Valor Econômico
O Centrão precisa acordar. Lideranças de
partidos de centro-direita e direita continuam alimentando os corvos que
poderão comer seu poder no próximo quadriênio
O que pode ocorrer de pior do que o embargo
econômico americano sobre o Brasil, causado pela aliança entre o presidente
Trump e o bolsonarismo? Quase nenhuma notícia dos últimos 40 anos foi tão ruim
como essa, com exceção da pandemia de covid-19, sobretudo pela forma desastrosa
como o presidente Bolsonaro lidou com essa crise.
Mas há algo ainda mais grave que pode
acontecer: a vitória de um grupo político em 2026 que defenda as mesmas ideias
do trumpismo. Entender o que seria esse efeito Orloff é um bom exercício para
compreender os riscos presentes na eleição geral de 2026.
Para quem não lembra, o efeito Orloff relacionava-se com uma propaganda de bebida da década de 1980. Nela, o protagonista acordava com uma baita ressaca, gerando a célebre frase: “Eu sou você amanhã”. Essa ideia comparou Brasil e Argentina, principalmente nos anos 1990, pensando sempre que o que estava ruim num lugar se repetiria depois no outro.
Eram dois países classificados como não
desenvolvidos, competindo para ver quem errava menos - ou torcendo para que o
outro repetisse os erros do primeiro. Numa reversão impressionante da história,
o perigo da cópia do desastre vem hoje do hemisfério Norte desenvolvido, mais
especificamente do país mais rico do mundo.
Agora os Estados Unidos de Trump podem ser o
novo efeito Orloff do Brasil. No espelho do que eles têm feito hoje pode-se
pensar no que poderemos ser amanhã, caso copiemos a fórmula trumpista, hoje
defendida fortemente pelos bolsonaristas e envergonhadamente por governadores
que querem os votos dos eleitores de Bolsonaro, embora tentem não ficar com a
marca do radicalismo.
O trumpismo está produzindo uma série de
males para os EUA, país cuja democracia sempre inspirou o mundo e com alavancas
de desenvolvimento que eram invejadas por todos. O desastre trumpista passa
especialmente pelas suas ações destinadas a enfraquecer as instituições
americanas. Há muita coisa calamitosa sendo feita aqui, todas feitas em prol do
aumento do poder autocrático de Trump.
Entre essas tragédias, três poderiam ser
destacadas porque podem dialogar com o caso brasileiro: a tentativa de o
governo federal comandar os estados e as grandes cidades, a redução drástica de
importância do Congresso Nacional no processo decisório e a destruição da
administração pública federal.
Antes de analisar esses três desmantelamentos
institucionais, vale lembrar que a briga com as instituições já havia ocorrido
no primeiro governo de Trump. Foi uma guerra que deixou sequelas na democracia
americana, mas ao final o trumpismo perdeu duas vezes, na eleição presidencial
(vencida por Biden, em 2020) e na tentativa fracassada de golpe de Estado, no
fatídico 6 de janeiro.
O segundo governo se dá num novo cenário:
Trump está mais forte, montou um modelo em que não há nenhum contrapeso a ele e
os defensores da democracia estão zonzos, com dificuldades de segurar o
arcabouço institucional montado a muito custo por quase 250 anos. Assim, sua
capacidade de alterar o governo americano e o papel dos EUA no mundo é quase de
um poder revolucionário, pronto para redesenhar bruscamente as regras e
práticas do jogo interno e externo.
O enfraquecimento do federalismo é um dos
principais objetivos do segundo governo Trump. Ele precisa enfraquecer,
deslegitimar e até humilhar em praça pública governantes subnacionais que sejam
do Partido Democrata - claro que se algum mandatário republicano não seguir os
passos do chefe federal, também será punido.
No modelo federativo americano pensado por
James Madison, os estados e, mais recentemente, as grandes cidades são
contrapesos à concentração indevida de poder na União. Foi esse equilíbrio
federativo que evitou o pior na pandemia da covid-19, quando Trump adotou uma
política equivocada.
Transformar os governos estaduais e das
grandes cidades em correias de transmissão do governo federal é um tiro no
coração da democracia americana. Em sua proposta de autocracia centralizadora,
é isso que está ocorrendo sob Trump: um governo central capaz de intervir
cotidianamente no poder dos governadores e prefeitos mais importantes. Imagine
se isso se repetir no Brasil.
É preciso que os governadores brasileiros e
os candidatos a tal posto se manifestem se querem o modelo trumpista por aqui,
dizendo aos seus eleitores que o orgulho estadual do gaúcho, do paulista, do
mineiro e do cearense são menos importantes que a obediência ao presidente
todo-poderoso de Brasília. Não adianta dizer que isso não se repetirá em nossa
Federação. Quem apoiar e for apoiado por Trump, tenderá a seguir os mesmos
métodos.
Trump enfraqueceu também o Congresso de uma
forma inédita na história americana. Ao obter maioria em ambas as casas, mesmo
que tênue, conseguiu transformar os congressistas republicanos em meros
seguidores do presidente, como aqueles robôs das redes sociais. As grandes
decisões nacionais estão passando ao largo do Legislativo.
Seria inimaginável antes desse segundo
governo trumpista acontecer uma revolução nas tarifas aplicadas aos outros
países sem que isso fosse minimamente discutido e votado pelos deputados e
senadores. Dito de outra forma: a maior revolução de política externa das
últimas décadas está sendo decidida solitária e autocraticamente por Trump.
Se o modelo trumpista de tornar o Congresso
pouco ou quase nada relevante nas políticas públicas repetir-se num Brasil
comandado pelo satélite bolsonarista, duas consequências negativas são
esperadas. A primeira e óbvia é o reforço do poder do Executivo federal, que
sem contrapesos parlamentares poderia deixar a boiada das medidas autocráticas
passar. No bojo desse processo, o grupo político que mais perderia poder de
barganha no processo decisório seria o Centrão.
Muito se pode criticar o grupo que congrega a
maioria dos congressistas brasileiros, mas ele tem sido, muitas vezes, um poder
moderador de qualquer tentativa de concentração de poder. O Centrão precisa
acordar para o risco de se repetir o modelo Trump em terras tropicais, que, se
vier com mais força num bolsonarismo turbinado, será pouco relevante saber quem
serão os futuros presidentes da Câmara e do Senado.
O trágico nesta história é que lideranças de
partidos de centro-direita e direita continuam alimentando os corvos que
poderão comer seu poder no próximo quadriênio.
A destruição da administração pública federal
é outro desastre provocado pelo trumpismo. Demissões em massa, destruição de
áreas estratégicas da burocracia, a enorme redução dos recursos federais
voltados aos mais pobres, a destituição da secretária de Estatísticas Trabalhistas
(Erika McEntarfer), responsável pela mensuração do desemprego e a ameaça de
processo contra o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell. Desmantelar a
estrutura burocrática tem um objetivo básico: governar sem contrapesos
técnicos, como os reis e autocratas podem fazer.
A reprodução desse modelo no Brasil é bem
provável se houver uma volta dos bolsonaristas ao poder. A burocracia federal
foi fundamental para resistir a muitas das decisões equivocadas e autocráticas
de Bolsonaro. Mas num segundo governo esse vetor tende a vir mais forte, até
como vingança em relação àqueles que seguraram o SUS e evitaram uma mudança
drástica na política externa, por exemplo. Daí que o eleitorado e o
funcionalismo público de todo o país precisam ser avisados de mais um efeito
deletério de se copiar o trumpismo.
A política trumpista tem muitos outros
equívocos cuja reprodução no Brasil seria uma catástrofe. Por exemplo, se
ficarmos alinhados de forma carnal com o governo Trump, haverá uma pressão para
se escolher entre os EUA e a China, e o enfraquecimento das relações com a
potência asiática significará a perda de milhões de empregos no Brasil e a
bancarrota de grande parte do agronegócio brasileiro.
Sabotar as universidades e a educação
pública, como está ocorrendo tragicamente nos Estados Unidos, seria ainda pior
no caso brasileiro, porque ainda estamos muito atrasados no campo educacional,
com efeitos enormes na desigualdade e no padrão de desenvolvimento.
Ainda haverá muitos com dúvida se isso pode
se repetir no Brasil. Afinal, quando foi presidente, Bolsonaro tentou várias
dessas medidas, mas não conseguiu se tornar um autocrata. Porém, os estragos
foram grandes: desmatamento recorde, destruição do MEC, um enorme absurdo de
mortos por covid-19, emparedamento diário dos governadores, ameaças constantes
a todos os Poderes da República e, como corolário, a tentativa de um golpe do
Estado, cujas consequências continuam envenenando o ambiente político,
dificultando que o país se concentre nas questões relevantes para seu futuro.
Uma nova vitória do bolsonarismo ou de alguém
apoiado pelo bolsonarismo selará uma aliança de subordinação com o trumpismo,
num grau de subserviência não só entre os países, mas entre os dois grupos
governantes, com um domínio incontrastável de Trump sobre os seus parceiros da
extrema direita brasileira.
Eduardo Bolsonaro está anunciando essa possibilidade, e ela é crível. Por isso, a reprodução subordinada do modelo trumpista no Brasil, com todas as suas vicissitudes, deveria ser um dos temas principais da campanha eleitoral de 2026.
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