sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Trumpismo seria o Brasil de amanhã? Por Fernando Abrucio

Valor Econômico

O Centrão precisa acordar. Lideranças de partidos de centro-direita e direita continuam alimentando os corvos que poderão comer seu poder no próximo quadriênio

O que pode ocorrer de pior do que o embargo econômico americano sobre o Brasil, causado pela aliança entre o presidente Trump e o bolsonarismo? Quase nenhuma notícia dos últimos 40 anos foi tão ruim como essa, com exceção da pandemia de covid-19, sobretudo pela forma desastrosa como o presidente Bolsonaro lidou com essa crise.

Mas há algo ainda mais grave que pode acontecer: a vitória de um grupo político em 2026 que defenda as mesmas ideias do trumpismo. Entender o que seria esse efeito Orloff é um bom exercício para compreender os riscos presentes na eleição geral de 2026.

Para quem não lembra, o efeito Orloff relacionava-se com uma propaganda de bebida da década de 1980. Nela, o protagonista acordava com uma baita ressaca, gerando a célebre frase: “Eu sou você amanhã”. Essa ideia comparou Brasil e Argentina, principalmente nos anos 1990, pensando sempre que o que estava ruim num lugar se repetiria depois no outro.

Eram dois países classificados como não desenvolvidos, competindo para ver quem errava menos - ou torcendo para que o outro repetisse os erros do primeiro. Numa reversão impressionante da história, o perigo da cópia do desastre vem hoje do hemisfério Norte desenvolvido, mais especificamente do país mais rico do mundo.

Agora os Estados Unidos de Trump podem ser o novo efeito Orloff do Brasil. No espelho do que eles têm feito hoje pode-se pensar no que poderemos ser amanhã, caso copiemos a fórmula trumpista, hoje defendida fortemente pelos bolsonaristas e envergonhadamente por governadores que querem os votos dos eleitores de Bolsonaro, embora tentem não ficar com a marca do radicalismo.

O trumpismo está produzindo uma série de males para os EUA, país cuja democracia sempre inspirou o mundo e com alavancas de desenvolvimento que eram invejadas por todos. O desastre trumpista passa especialmente pelas suas ações destinadas a enfraquecer as instituições americanas. Há muita coisa calamitosa sendo feita aqui, todas feitas em prol do aumento do poder autocrático de Trump.

Entre essas tragédias, três poderiam ser destacadas porque podem dialogar com o caso brasileiro: a tentativa de o governo federal comandar os estados e as grandes cidades, a redução drástica de importância do Congresso Nacional no processo decisório e a destruição da administração pública federal.

Antes de analisar esses três desmantelamentos institucionais, vale lembrar que a briga com as instituições já havia ocorrido no primeiro governo de Trump. Foi uma guerra que deixou sequelas na democracia americana, mas ao final o trumpismo perdeu duas vezes, na eleição presidencial (vencida por Biden, em 2020) e na tentativa fracassada de golpe de Estado, no fatídico 6 de janeiro.

O segundo governo se dá num novo cenário: Trump está mais forte, montou um modelo em que não há nenhum contrapeso a ele e os defensores da democracia estão zonzos, com dificuldades de segurar o arcabouço institucional montado a muito custo por quase 250 anos. Assim, sua capacidade de alterar o governo americano e o papel dos EUA no mundo é quase de um poder revolucionário, pronto para redesenhar bruscamente as regras e práticas do jogo interno e externo.

O enfraquecimento do federalismo é um dos principais objetivos do segundo governo Trump. Ele precisa enfraquecer, deslegitimar e até humilhar em praça pública governantes subnacionais que sejam do Partido Democrata - claro que se algum mandatário republicano não seguir os passos do chefe federal, também será punido.

No modelo federativo americano pensado por James Madison, os estados e, mais recentemente, as grandes cidades são contrapesos à concentração indevida de poder na União. Foi esse equilíbrio federativo que evitou o pior na pandemia da covid-19, quando Trump adotou uma política equivocada.

Transformar os governos estaduais e das grandes cidades em correias de transmissão do governo federal é um tiro no coração da democracia americana. Em sua proposta de autocracia centralizadora, é isso que está ocorrendo sob Trump: um governo central capaz de intervir cotidianamente no poder dos governadores e prefeitos mais importantes. Imagine se isso se repetir no Brasil.

É preciso que os governadores brasileiros e os candidatos a tal posto se manifestem se querem o modelo trumpista por aqui, dizendo aos seus eleitores que o orgulho estadual do gaúcho, do paulista, do mineiro e do cearense são menos importantes que a obediência ao presidente todo-poderoso de Brasília. Não adianta dizer que isso não se repetirá em nossa Federação. Quem apoiar e for apoiado por Trump, tenderá a seguir os mesmos métodos.

Trump enfraqueceu também o Congresso de uma forma inédita na história americana. Ao obter maioria em ambas as casas, mesmo que tênue, conseguiu transformar os congressistas republicanos em meros seguidores do presidente, como aqueles robôs das redes sociais. As grandes decisões nacionais estão passando ao largo do Legislativo.

Seria inimaginável antes desse segundo governo trumpista acontecer uma revolução nas tarifas aplicadas aos outros países sem que isso fosse minimamente discutido e votado pelos deputados e senadores. Dito de outra forma: a maior revolução de política externa das últimas décadas está sendo decidida solitária e autocraticamente por Trump.

Se o modelo trumpista de tornar o Congresso pouco ou quase nada relevante nas políticas públicas repetir-se num Brasil comandado pelo satélite bolsonarista, duas consequências negativas são esperadas. A primeira e óbvia é o reforço do poder do Executivo federal, que sem contrapesos parlamentares poderia deixar a boiada das medidas autocráticas passar. No bojo desse processo, o grupo político que mais perderia poder de barganha no processo decisório seria o Centrão.

Muito se pode criticar o grupo que congrega a maioria dos congressistas brasileiros, mas ele tem sido, muitas vezes, um poder moderador de qualquer tentativa de concentração de poder. O Centrão precisa acordar para o risco de se repetir o modelo Trump em terras tropicais, que, se vier com mais força num bolsonarismo turbinado, será pouco relevante saber quem serão os futuros presidentes da Câmara e do Senado.

O trágico nesta história é que lideranças de partidos de centro-direita e direita continuam alimentando os corvos que poderão comer seu poder no próximo quadriênio.

A destruição da administração pública federal é outro desastre provocado pelo trumpismo. Demissões em massa, destruição de áreas estratégicas da burocracia, a enorme redução dos recursos federais voltados aos mais pobres, a destituição da secretária de Estatísticas Trabalhistas (Erika McEntarfer), responsável pela mensuração do desemprego e a ameaça de processo contra o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell. Desmantelar a estrutura burocrática tem um objetivo básico: governar sem contrapesos técnicos, como os reis e autocratas podem fazer.

A reprodução desse modelo no Brasil é bem provável se houver uma volta dos bolsonaristas ao poder. A burocracia federal foi fundamental para resistir a muitas das decisões equivocadas e autocráticas de Bolsonaro. Mas num segundo governo esse vetor tende a vir mais forte, até como vingança em relação àqueles que seguraram o SUS e evitaram uma mudança drástica na política externa, por exemplo. Daí que o eleitorado e o funcionalismo público de todo o país precisam ser avisados de mais um efeito deletério de se copiar o trumpismo.

A política trumpista tem muitos outros equívocos cuja reprodução no Brasil seria uma catástrofe. Por exemplo, se ficarmos alinhados de forma carnal com o governo Trump, haverá uma pressão para se escolher entre os EUA e a China, e o enfraquecimento das relações com a potência asiática significará a perda de milhões de empregos no Brasil e a bancarrota de grande parte do agronegócio brasileiro.

Sabotar as universidades e a educação pública, como está ocorrendo tragicamente nos Estados Unidos, seria ainda pior no caso brasileiro, porque ainda estamos muito atrasados no campo educacional, com efeitos enormes na desigualdade e no padrão de desenvolvimento.

Ainda haverá muitos com dúvida se isso pode se repetir no Brasil. Afinal, quando foi presidente, Bolsonaro tentou várias dessas medidas, mas não conseguiu se tornar um autocrata. Porém, os estragos foram grandes: desmatamento recorde, destruição do MEC, um enorme absurdo de mortos por covid-19, emparedamento diário dos governadores, ameaças constantes a todos os Poderes da República e, como corolário, a tentativa de um golpe do Estado, cujas consequências continuam envenenando o ambiente político, dificultando que o país se concentre nas questões relevantes para seu futuro.

Uma nova vitória do bolsonarismo ou de alguém apoiado pelo bolsonarismo selará uma aliança de subordinação com o trumpismo, num grau de subserviência não só entre os países, mas entre os dois grupos governantes, com um domínio incontrastável de Trump sobre os seus parceiros da extrema direita brasileira.

Eduardo Bolsonaro está anunciando essa possibilidade, e ela é crível. Por isso, a reprodução subordinada do modelo trumpista no Brasil, com todas as suas vicissitudes, deveria ser um dos temas principais da campanha eleitoral de 2026.

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