Fatos justificam que Bolsonaro seja considerado réu
O Globo
Apenas as reuniões em que ele tentou aliciar
os chefes militares já bastariam para embasar acusações
Tendo usufruído amplo direito de
defesa, Jair
Bolsonaro é agora réu. Os cinco integrantes da Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal (STF)
foram unânimes em aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR)
contra ele e os demais acusados de tramar um golpe de Estado. O caso é
histórico. Nunca antes um ex-mandatário foi acusado formalmente de tentar
acabar com o Estado Democrático de Direito. Há provas graves e contundentes. A
solidez delas é suficiente para que Bolsonaro seja julgado. Se condenado, a
pena máxima poderá chegar a 43 anos de prisão. Desde agora até o julgamento, é
preciso sobretudo haver esforço para descontaminar o processo da influência
política. O mais sensato é se ater às provas.
Basta rememorar a cronologia dos fatos apurados pela Polícia Federal (PF) para entender a gravidade dos crimes atribuídos ao ex-presidente e àqueles que a PGR incluiu no “núcleo crucial” do golpe — os oito declarados réus. A acusação de que houve tentativa de ruptura democrática está documentada e se apoia, sobretudo, na sequência de reuniões entre Bolsonaro e os então chefes militares em dezembro de 2022. O objetivo das reuniões, segundo a PGR, era convencer os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica a participar da intentona.
No dia 7 de dezembro, os então comandantes do
Exército, Marco Antônio Freire Gomes, da Aeronáutica, Baptista Júnior, e da
Marinha, Almir Garnier, encontraram Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Foi-lhes
apresentada a minuta de um documento decretando estado de sítio, alegadamente
“dentro das quatro linhas [da Constituição]”, e, posteriormente, uma Operação
de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A reunião foi revelada na colaboração
premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, e confirmada pelos
depoimentos de Freire Gomes e Baptista Júnior. Ambos afirmaram ter se recusado
a aderir.
No dia 9, Cid disse a Freire Gomes, em
mensagem de áudio, que Bolsonaro modificara o texto. Era, segundo ele, uma nova
tentativa de aliciar os chefes militares. Na semana seguinte, eles voltaram a
encontrar Bolsonaro e foram apresentados a uma nova minuta, desta vez
decretando estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral. Mais uma
vez, Freire Gomes e Baptista Júnior afirmaram ter se negado a apoiar o golpe.
Garnier foi o único a colocar a tropa à disposição de Bolsonaro.
Pelos fatos revelados até aqui, é possível
inferir que Bolsonaro tentava se proteger usando Cid como interlocutor nas
frentes golpistas. Nas conversas diretas com os chefes das Forças Armadas,
porém, não teve como terceirizar a tarefa e se expôs como mentor da trama. Foi
o clímax de um movimento iniciado antes das eleições para garantir sua
permanência no poder, que culminaria nos ataques às sedes dos três Poderes em 8
de janeiro de 2023.
Cada um dos oito réus terá ao longo do
julgamento a oportunidade de se defender das acusações. Nesta quarta-feira,
Bolsonaro voltou a desqualificá-las, como já fizera antes. “Golpe tem povo, mas
tem tropa, tem armas e tem liderança. Um ano, dois anos de investigação, não
descobriram quem porventura seria esse líder”, afirmou. É uma tese frágil.
Conspiração houve, não resta dúvida. Apenas os fatos reconhecidos pelos
ex-chefes militares já bastariam para que Bolsonaro e os demais réus fossem
julgados por crimes contra a democracia.
Nome das forças municipais de segurança é o
que menos importa
O Globo
Podem ser guarda ou polícia, desde que atuem
em harmonia com demais corporações e protejam o cidadão
O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF)
de que Guardas Municipais podem fazer policiamento ostensivo, desde que as
prefeituras criem leis específicas para isso e que as atribuições da corporação
local não se sobreponham às da polícia estadual, levou prefeitos de todo o país
a uma corrida para turbinar ou criar novas guardas para atuar na segurança
urbana.
No Rio, onde a Guarda Municipal não usa arma
de fogo, o prefeito Eduardo Paes (PSD)
anunciou a criação da Força de Segurança Municipal armada. A intenção é que
atue sobretudo nas áreas de maior incidência dos crimes de rua, como roubos e
furtos. Pelos planos da Prefeitura, a nova corporação terá 4.200 agentes,
contratados de forma gradual. Em São Paulo, o
prefeito Ricardo Nunes (MDB)
trava batalha jurídica para tentar alterar o nome da Guarda Civil
Metropolitana. Neste mês, a Câmara aprovou emenda à Lei Orgânica do Município
ampliando as atribuições da corporação, rebatizada Polícia Municipal. Como tem
acontecido noutras cidades, a Justiça não chancelou a troca de nome. Pelo
entendimento dos juízes, a Constituição estabelece polícias como corporações
específicas. Nunes tem dito que não desistirá da mudança.
A despeito da queda de braço entre
prefeituras e Judiciário, nomenclatura é o que menos importa na atual crise de
segurança pública que acossa o país. Cidadãos estão alarmados. No dia a dia,
a violência se
traduz em furtos e roubos de celulares, veículos ou cargas, por vezes com
desfecho trágico. Chamar as guardas de polícia poderia conferir mais peso
simbólico, porém o mais importante é que essas corporações, historicamente
usadas na vigilância do patrimônio público ou na fiscalização de trânsito,
possam também atuar no policiamento ostensivo, proporcionando maior sensação de
segurança aos moradores.
O certo seria colocar menos foco no nome e
mais nas atribuições. Como estabeleceu o STF, as guardas, ou seja lá que nome
tenham, não devem fazer o mesmo que as polícias Militar e Civil, pois seria
desperdício de recursos. É fundamental que trabalhem em estreita cooperação com
as demais forças de segurança e com instituições estaduais e federais, para que
possam de fato somar, e não competir. É essencial, ainda, que façam uso da
inteligência e da mais moderna tecnologia, baseando seu trabalho em evidências,
de modo a obter os melhores resultados. Não são as armas mais poderosas que
tornam o policiamento mais eficaz.
Por executarem policiamento mais próximo do cidadão, atuando em áreas de grande circulação, os guardas precisam ser bem treinados e seguir rigorosamente os protocolos de abordagem e uso da força, em especial das armas de fogo. Deve ser obrigatório o uso de câmeras corporais para dar mais transparência às ações, tanto em benefício dos guardas quanto dos cidadãos. O reforço das Guardas Municipais no policiamento urbano tem tudo para melhorar a segurança nas cidades, desde que, ao mesmo tempo, proteja e respeite o cidadão.
Derrota unânime no Supremo complica situação
de Bolsonaro
Valor Econômico
Todos os cuidados do Supremo serão
necessários para que o argumento de perseguição política seja derrubado com
evidências consistentes de que promoveu o maior ataque à democracia brasileira
desde o fim do regime militar
Inelegível, o ex-presidente da República Jair
Bolsonaro terá agora de acertar contas definitivas com a Justiça, depois de o
inquérito que o acusa de compor o núcleo principal de uma tentativa de golpe de
Estado para perpetuar-se no poder foi considerado sólido o suficiente para
torná-lo réu. Em seu mandato, dezenas de pedidos de impeachment foram
protocolados no Congresso, com base em uma série variada de crimes a ele
atribuídos. O então presidente da Câmara, Arthur Lira, não deu seguimento a
nenhum. Agora é diferente. Em uma peça de 272 páginas, o Procurador Geral da
República, Paulo Gonet, reuniu amplo material documental que convenceu os cinco
membros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a abrirem processo
judicial. Se for considerado culpado, Bolsonaro poderá ser condenado a 43 anos
de prisão.
Em sessões públicas do STF, as defesas de
Bolsonaro, do ex-ministro e companheiro de chapa presidencial, Walter Braga
Netto, de Augusto Heleno, ex-ministro do GSI, de Paulo Sérgio Nogueira,
ex-ministro da Defesa, de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, de Alexandre
Ramagem, ex-diretor da Abin, e de Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro,
fizeram o que se esperava delas. Levantaram cinco objeções questionando o foro
adequado para o julgamento, a suspeição de ministros, a ausência de um juiz de
garantias e, fundamentalmente, a validade da delação premiada de Cid. A
argumentação básica de boa parte dos advogados foi de que a delação é uma peça
de ficção e que, se houve alguma tentativa de golpe, nenhum dos considerados
suspeitos no inquérito teve qualquer participação nela.
Após o julgamento que o colocou na condição
de réu, Jair Bolsonaro deu longa entrevista dizendo-se inocente e respeitador
da Constituição. Ironizou o decreto que circulou entre seu então ministro da
Justiça Anderson Torres e ministros militares, que seria uma das provas de um
golpe em gestação, dizendo que não se preparam documentos para isso. “Golpe não
tem lei, não tem norma. Golpe tem conspiração”. Na véspera do julgamento, em
entrevista ao Financial Times, o ex-presidente disse mais uma vez ser vítima de
perseguição e pediu “ajuda externa” para deter o que chamou de marcha em
direção à ditadura no Brasil. O país não teria condições de impedir esse
destino por si próprio, segundo Bolsonaro.
Bolsonaro é defensor fanático da ditadura
militar, que tentou emular em seus ataques às instituições democráticas quando
chegou à Presidência. Após 28 anos eleito por meio de votação eletrônica,
insuflou a desconfiança nelas como motivo básico para não tentar anular
qualquer resultado das eleições de 2022 que não fosse o de sua vitória. Em
julho de 2022, fez uma inacreditável reunião com embaixadores estrangeiros para
espalhar notícias falsas sobre um sistema de votação, elogiado
internacionalmente. Esse foi um dos crimes pelos quais o Tribunal Superior
Eleitoral o tornou inelegível até 2030.
Ao perder as eleições, segundo a peça da PGR,
Bolsonaro e mais 33 pessoas aceleraram preparativos para impedir a posse de
Lula. Houve uma minuta de golpe, consulta aos ministros militares, planos que
envolveriam o assassinato do presidente e seu vice, Geraldo Alckmin, além do
“arquirrival” do STF, Alexandre de Moraes, concentração de manifestantes nas
portas dos quartéis e várias outras providências, cujos rastros foram
capturados nos celulares de Mauro Cid e nos diálogos também eletrônicos entre
os participantes da trama. O golpe não foi adiante porque os ministros do
Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Junior, se recusaram a
aderir.
A PGR tem vasto material sobre os preâmbulos
de um golpe abortado, que poderão ser suficientes, em tese, para condenar o
núcleo formado por Bolsonaro e ministros militares próximos. As evidências da
ligação entre esse núcleo e as manifestações de 8 de janeiro, já com Bolsonaro
fora do país, não são tão claras. Teria havido a derradeira tentativa de semear
o caos para forçar uma intervenção das Forças Armadas que tornasse o governo de
Lula refém do comando militar, por meio de uma operação de Garantia da Lei e da
Ordem, que Lula não assinou. Na invasão da Praça dos Três Poderes, o esquema de
prevenção foi desmobilizado, abrindo o caminho para a destruição de patrimônio
público.
A maior esperança para escapar da condenação
que os réus têm é a de anular a delação de Mauro Cid, testemunha presencial de
boa parte da trama. Os ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia fizeram reparos a ela,
mas consideraram que a denúncia da PGR tem elementos sólidos para indiciar
Bolsonaro e membros de seu governo. Abre-se agora período de consideração das
provas, produção de novas evidências e amplo espaço para que as defesas dos
réus possam exercer seu direito. Todos os cuidados do Supremo serão necessários
para que o argumento de perseguição política, no qual se escuda Bolsonaro,
líder de direita com amplo apoio em camadas da população, caia por terra diante
de evidências consistentes de que ele orquestrou o mais grave ataque à
democracia brasileira desde o fim do regime militar.
Supremo dá início a um processo histórico
Folha de S. Paulo
Corte torna réus por golpismo Bolsonaro e
militares de alta patente; divergências de Fux sugerem debate sobre dosimetria
Pela esperada unanimidade dos cinco membros
da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Jair
Bolsonaro (PL)
e mais sete pessoas, incluindo quatro oficiais-generais das Forças
Armadas, tornaram-se
réus por tentativa de golpe de Estado e outros crimes associados.
É a primeira vez na história do país que
civis e militares acusados de comandar uma ofensiva golpista —felizmente
fracassada— serão responsabilizados por seus atos. É avanço institucional
importantíssimo, especialmente quando se considera que a própria República
brasileira foi fundada por um golpe de Estado.
No que diz respeito à denúncia oferecida pelo
procurador-geral da República, não
cabe dúvida de que ela deveria ser recebida. Denúncias, cumpre recordar,
não se confundem com o julgamento propriamente dito. Para que sejam
recepcionadas, basta que existam indícios suficientes de materialidade e de
autoria dos crimes. Isso há de sobra.
É a partir de agora que os réus e seus
advogados terão oportunidade de examinar minuciosamente as provas já reunidas,
produzir outras, contestar as acusações e apresentar a sua versão dos fatos, em
consonância com o princípio do devido processo legal, assegurado nas
democracias.
Na verdade, tanto o procurador-geral como os
defensores foram mais caudalosos do que seria necessário nessa fase do
processo, o que se mostra compreensível. Dada a importância jurídica e política
do julgamento, as partes aproveitam todas as ocasiões que têm para testar suas
teses e recalibrar estratégias.
Pelo que os ministros já sinalizaram na
discussão de preliminares e em seus votos, é altamente improvável que rejeitem
todas ou a maioria das acusações feitas.
Se a infantaria celerada do 8 de janeiro
amargou penas de até 17 anos —um exagero que parece evidente— em julgamentos
tanto pelo plenário do Supremo como pela turma, é apenas lógico que os cabeças
da intentona recebam sanções ainda maiores.
Nesse contexto, é positivo que o
ministro Luiz
Fux já tenha aberto divergências em relação a posicionamentos do
relator, Alexandre
de Moraes, incluindo uma
defesa da revisão da dosimetria de já condenados pela invasão das
sedes dos Poderes em 2023.
Independentemente do mérito dessas
divergências, a atitude de Fux —que foi de algum modo referendada por outros
ministros, que disseram haver muito a discutir na fase de instrução— sugere que
existe real disposição da corte para avaliar a situação de cada réu e julgá-lo
de acordo com as provas, como precisa ser.
O fundamental é que as instituições
brasileiras resistiram a uma ofensiva golpista, que não obteve a adesão
necessária da cúpula das Forças Armadas, e estão respondendo à altura, levando
os responsáveis ao banco dos réus.
Não é pouco. Os Estados
Unidos, uma democracia muito mais madura, não conseguiram fazer o mesmo
após enfrentarem percalços semelhantes.
Putin leva vantagem em debate sobre trégua na
Ucrânia
Folha de S. Paulo
Americano não consegue controlar processo sem
que o principal favorecido seja o Kremlin; russo quer o fim das sanções
A retomada de conversas para encerrar a
Guerra da Ucrânia é
motivo de celebração contida. Negociar a paz em um conflito sem vencedor claro
é sempre mais difícil, já que os lados envolvidos tendem a jogar com seu rol de
concessões.
Foi assim quando os Estados
Unidos decidiram deixar o atoleiro da Guerra do Vietnã. A primeira
reunião entre americanos e norte-vietnamitas em Paris ocorreu em maio de 1968,
mas a paz só seria impressa em tinta na capital francesa quase cinco anos
depois, em janeiro de 1973.
A campanha de Donald Trump para
cessar a carnificina iniciada por Vladimir
Putin em 2022, por válida que seja, reflete sua impaciência num
cenário de imediatismo inconsequente —tudo o que ele quer é poder dizer que
acabou com a guerra. E também espelha uma visão de mundo em que a força bruta é
o maior ativo.
Ponto para o autocrata russo, portanto. Com
efeito, o americano iniciou sua jornada pacificadora com alteração da política
do país que de fato prolongava a guerra de forma indefinida. Para tanto,
endossou a versão de Moscou para a origem do conflito e aceitou os termos
colocados por Putin para a paz.
Trump
forçou o presidente ucraniano, Volodimir
Zelenski, a negociar e sabe que Putin pode não ter dobrado o vizinho, mas
tem vantagem em campo. O republicano busca uma posição de controle do processo
que, ao fim, não exerce sem que o principal favorecido seja o Kremlin.
O vaivém nos anúncios de algum tipo de trégua
no combate decorre disso. Primeiro, Trump disse que haveria uma pausa completa
por 30 dias, aceita pela Ucrânia e rejeitada pela Rússia. Depois,
fatiou a proposta, focando na suspensão pelo mesmo período de ataques mútuos à
infraestrutura energética.
Faltou o averbado, e
os drones seguiram voando de lado a lado. Ante essa realidade, direcionou
equipes de negociadores aos dois antagonistas. Enfim, obteve
documentos que visam parar tais ataques e logrou trégua nas atividades
ofensivas no mar Negro.
O Kremlin afirma que só vai aderir ao
cessar-fogo marítimo se suas exportações de fertilizantes forem liberadas por
lá —o que depende do fim das sanções ao banco de fomento agrícola russo. Vale
lembrar que o mar Negro hoje é local secundário, do ponto de vista militar, na
guerra.
Assim, Putin oferece migalhas por um prêmio maior: a volta paulatina da Rússia ao sistema de comércio internacional. Faz isso manipulando Trump, que sinalizou aprovar a manobra só para poder exibir vitória pontual.
Bolsonaro ‘et caterva’ no banco dos réus
O Estado de S. Paulo
Sem surpresa, STF acolheu a denúncia contra
os acusados de tramar um golpe de Estado. A Corte não pode errar nesse
processo, pois a impunidade dos golpistas será nefasta para o País
Por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal (STF) tornou réus o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete
civis e militares que a ele teriam se associado para cometer, entre outros
crimes gravíssimos, uma tentativa de golpe de Estado. A partir de agora, o País
terá a chance de assistir à prestação de contas à Justiça daqueles que são
acusados de ter cometido o mais desabrido ataque ao Estado de Direito no Brasil
desde ao menos 1985, quando a sociedade brasileira, enfim, reconquistou suas liberdades
democráticas após 21 anos sob o tacão de uma feroz ditadura militar – a mesma
que Bolsonaro louva como se tivesse sido um período áureo da história nacional.
A admissibilidade da denúncia oferecida pela
Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro et caterva era
dada como certa. De tão previsível, o desfecho do julgamento de ontem já vem
influenciando as articulações políticas com vistas à eleição de 2026 desde
muito antes de o parquet apresentar sua peça acusatória ao STF. E a
razão é simples: Bolsonaro jamais escondeu que o respeito aos princípios
democráticos lhe provoca urticária. Bolsonaro nunca cogitou transferir o poder
pacificamente ao sucessor, chegando a verbalizar, em agosto de 2021, que só via
três opções de futuro para si: estar preso, morto ou reeleito presidente da
República. Desde ontem, a distância entre ele e o cárcere ficou
consideravelmente mais curta.
É um erro, portanto, confundir um resultado
amplamente esperado com uma suposta demonstração de “parcialidade” dos
julgadores de Bolsonaro e seus corréus – os generais de quatro estrelas Augusto
Heleno, Walter Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira, o almirante Almir Garnier,
o tenente-coronel Mauro Cesar Cid, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o
deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). Na verdade, a certeza de que o
ex-presidente passaria à condição de réu diz muito mais sobre a audácia de seus
propósitos liberticidas. Relembra à Nação quão desabridos foram seus esforços,
ao longo de todo o mandato presidencial, para se manter no poder fosse qual
fosse o resultado das urnas.
Se o comportamento de cada um dos oito réus
que compõem o “núcleo crucial da organização criminosa”, no dizer da PGR, de
fato, contribuiu para a consecução da tentativa de golpe e, assim, estarão
configuradas ações ou omissões tipificadas como crime, saberemos ao final da
ação penal. O que é possível afirmar, como este jornal já fez não poucas vezes,
é que o governo de Jair Bolsonaro foi inspirado do início ao fim por um
espírito golpista. A depredação dos pilares democráticos foi um diligente labor
entre 2019 e 2022. A bem do País fracassou, mas isso não impede, muito ao
contrário, que todos os que eventualmente tenham tomado parte nesse assalto à
democracia paguem exemplarmente por seus crimes.
Eis, portanto, a enorme responsabilidade que
paira sobre o STF, em particular sobre os ministros integrantes da Primeira
Turma. O julgamento dos acusados de atentar com violência contra a ordem
constitucional democrática deve ser imaculado do ponto de vista processual. O
STF não tem o direito de errar, em primeiro lugar por compromisso inabalável
com a “Constituição Cidadã”. Ademais, não pode frustrar as expectativas da
esmagadora parcela da sociedade brasileira que acalenta o regime democrático
como a melhor forma de governança de uma nação. Como ensina o amargo rescaldo
da Operação Lava Jato, a consequência do atropelo do devido processo legal em
nome do propósito de colocar os golpistas atrás das grades não só abastardará a
mesma democracia que se pretende defender, como ainda levará à impunidade que,
mais adiante, pode assanhar protoditadores que se aventurem a governar o
Brasil.
Tudo é inédito neste julgamento, que apenas
começou. Há militares de alta patente no banco dos réus por sedição. Trata-se
da primeira ação penal de grande repercussão sob a égide da Lei de Defesa do
Estado Democrático de Direito. No entanto, o STF há de ser previsível; à Corte
não é dado nem sequer parecer um tribunal de exceção. Ao fim de um julgamento
que decerto capturará as atenções do País, só pode restar aos eventuais
condenados o sagrado direito de espernear.
Não adianta quebrar o termômetro
O Estado de S. Paulo
Ao sugerir que o BC exclua alimentos e
energia do cálculo da inflação para reduzir os juros, Alckmin expõe a
incompreensão do governo Lula sobre um fenômeno que corrói sua popularidade
O vice-presidente Geraldo Alckmin julga ter
encontrado uma solução mágica para reduzir as altas taxas de juros brasileiras.
Para ele, em vez de tomar decisões com base na inflação cheia, o Banco Central
(BC) deveria excluir itens mais voláteis como alimentos e energia elétrica para
tomar suas decisões sobre a política monetária. “Entendo sim que é uma medida
que deve ser estudada pelo Banco Central brasileiro”, afirmou, ao participar de
um evento realizado pelo jornal Valor.
Juros elevados, na avaliação de Alckmin, só
aumentam a dívida e prejudicam a economia sem resolver a origem dos problemas.
“Não adianta aumentar os juros que não vai chover”, disse, ao discorrer sobre o
impacto do clima na produção agrícola. “Não adianta aumentar os juros que não
vai baixar o preço do barril de petróleo. É guerra, é geopolítica”,
acrescentou.
Por mais pueris que pareçam, declarações como
a do vice-presidente não devem ser menosprezadas. Ao falar sobre a inflação de
forma tão irrefletida, Alckmin não revela somente seu próprio desconhecimento,
mas a incompreensão de boa parte do governo sobre um fenômeno que tem corroído
a popularidade do presidente Lula da Silva.
Uma Selic elevada não faz chover nem impede
conflitos internacionais, mas contém o ímpeto dos consumidores por adquirir
outros produtos e serviços cujos preços sobem tanto ou mais que os alimentos e
o barril de petróleo. Reduzir a demanda é, portanto, um meio para moderar o
aumento dos preços de maneira geral.
Aumentar os juros seria uma estratégia
ineficaz se o problema da inflação estivesse de fato restrito ao comportamento
de poucos itens, como alimentos e energia elétrica. Mas não é isso que o índice
mostra. Em 12 meses, a inflação registrou alta de 5,06%, ou seja, superou a
meta de 3% e seu teto de 4,50%. Não se pode atribuir esse resultado unicamente
às tarifas de energia, que subiram significativamente no mês passado depois da
redução pontual registrada em janeiro, quando houve um desconto nas contas de
luz em razão do bônus de Itaipu.
Afinal, em fevereiro, oito dos nove grupos
que compõem o IPCA tiveram alta de preços, bem como 61% de todos os itens
pesquisados. E, ainda que se leve em conta apenas os alimentos, o índice de
difusão mostrou que 55% dos produtos alimentícios subiram no mês passado. Não é
algo que esteja limitado a café e ovo, como o governo tenta fazer parecer.
Não ficou muito claro, mas supõe-se que
Alckmin tenha se referido à possibilidade de que o Banco Central passe a
considerar também os núcleos da inflação, que excluem choques temporários, e
não somente o índice cheio, que leva em conta uma cesta de consumo mais ampla
de produtos e serviços. Mas o BC já faz isso, e os núcleos tampouco mostram
nada muito diferente. De acordo com o Broadcast, a média de cinco núcleos
acompanhados pela instituição atingiu 4,64% nos 12 meses encerrados em
fevereiro, também acima da meta, portanto.
O IPCA representa a variação de preços de uma
cesta de produtos e serviços que reflete o consumo de 90% das famílias
brasileiras em áreas urbanas. A percepção que cada um tem sobre a inflação pode
ser maior ou menor, mas isso não invalida a apuração do IBGE. Isso porque a
relevância de um índice confiável de inflação está no fato de que ele espelha o
valor da moeda brasileira ao longo do tempo.
Não é difícil compreender esse conceito na
prática. Basta ir a um supermercado para perceber que o dinheiro não compra
mais aquilo que comprava no passado. É improvável encontrar alguém disposto a
relativizar essa questão, a não ser que essa pessoa frequente a Esplanada dos
Ministérios.
Passados mais de 30 anos do único plano
econômico que debelou a hiperinflação, o Real, é inacreditável que integrantes
do governo Lula ainda tenham tanta dificuldade para entender a dinâmica da
evolução dos preços na economia. A recusa em compreender o fenômeno a fundo
mais parece negação do que ignorância.
Há meses o governo Lula da Silva anda em
círculos tentando eleger vilões e encontrar culpados pelo avanço dos preços.
Usar de subterfúgios para reduzir a importância da inflação cheia é o mesmo que
combater uma febre alta sem administrar antitérmicos. O paciente continuará a
sentir calafrios, ainda que o médico quebre o termômetro para convencê-lo de
que está tudo bem.
Para seguir adiante
O Estado de S. Paulo
Embora tardia, é bem-vinda a medida que
reconhece Vladimir Herzog como anistiado político
Quase 50 anos depois de sua morte, o
jornalista Vladimir Herzog foi oficialmente declarado anistiado político. Com a
medida se avança mais um degrau numa escada civilizatória no Brasil: o
reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de sua responsabilidade pela violação
de direitos humanos cometida por seus agentes durante a ditadura militar
(1964-1985). Também se oficializou uma indenização vitalícia para a viúva,
Clarice Herzog, atendendo a uma determinação da Justiça Federal. Em abril do
ano passado, a Comissão de Anistia, órgão responsável por políticas de
reparação e memória para as vítimas do período, já havia reconhecido que
Clarice também foi perseguida em razão de sua luta após a morte do marido.
Trata-se de uma declaração bem-vinda e
significativa, não obstante tenha levado tempo demais para ser oficializada.
Famílias como a de Herzog, a do ex-deputado federal Rubens Paiva e muitas
outras que tiveram parentes desaparecidos e mortos por ação direta e criminosa
do Estado brasileiro de então passaram e ainda passam por longo calvário em
busca de reconhecimento, reparação e justiça. Em tempos de elogio à truculência
na política, elas são símbolos e testemunhas do que acontece quando liberdades
básicas são sacrificadas pelo autoritarismo.
Era 25 de outubro de 1975 – ano em que o
então presidente Ernesto Geisel iniciou a abertura “lenta, gradual e segura” –
quando Vladimir Herzog teve a morte anunciada. Sob acusação de pertencer ao
Partido Comunista, o então diretor de Jornalismo da TV Cultura foi detido,
torturado e assassinado. Atestada por um inquérito fajuto que durou apenas
cinco meses, sua morte foi encenada para parecer um suicídio, em farsa tão
evidente que o cemitério israelita nem sequer considerou a hipótese de enterrar
o corpo na área reservada aos suicidas, como determina a religião judaica.
Enquanto parte do Brasil enfrentava o medo e
se mobilizava pela volta à democracia, a linha-dura militar sabotava os planos
de abertura. A farsa do suicídio de Vladimir Herzog era parte daquela
sabotagem, com repressão, tortura e assassinatos nos chamados “porões da
ditadura”, além de atentados que durariam anos. “Interessa-nos saber a
responsabilidade por esse clima de terrorismo: pois é de terrorismo que se
trata”, dizia um editorial do Estadão dias depois da morte do
jornalista.
Desde então o País ainda deve o
reconhecimento e a reparação por atrocidades cometidas naqueles anos, apesar da
desconfiança notória de quem ainda busca celebrar o “movimento revolucionário”
de 1964 como símbolo da vontade geral do povo e da liberdade contra o
radicalismo. É uma lacuna que só atrapalha a esperança de que possamos seguir
adiante – sem traumas, medos nem dívidas do passado.
O reconhecimento aos Herzogs se presta a isto: seguir adiante. Como este jornal já sublinhou outras vezes, anistiar não significa esquecer. Mais: reconhecer e reparar não significam revanche, tampouco significam negar a Lei da Anistia, de 1979. Essa distinção é fundamental e garante a exata compreensão da responsabilidade do Estado pela morte presumida de cidadãos que estavam sob sua custódia porque ousaram se contrapor a um regime de exceção.
Em defesa da vida, vacinar é preciso
Correio Braziliense
Há menos de um mês no cargo, o ministro da
Saúde, Alexandre Padilha, reconheceu, no discurso de posse, que elevar a adesão
dos brasileiros à vacinação tem sido um desafio no país, enfrentado com bons
resultados pela sua antecessora, a sanitarista e socióloga Nísia Trindade
Entre abril e outubro, quando há oscilação
acentuada da temperatura — ora chove muito, ora ocorre intenso calor —,
aumentam os casos de gripe na população. Idosos e crianças no primeiro ano de
vida são os mais suscetíveis ao ataque dos vírus, assim como gestantes e
profissionais que têm muito contato com públicos diversos, como os professores.
Por isso, formam o grupo prioritário nas campanhas anuais contra a
influenza.
Neste ano, a campanha em âmbito nacional será
iniciada no próximo dia 7, mas o Distrito Federal antecipou a iniciativa e
imuniza a população contra a influenza A (H1N1 e H3N2) e B, os vírus que mais
afetam os brasileiros, desde terça-feira. O primeiro lote de 80 mil doses deve
ser aplicado em 1,2 milhão de indivíduos. E a expectativa é de que, em 2025, a
capital federal atinja a meta estipulada pelo governo federal: vacinar ao menos
90% dos mais vulneráveis.
Há menos de um mês no cargo, o ministro da
Saúde, Alexandre Padilha, reconheceu, no discurso de posse, que elevar a adesão
dos brasileiros à vacinação tem sido um desafio no país, enfrentado com bons
resultados pela sua antecessora, a sanitarista e socióloga Nísia Trindade.
Padilha, que é médico de formação e ocupou a mesma pasta no governo
Dilma, prometeu "impulsionar um movimento nacional pela vacinação e
defesa da vida que consolidará o Brasil como o mais amplo e diverso programa
público de vacinação do mundo".
O engajamento da sociedade nas campanhas de
vacinação é, sem dúvidas, indispensável à saúde coletiva. Mas os quase dois
anos e meio de gestão de Nísia Trindade, mesmo com avanços reconhecidos nas
taxas de imunização, evidenciam a necessidade da adoção de novas estratégias
para se chegar a um cenário de tranquilidade sanitária. No ano passado, por
exemplo, a cobertura vacinal contra a influenza chegou a 55%. Em 2023, a 60%.
Ter dúvidas quanto à importância de vacinas,
principalmente depois da pandemia da covid-19, é retrocesso. No início de 2020,
o mundo se viu diante da maior tragédia sanitária dos últimos 100 anos.
Quase 20 milhões de pessoas não resistiram ao Sars-Cov-2, calcula a Organização
Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil no Brasil, e a onda letal provocada
pelo coronavírus só começou a arrefecer com o surgimento dos imunizantes.
Cientistas e médicos uniram-se e, em tempo recorde — menos de um ano —, conseguiram
produzir fórmulas capazes de interromper a escalada de mortes.
Mesmo diante de um cenário macabro,
negacionistas fizeram campanhas contra as vacinas e as orientações dos
especialistas. Não pararam mesmo quando, por conta do aumento de vacinados,
pode-se declarar o fim da crise sanitária global. Cinco anos depois do
surgimento da covid-19, o vírus das fake news segue contaminando a sociedade e
ceifando vidas.
Imunizantes são grandes saltos da ciência e da medicina para a vida das pessoas, desde a infância à velhice. O Brasil, reconhecido internacionalmente pela forma como usufrui desses imunizantes, por meio de um sistema complexo e eficaz de imunização de sua população, não pode perder esse status. A atual campanha da gripe pode ser um momento de volta ao passado, não para impor um retrocesso, mas para recuperar uma prática exemplar de proteger vidas e que é exemplo para muitas nações.
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