Valor Econômico
Política econômica de Trump e corte de gastos
prestes a ser anunciado terão grande influência sobre as perspectivas
econômicas dos próximos dois anos - e, por tabela, sobre as chances de
reeleição
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva vive um momento crítico diante de dois eventos decisivos para a segunda
metade de seu governo: os rumos da política econômica do recém-eleito Donald
Trump nos EUA e o pacote de corte de gastos que a equipe econômica está prestes
a anunciar. Combinados, ambos terão grande influência sobre as perspectivas
econômicas dos próximos dois anos - e, por tabela, sobre as chances de
reeleição de Lula.
Os efeitos mais importantes da eleição de Trump sobre o futuro político do Brasil não virão da relação bilateral, que certamente será difícil, mas das políticas que o norte-americano promete adotar, que têm potencial para gerar mais inflação nos EUA e reduzir o crescimento global. Se Trump cumprir suas promessas eleitorais, o mundo caminhará para um dólar mais forte, juros mais altos e moedas mais fracas em mercados emergentes como o Brasil. Este cenário dificultaria a política econômica brasileira, e traria ventos econômicos externos desfavoráveis para o Palácio do Planalto às vésperas de uma eleição presidencial.
As medidas que Trump promete implementar têm
três frentes: comercial, imigratória e fiscal. Todas com perspectivas pouco
animadoras para os países em desenvolvimento. Em política comercial, o futuro
presidente dos EUA promete taxar em 60% todos os produtos vindos da China, e em
10% a 20% os das demais origens. Em política de imigração, a promessa é
deportar entre 11 e 15 milhões de imigrantes ilegais. E, em política fiscal,
reduzir impostos, o que pode aumentar o déficit.
A soma dessas promessas - especialmente as
duas primeiras -pode resultar em mais inflação nos EUA e tem potencial para
encurtar a trajetória de queda dos juros por lá. Segundo o Peterson Institute,
um renomado instituto de pesquisa econômica de Washington, se Trump encaminhar
as promessas de protecionismo comercial, a inflação nos EUA pode subir 1%, e o
crescimento econômico cair 1,8%.
O impacto na China seria maior. De acordo com
o mesmo instituto, se os EUA deportarem 1,3 milhões de imigrantes ilegais em
três anos (muito menos que os mais de 10 milhões prometidos), o PIB pode cair
2,1% e a inflação subir 1,3% no mesmo período.
A grande pergunta é se essas promessas
eleitorais serão mesmo colocadas em prática. Os otimistas focam mais no fato de
que o governo trará menos regulação para o setor produtivo, com menos impostos,
e relevam as promessas tarifárias e imigratórias que podem gerar mais inflação.
As nomeações de Howard Lutnick para o Departamento de Comércio e de Scott
Bessent para o Departamento do Tesouro são sinais construtivos para essa tese.
Ambos vêm de Wall Street, defendem uma política fiscal austera e claramente vão
trabalhar para suavizar qualquer aumento de tarifas. Eles também apontam para a
indicação de Elon Musk para um conselho que promete cortar gastos.
Mas a perspectiva pessimista, na qual Trump
coloca em prática suas políticas com efeito inflacionário, ainda parece mais
crível. Eleito com uma vitória acachapante, o presidente vai iniciar seu
segundo mandato com menos freios. Frustrado por ter sido “tolhido” por
assessores mais moderados em seu primeiro mandato, ele agora terá maioria nas
duas casas do Congresso, e só quatro anos para encaminhar sua agenda.
A eleição de 2026 será pautada pelos desafios
de fora e a capacidade do governo de mitigá-los com uma reforma fiscal
As indicações de Lutnick e Besset são
apaziguadoras para o mercado, mas ambos foram escolhidos por mostrarem lealdade
ferina ao ex-presidente - um traço que conduziu toda a escolha do secretariado
por Trump. Os escolhidos para o alto escalão do futuro governo têm uma visão
bastante contra a imigração e contra a China. Logo, é provável que Bessent e
Lutnick possam atenuar e escalonar a alta de tarifas protecionistas, mas não
impedi-la. Já deportações enfrentarão dificuldades logísticas - mas vão
certamente superar os números do primeiro mandato. As maiores dúvidas estão no
lado fiscal, mas a política em Washington não parece madura para cortes de
gastos.
Nesse contexto, o pacote de corte de gastos
que o governo Lula vem preparando ganha ainda mais relevância. Uma trajetória
de gastos insustentável tem levado ao aumento das expectativas de inflação,
contribuído para a desvalorização da moeda e para forçar o BC a aumentar juros.
Se o governo Trump entregar políticas que geram mais inflação nos EUA, fica
ainda mais difícil cortar juros por aqui.
A boa notícia é que Lula parece ter
reconhecido o perigo de não apresentar uma reforma para tentar alinhar uma
série de gastos obrigatórios com o arcabouço fiscal aprovado por seu governo em
2023. Logo, mudanças no abono salarial, no seguro-desemprego e nas regras de
reajuste do salário mínimo parecem prováveis. Mudanças nos pisos de educação e
saúde parecem possíveis, mas mais incertas. Mais importante que o valor que o
pacote deve economizar aos cofres públicos até 2026 é a qualidade das reformas
que afetam a trajetória de gastos.
Lula está na metade do mandato, com uma
aprovação popular de 50% graças ao aumento de dois dígitos na renda. Isso
coloca qualquer governante em uma posição vantajosa para se reeleger. Mas juros
mais elevados e um câmbio mais depreciado - indicadores que tendem a piorar se
Trump de fato entregar suas promessas eleitorais - vão colocar mais
dificuldades à frente para o governo Lula. Mesmo que uma reforma fiscal não
resulte em uma apreciação cambial ou abra espaço para reduzir juros de forma
relevante, ao menos pode evitar uma deterioração mais profunda que leve a mais
inflação.
No fundo, a eleição de 2026 será pautada
exatamente por esses fatores econômicos: os desafios vindos de fora e a
capacidade do governo de mitigá-los com uma reforma fiscal. É a economia que
vai pautar o resultado das urnas em 2026 - não fatores culturais ou uma suposta
“onda da direita”.
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