O Globo
Um sinal de que o presidencialismo de colisão
está no fim é a distinção feita por Lira entre apoio eleitoral e para governar
Um sinal de que o presidencialismo de
coalizão está no fim, e que o governo Lula está abalado, é a definição dada
pelo ex-presidente da Câmara Arthur Lira do que seja o apoio dos partidos a um
governo: apoio para governar é diferente de apoio eleitoral, disse ele. O que
significa avisar que os partidos que fazem parte da estrutura governamental não
se consideram necessariamente obrigados a apoiar uma candidatura presidencial
em 2026 que “esteja afundando”.
Além de deixar no ar que o governo está mal, mostra uma mudança no equilíbrio dos Poderes. No presidencialismo brasileiro, o presidente da República é eleito diretamente com o apoio de diversos partidos, que idealmente formarão o governo. Mas como dificilmente, para não dizer nunca, o eleito terá a maioria do Congresso, tem que formar coalizões, muitas vezes, para não dizer quase sempre, incoerentes com o papel que os partidos assumiram na campanha presidencial.
No tempo em que os parlamentares dependiam do
Executivo para ter poder, o “presidencialismo de coalizão” funcionava à base de
persuasões mais ou menos republicanas. As emendas dependiam, para serem
liberadas, da boa vontade do Executivo com o parlamentar ou partido que as
patrocinava. Essa troca de favores pressupunha que a coalizão funcionasse não
apenas nas votações no plenário, mas também nas campanhas eleitorais.
Havia também as nomeações para cargos
públicos, em estatais principalmente, que foi se degenerando ao longo do tempo,
gerando um ambiente corrosivo controlado pelo Executivo, como nos casos do
mensalão e do petrolão. O regime político brasileiro, que durante muito tempo
foi um hiperpresidencialismo, colocava o Congresso a reboque do Executivo, o
que provocou uma reação dos parlamentares, que passaram ano após ano a forçar
um equilíbrio de poder, baseado na liberação das emendas.
Pouco a pouco, as emendas passaram a ser
impositivas, o volume delas foi aumentando, especialmente quando o
financiamento privado das campanhas foi proibido, até que chegamos aos dias de
hoje, em que os parlamentares dividem entre si R$ 50 bilhões de emendas e mais
os fundos eleitoral e partidário, o que os faz independentes em relação ao
Executivo na parte financeira, restando ainda a disputa de poder, que é
definida pela influência na máquina do governo. Passamos a ter um semi
parlamentarismo. Ministério sem porteira fechada, nem pensar. O que era uma
prática para manter o controle partidário dos governistas nos órgãos estatais,
hoje é inaceitável para os parlamentares, que querem o controle completo. É aí
que entra a distinção feita por Arthur Lira.
Os ministérios fazem parte do patrimônio dos
partidos que os assumem, ocupá-los não significa que este ou aquele partido
está comprometido com os projetos do governo. Não há mais pudor em afirmar que
apoiar o governo no Congresso é uma coisa, outra muito diferente é apoiá-lo
eleitoralmente. As coalizões brasileiras já não se referem a um governo, mas a
uma situação pontual que não exige compromissos além da governabilidade. Esta
também não engloba questões ideológicas que envolvam valores morais.
Votar a favor de um projeto na área
econômica, por exemplo, que obtenha o consenso parlamentar, está no jogo. Mas
debates sobre aborto, armamentos, casamento homoafetivo, tudo isso está na mesa
para discussões e pode ser revertido, dependendo das circunstâncias. Por isso é
previsto que a vida do presidente Lula não melhorará com a troca da presidência
do Senado, de Pacheco por Alcolumbre.
Ao contrário, o novo presidente eleito ontem
é mais voluntarioso do que o anterior, o que pode criar áreas de atrito entre o
Legislativo e o Executivo. Sem falar no Judiciário, que pode ter problemas a
partir da discussão das emendas parlamentares, que estão sendo constrangidas a
cumprir a legislação no tocante à transparência, o que, no momento distópico
que estamos vivendo, é considerado uma afronta à independência do Legislativo.
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