Valor Econômico
Custos de refinanciamento da dívida dos governos e das empresas estão aumentando
As tensões geopolíticas e as enormes incertezas provocadas por Donald Trump de volta à Casa Branca impactam também nas perspectivas já difíceis dos mercados mundiais de títulos da dívida, soberana ou corporativa. Os níveis de endividamento dos governos e das empresas aumentaram - assim como o custo da dívida está ficando mais salgado. E isso quando as grandes tendências macroeconômicas exigem um volume de investimento sem precedentes, que em grosso será financiado por endividamento.
Os mercados de títulos da dívida estão em
plena mutação, como notou Carmine Di Noia, diretor de assuntos financeiros e de
empresas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em
conversa com o colunista depois de apresentar o novo relatório sobre a dívida
mundial.
O volume total da dívida soberana e da dívida
das empresas já supera US$ 100 trilhões. Em 2024, os governos e empresas
captaram US$ 25 trilhões nos mercados em escala mundial, o triplo de 2007, e
essa alta vai continuar em 2025. Entre os membros da OCDE, a relação dívida/PIB
(Produto Interno Bruto) deve subir para 85% neste ano comparado a 82% em 2023.
As emissões soberanas de países emergentes também cresceram fortemente, com
mais de US$ 3 trilhões no ano passado comparado a US$ 1 trilhão em 2007. O montante
total da dívida soberana dos emergentes fica em US$ 12 trilhões.
No caso das empresas, tanto de países
desenvolvidos como emergentes, o mercado de obrigações atingiu US$ 35 trilhões
em 2024. E a novidade no relatório, como destaca Di Noia, é a constatação de
que as firmas em geral usaram os empréstimos levantados nas últimas duas
décadas sobretudo para operações financeiras, como recomprar ações ou pagar
dividendos aos acionistas, em vez de fazer investimentos produtivos. Isso
significa que os créditos não vão se pagar através do retorno com investimentos
reais. As atuais incertezas globais elevam inquietações sobre a estabilidade da
demanda de investidores estrangeiros, que são uma parte importante no mercado
de títulos corporativos em geral.
É num cenário complicado que nada menos de
45% da dívida soberana dos países da OCDE vai vencer entre agora e 2027. Nos
emergentes, esse percentual fica em torno de 40%. Um terço das obrigações
totais das corporações também precisará ser refinanciado nos próximos três
anos.
E isso acontecerá não mais no cenário de
políticas monetárias expansionistas e juros muito baixos. É óbvio que os custos
dos empréstimos serão mais caros, e já começam a serem sentidos. Os juros pagos
sobre a dívida nos países da OCDE aumentaram de 3% do PIB em 2023 para 3,3% no
ano passado, na média. Essas despesas foram superiores aos gastos públicos na
área de defesa, que é crucial na situação atual.
O relatório não publica detalhes por país,
mas Di Noia confirma que o pagamento de juros da dívida pelo Brasil chega a 8%
do PIB, “o mais alto, ou um dos mais altos em termos de custos” entre os países
pesquisados. Mas nota que o Brasil tem um mercado bem desenvolvido em moeda
local, ao contrário de vários emergentes que poderão ter mais dificuldades para
o refinanciamento.
A dinâmica que alimenta os níveis atuais da
demanda de investidores por títulos da dívida poderá não durar, na visão da
OCDE. A existência de uma demanda externa suficientemente importante depende,
por exemplo, do nível e do funcionamento dos fluxos financeiros internacionais.
Só que as tensões geopolíticas e as incertezas comerciais poderão causar
rapidamente uma aversão pelo risco e perturbar certos fluxos externos de
investimentos de portfólio.
Para a OCDE, as tensões geopolíticas
poderiam, por exemplo, reduzir a demanda por títulos soberanos de países não
alinhados politicamente.
O endividamento dos governos e das empresas
continuará a aumentar em todo o mundo. Projeção publicada pelo FMI em outubro
de 2024 aponta continuação de crescimento da dívida pública em grandes
economias - dos EUA e da China, como também de Brasil, França, Itália, África
do Sul e Reino Unido. Para o FMI, o adiamento de ações nesses países tornará
ainda maior a necessidade de cortes nos gastos e aumentos de impostos.
Como observa Di Noia, a evolução atual dos
mercados da dívida ocorre num momento em que os países buscam mais e mais
reforçar sua competitividade investindo em infraestrutura, transição climática,
transformação digital com a inteligência artificial, e agora aumentando suas
despesas na área de defesa.
Os governos e empresas deverão responder à
necessidade de investimentos levando em conta a desaceleração do crescimento
económico, os riscos geopolíticos mais elevados e prioridades concorrentes.
Sabendo que cada centavo captado nos mercados da dívida custa mais caro, essas
decisões serão ainda mais delicadas a serem tomadas.
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