Folha de S. Paulo
O que ocorreu entre a redação do decreto de
estado de sítio e a fuga de Bolsonaro para a Flórida?
Em novembro de 1955, a revista Manchete
espantou os leitores. Em vez de Martha Rocha, Sophia Loren ou outra beldade
nacional ou internacional vestindo maiô, a capa colorida exibia a figura de um
general. Fardado. Em longo depoimento, Henrique Teixeira Lott, então ministro
da Guerra, narrou os bastidores da tentativa de golpe militar contra o
presidente eleito que ele, Lott, praticamente sozinho e usando as mesmas armas,
havia desbaratado uma semana antes.
O general aplicou um contragolpe para garantir a posse de Juscelino Kubitschek, cuja eleição, sem a maioria absoluta de votos, havia deflagrado o movimento dos quartéis, por trás do qual estava o infatigável Carlos Lacerda. Com a intervenção de Lott, o presidente interino, Carlos Luz, foi obrigado a refugiar-se a bordo do cruzador Tamandaré. Seu chefe de polícia, coronel Menezes Cortes, foi preso. Em janeiro de 1956, JK assumiu a Presidência.
Ao dar a corajosa entrevista, o militar
legalista (mais tarde candidato derrotado nas eleições presidenciais de 1960)
foi copidescado por Otto Lara Resende, verdadeiro autor de expressões que
entraram para a história, como "retorno aos quadros constitucionais
vigentes". De qualquer maneira, Lott pacificou o país, evitando o golpe
adiado pelo suicídio de Getúlio em 1954 e finalmente consumado em 1964.
Sessenta e sete anos depois —de novo em
novembro—, tramava-se mais uma arapuca contra
o presidente eleito. No dia 9, o general Mário Fernandes usou o computador do
Planalto para imprimir o documento com detalhes da operação para eliminar Lula,
Alckmin e Moraes.
No dia 7 de dezembro, jair
Bolsonaro se reuniu com os comandantes das Forças Armadas,
apresentando-lhes a minuta de decreto que previa "o estado de sítio dentro
das quatros linhas". O general Freire Gomes declarou à PF que se opôs ao
plano dos militares palacianos. No dia 30, o capitão fugiu para a Flórida.
Ainda não se sabe se, nesse ínterim, houve uma ação preventiva ou um golpe
dentro do golpe.
O certo é que ninguém deu entrevista. Otto morreu em 1992. A Manchete foi para as cucuias. Os aloprados continuam vivos, soltos e conspirando contra a democracia.
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