Correio Braziliense
Temos condições mais favoráveis para
estabelecer regras capazes de contribuir para a despolitização das Forças
Armadas e, com apoio destas
Uma questão democrática latente no Brasil
hoje é a participação dos militares na política, sobretudo após os
acontecimentos que culminaram no 8 de janeiro e suas consequências. Estudo
anterior a esses episódios, do professor Pedro Kelson, mestre em cultura
política e capital social, constatou que, em 11 democracias protagonistas da
cena global, candidaturas de militares da ativa são proibidas.
Na França, Alemanha, Bélgica, Espanha,
Itália, Portugal, Reino Unido, Estados Unidos, Uruguai, Argentina e Chile, essa
é uma restrição comum, algumas, agravadas por mais condicionantes.
O Brasil, como está, permanece não só à margem desse padrão, como indiferente ao próprio histórico político, que recomenda o mesmo caminho desses países. Daí a importância da aprovação da chamada PEC dos Militares, em tramitação no Senado, que veta candidaturas para cargos políticos a militares da ativa.
Em que pese a defesa da democracia pelas
nossas Forças Armadas, que resistiram às pressões do presidente anterior e
impediram a continuidade e consecução da sublevação — com altivez, senso
democrático e obediência à Constituição —, o saldo e novos riscos permanecerão
à falta de antídotos eficazes.
A PEC, em síntese, estabelece que militares
que pretendam se candidatar a cargos políticos passem automaticamente à
reserva. Ou seja, é um caminho sem volta que evita a contaminação das tropas
pelo exercício dos mandatos e das atividades em quartéis.
Ao defendê-la, seu relator, senador Jorge
Kajuru, lança mão exatamente dessa sequela, dando-lhe a dimensão em números
que, mesmo involuntariamente, omitem o comportamento constitucional da
instituição Forças Armadas, que agiram em defesa do país.
A conta do relator é preocupante e inédita:
25 militares indiciados, oito detidos e um general de quatro estrelas preso
preventivamente sob suspeita de atentar contra o Estado de Direito. É o saldo,
por ora, no âmbito militar, das investigações em curso no Supremo Tribunal
Federal (STF) sobre os acontecimentos que culminaram com o 8 de janeiro.
Nenhuma de nossas constituições, até aqui,
deu solução satisfatória para a questão, certamente limitadas às circunstâncias
políticas de seu tempo. Desde a de 1824, do Brasil-Império, que só exigia
maioridade de 21 anos e vetava a eventual condição de chefe de armas ao
pretendente, até a de 1988, que foi a primeira a universalizar o alistamento
eleitoral aos militares, observadas as regras gerais.
Nesse contexto, vale lembrar que, mesmo na
ditadura do Estado Novo, com forte presença militar no governo Vargas, sob
comando do general Góis Monteiro, não era permitida aos militares a filiação
partidária?
Agora, temos condições mais favoráveis em
todo esse ciclo para estabelecer regras capazes de contribuir para a
despolitização das Forças Armadas e, com apoio destas — conforme apelo do
ministro da Defesa, José Múcio, ao presidente Lula, por mais empenho do governo
pela aprovação da PEC.
As Forças Armadas já estão empenhadas em
oxigenar o ambiente interno após colocar-se ao lado da legalidade, defendendo a
Constituição e reservando a vergonha aos — direta ou indiretamente — ligados
aos movimentos frustrados contra a democracia.
O apoio à PEC, portanto, surge natural diante
desse cenário, em favor da própria instituição militar. Será que a proposta de
emenda à Constituição torna os militares cidadãos de segunda classe, conforme
vocaliza a oposição?
Nesse caso, é de se perguntar se esses que
assim se expressam consideram também juízes e procuradores, que precisam
exonerar-se dos cargos para entrar na política, cidadãos de segunda classe.
O contrário disso, como posto hoje, tem
efeito sindicalista, um vírus a corroer a hierarquia e a inseminar a caserna
com as tentações da política, ameaçando frequentemente sua estabilidade e
profissionalismo, ao atacar pilares essenciais à vida militar, que são a ordem
e a disciplina.
Além disso, somos uma jabuticaba no cenário
mundial, no qual, tanto na Europa, quanto nas Américas, como demonstrado,
prevalece a regra proposta pela PEC.
Nesses países, mesmo para os militares da
reserva, candidaturas só são admitidas com salvaguardas que visam preservar a
imagem das Forças Armadas, com regras adicionais de transparência e prazos que
garantam algum distanciamento entre o momento da decisão do militar de se
candidatar e o de se lançar na vida pública.
O timing é agora, em que temos todas as
condições favoráveis para sua aprovação, evitando a postergação de tema tão
importante, sensível e emergencial.
*Ex-ministro da Defesa e da Segurança
Pública
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