terça-feira, 26 de novembro de 2024

A extrema direita tende a manter o eco - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Trava à responsabilização das redes sociais no STF mantém livre a avenida para a extrema direita a despeito do golpismo

Depois da explosão do homem-bomba a poucos metros do Supremo Tribunal Federal e da operação-relatório da Polícia Federal sobre o golpismo assassino, seria natural esperar um refluxo das notícias falsas nas redes sociais e o acabrunhamento da extrema-direita e de seus sócios bem postos no centrão da política. Só que não.

Neste início de semana divisora dos rumos do governo no segundo biênio, não é uma coisa nem outra o que se divisa. A começar pelo julgamento que está em pauta, no STF, sobre a responsabilização das plataformas de internet e redes sociais pela veiculação de conteúdo falso e danoso.

Marcado para o dia 27, o julgamento pode nem mesmo começar, tamanha a resistência oferecida pelas plataformas. Não apenas do X, de Elon Musk, agora ainda mais poderoso depois da eleição de Donald Trump, mas de todas as gigantes do setor, como Google, Meta e Microsoft.

É um julgamento que tem mobilizado o comércio eletrônico, setores da indústria e das finanças que temem o efeito multiplicador da responsabilização sobre os ilimitados usos da inteligência artificial. Valem-se de escritórios de advocacia bem relacionados na Esplanada, nos tribunais superiores e no Congresso. E ainda oferecem a perspectiva de uma porta giratória para carreiras em empresas globais. É quase um Estado que se move quando esse setor resolve fazer lobby.

O que está em jogo é a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Este artigo é aquele que só permite a responsabilização civil de provedores de internet, sites e redes sociais se houver uma ordem judicial para a remoção de conteúdo.

Salvaguarda da liberdade de expressão, o artigo deu guarida para a vicejante rede de ódio. Os atingidos são obrigados a pedir a retirada de cada publicação danosa. Quando a decisão judicial sai, os robôs já espalharam tantas outras. E assim vencem as guerras digitais.

Tome-se o exemplo da própria repercussão da operação-relatório. O golpismo bolsonarista terminou a semana acabrunhado, com brigas internas, próceres calados e o debate sobre a anistia do 8/1 em fogo morto. Mas o chamado campo progressista decretou a morte do inimigo cedo demais.

Deputados de grande audiência como Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Geyer (PL-GO) começaram a semana dando as cartas nas redes em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, contra o Supremo e na guerrilha para desconstruir o relatório da PF, o trabalho da imprensa e os superpoderes do ministro Alexandre de Moraes.

O tom agressivo das primeiras reações, vide o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), cedeu espaço ora para a galhofa com as lacunas da operação ora para uma argumentação de que haveria crime configurado. Saíram das cordas depois do muxoxo com um Bolsonaro sempre mais interessado em salvar a própria pele do que a dos outros.

O mal-estar dos herdeiros de Olavo de Carvalho com os bolsonaristas-Centrão permanece no PL, mas não está claro que tenham para onde ir. Indiciado, Valdemar Costa Neto, dá sinais de que não pretende abrir mão do partido mesmo que volte para trás das grades. O Novo precisa atrair candidatos com voto para escapar da cláusula de barreira de 2026, mas foi instalada uma cancela por lá em grande parte controlada pelo deputado Ricardo Salles (SP). O União quer atraí-los para reforçar seu peso numa federação com PP e Republicanos, mas o governo vale-se do deputado Elmar Nascimento (União-BA) para manter o partido por perto.

O rearranjo da extrema-direita passa pelo quadro de candidatos em 2026, quando Bolsonaro quer repetir a estratégia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, registrar chapa com o filho de vice em condições de assumir quando a candidatura for indeferida.

Ainda que o quadro partidário permaneça confuso, o importante, para a extrema-direita, será manter o eco no debate público. E, para isso, precisa evitar a regulamentação das redes. Um compromisso maior das plataformas pode até ser acordado mais adiante, mas terá se perdido esse momento quente do debate que poderia empurrar um amplo “dever de cuidado”, como se chama a obrigação de adotar precauções contra mensagens que induzam a crimes, uma efetiva moderação de conteúdo e canais para denúncia. Foi em momentos quentes, como na pandemia ou nos atentados nas escolas, que as redes acataram uma boa moderação.

É claro que a extrema-direita não faz eco apenas porque tem domínio das redes sociais. Seu sucesso também se deve ao fato de que o outro lado não tem. A deputada federal Érika Hilton (Psol-SP) e o vereador eleito do Rio, Rick Azevedo (Psol), engataram um bom debate com o fim da semana 6x1.

Estava na cara que a pauta teria dificuldade de tramitar neste Congresso, mas serviu para virar a página do identitarismo e reconectar a esquerda com o cotidiano da maioria. Despertou a ira da direita e a mobilização das entidades empresariais, do governo e do Congresso. Mas assim como se espraiou, refluiu.

Ainda não se conhece a íntegra do pacote fiscal por vir. Se mexer mais no salário mínimo do que nas emendas parlamentares ou nos supersálarios nem adianta tentar mobilizar. Mas se o pacote, como prometeu o presidente, distribuir sacrifícios, não parece haver arregimentação capaz de convencer que a medida é justa. Menos ainda para pressionar o Congresso a aprová-lo.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Misericórdia!