2023 — 78,9% a mais do que no ano anterior. Em Minas Gerais, no mesmo período, ocorreram 183, contra 171 em 2022 — aumento de 7%.

Números tão expressivos no Brasil e lá fora exigem uma reação com proporções equiparadas. Nesse sentido, a ONU Mulheres iniciou, ontem, a campanha 16 dias de Ativismo pelo da Fim da Violência contra as Mulheres, uma iniciativa global que começa no Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres e termina no Dia Internacional dos Diretos Humanos. No Brasil, há campanha semelhante, mas estendida: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) começou a mobilização de 21 dias a partir do feriado nacional da Consciência Negra, em 20 de novembro.

Essas iniciativas têm relevante importância, sobretudo para alertar o universo feminino e, ao mesmo tempo, cobrar do poder público políticas, programas e ações que garantam segurança às mulheres. São demandas que se impõem, como revela a pesquisa Medo, ameaça e risco: percepções e vivências das mulheres sobre violência doméstica e feminicídio, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Consulting do Brasil, com apoio do Ministério das Mulheres, e também divulgada ontem.

A sondagem estima que 17 milhões de brasileiras viveram, ou vivem, o risco de serem vítimas de feminicídio. Há ainda uma sensação de desproteção e desamparo: 84,5% das entrevistadas responderam que "não adianta a mulher ter uma medida protetiva se o agressor não respeita e a polícia não garante a segurança dela". Na compreensão de 60%, "todo feminicídio pode ser evitado se a mulher receber proteção do Estado e da sociedade".

A cultura de que a mulher é um objeto de propriedade do homem ainda é muito forte no país e alimentada pela discriminação, que leva à rejeição da paridade e da igualdade de gêneros nos mais diferentes escalões nos órgãos públicos e nas empresas privadas. A falta de uma educação alinhada com a contemporaneidade contribui para calcificar essa inverdade prejudicial e letal nas relações de gêneros.

Os organismos de Estado se reúnem, debatem, planejam políticas, mas não eliminam a sensação de que tais providências são ineficazes, pois a matança de mulheres por homens covardes é rotineira. É hora, portanto, de rever estratégias e ações, até agora inócuas, e construir políticas públicas que, realmente, protejam a vida das mulheres.

 

Um comentário:

Mais um amador disse...

Independentemente do candidato que tenha sido eleito, parabéns aos uruguaios.