terça-feira, 26 de novembro de 2024

Tempos macabros: do envenenamento à guilhotina - Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*

Um dos países mais pobres da América Latina  acaba de aprovar uma reforma constitucional, na qual  o presidente Daniel Ortega (79 anos) , líder da Frente Sandinista de Libertação (FSLN), há mais de 30 anos  na chefia do Estado ,  não apenas passa  a ter  o controle absoluto sobre os demais poderes ,  como torna  "copresidente" sua mulher, Rosário Murillo,  atual vice, e  assegura a sucessão para o seu filho, Laureano . Serviço completo .

Seria esse o modelo de democracia  que  o Foro de São Paulo , criação de Fidel Castro e Lula, em 1990, projetaram para a integração da  América Latina?.  Esse esforço todo de estabelecer o caos jurídico e político no Brasil , uma guerrilha contra as instituições,  estaria voltado para um novo  sistema de governança? O  Foro de São Paulo , aparentemente na geladeira, é uma  organização política que se autodenomina de  esquerda , e que  reúne uma centena de partidos  legais  e  organizações transgressoras da ordem jurídica. Portanto, se não é de assustar, surpreende, se comparado ao que vem acontecendo por aqui. Parece algo  programado e projetado para  ser concluído a médio prazo. No início daquelas coisas na Nicarágua, por volta de 1980, eu estava por lá - pela a América Central, Nicarágua inclusive - e acompanhei a violência nas ruas de Manágua, até o assassinato , a queima roupa: um tiro na cabeça, na frente de todo mundo ,  de um jovem fotógrafo norte-americano. 

Os  revolucionários não tinham nenhum constrangimento para abordar e agredir aos opositores. Era quase uma  "justiça sumária", promovida até pelo "guarda da esquina" , modelo inspirado na revolução cubana . O presidente derrubado Anastácio Somoza, fugido e   exilado no Paraguai, foi morto em Assunção, também na rua, a queima roupa por uma bala  de morteiro, que fez  explodir a ele e o  carro que dirigia.

No Brasil,  de um momento para o outro, começou a surgir acusações, quase vazias,  de  conspiração , ameaças de  morte, envenenamentos, sabotagens ,  atentados , uma roupagem diferente com a participação do Judiciário  - questão de  estilo -  com  objetivos aparentemente semelhantes. Uma  sucessão de eventos    pontuais e intimidadores são reproduzidos nas páginas dos jornais  e abrigadas  nos textos de um punhado de articulistas  legitimadores de inconstitucionalidades jurisprudenciais.    Decisões monocráticas na Alta Corte  passam por cima de  atribuições  de juízes de primeira instância e das polícias . Os militares ficam á margem até terem eles também terem sua autoridade  questionada.

Essa sucessão de eventos odientos,  acontecendo  em cadeia,  torna o cenário  macabro e eleva a desconfiança pública nas autoridades e instituições . Tudo parece estar mesmo direcionado para a construção de um novo tipo de democracia, autocrática, relativa, amparada num  partido único e protegida por milicianos  . Já acompanhei , como jornalista, prisões de  políticos, de militantes  ideológicos, de  líderes estudantis e trabalhadores, mas jamais vi uma conspiração tão forte contra a legitimidade do Estado Constitucional como agora, envolvendo personagens, inclusive estrangeiros  sem quaisquer conexão e aderência com história e a vida do brasileiro.

A gestão das políticas públicas dão ideia de abandono.  No País, no Congresso, na Justiça  as pessoas se ocupam dos supostos atos conspiratórios, até os mais esdrúxulos como "envenenamentos" , prática que  antecede a  Era Cristã; ou condenações prévias  de questões não cabíveis sequer na Código do Processo Penal. Manobras e ordens  surgem de  um grupo autoproclamado "Cidadãos acima de qualquer suspeita" (Petri, 1970).

Nada  por aqui na política é  menos atemorizante  que na Nicarágua. A autoconfiança é tamanha que se despreza, inclusive,  a tal " maioria silenciosa" que guarda para si a indignação  com   ambiente  de intimidação e revanchismo. Parece até tratar-se de vinganças pessoais: a Nação assiste estarrecida  a montagem   e o desmonte súbitos de  narrativas, inclusive oficiais. A  imprensa se deixa  cooptar pela expectativa da   novidade. 

O curioso é que essas atividades  não parecem seguir exatamente  o pensamento de Lênin, Marx, Engels, Mao Tsé Tung, Ho Chi Ming,   nem mesmo de Gramsci. Aproximam-se mais de Mussolini, Aghata Cristie, Conan Doyle,  J. K. Rowling, Dashiell Hammett, Raymond Chandler, Dan Brown.  Transcende fácil de processos judiciais  para  páginas literárias ou policiais, estendendo-se o intricado jogo de enigmas, crimes e investigações que cativam  leitores e eleitores desavisados . Os processos de  averiguação  são ardilosos,  atraindo os leitores para  os  mistérios. 

Nesse cenário, detetives, espiões, denuncistas desempenham o papel central na busca pela verdade, mergulhando nas sombras da imaginação   para trazer à luz  aquilo que  escondem nas entrelinhas, e afloram nas interpretações . Para facilitar a criatividade hermenêutica  recomendaria os envolvidos a leitura de   escritores policiais, brasileiros mesmos :

Andrea Nunes, "A Corte  infiltrada"; Paula Febbe livros  sobre perversão e psicose, dilemas humanos; Cláudia Lemes :  "Quando os Mortos Falam" ; Thais Messora:   "Um Ótimo Dia Para Morrer" ;  Patrícia Melo,   "O Inferno";  Ilana Casoy , criminóloga e escritora, escreveu  livros baseados em  pesquisas sobre o perfil psicológico de criminosos; Vivianne Geber, a história o "Espião Rodolfo Rupel" e “O Enterro dos Ossos”.   Alguns estão  em Ebooks.  E, como disse :  "Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita". 
Em que pese  o cenário político macabro, desconheçe-se o que lêm - até para se divertir - os presidentes da Nicarágua e do Brasil. O brasileiro disse que nunca leu um livro. Não sabe o que está perdendo. Assusta , porque  um ministro aventou   a possibilidade de queimar livros, tipo "Fahrenheit 451" (Bradbury, 1956)...  Não se entusiasmem, pois .  Na Revolução Francesa - modelo arquetípico - guilhotinaram-se tantos opositores que, sem mais cabeça para cortar, começaram a cortar a  dos próprios companheiros. E veio o Napoleão...
*Jornalista e professor

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