quinta-feira, 27 de março de 2025

Malu Gaspar – A arena agora é política

O Globo

Assim que foi aceita no Supremo a denúncia contra os oito primeiros acusados de participação na trama golpista que redundou no 8 de Janeiro, Jair Bolsonaro deu início à fase seguinte da batalha, com uma entrevista-pronunciamento de quase uma hora que lembrou as falas raivosas do final de seu governo —justamente o período em que ele mobilizava assessores e aliados para tentar achar alguma forma de não passar a faixa a Lula.

Todo o cardápio golpista foi exposto ali, das suspeitas sem fundamento sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas ao argumento um tanto esdrúxulo de que “discutir hipóteses de dispositivos constitucionais não é crime”. Além de confirmar os depoimentos dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica a respeito das tentativas de convencê-los a aderir a um golpe de Estado, Bolsonaro admitiu que queria decretar estado de sítio ou algo parecido no Brasil, logo depois de perder as eleições. Não o fez porque não teve apoio de quem tinha a força armada para mantê-lo no poder.

Mas, se do ponto de vista jurídico isso pode ser um tiro no pé, uma vez que a mera tentativa de golpe de Estado já é crime, do ponto de vista político parece ser um argumento que cola perante a parte do público disposta a considerar Bolsonaro um perseguido pela Justiça.

A política, afinal, é a única arena em que o bolsonarismo ainda vê brecha para avançar. Em que pese gastar milhões com alguns dos criminalistas mais caros do país — que, para todos os efeitos, ainda dizem ser possível reverter o rumo do processo —, os aliados de Bolsonaro têm a condenação como certa e não acreditam numa reviravolta jurídica sem pressão política.

A discussão em torno da pena de 14 anos que Alexandre de Moraes defende para a cabeleireira Débora Santos — que pichou com batom a estátua da Justiça em frente à sede do Supremo no dia 8 de janeiro — é trunfo útil nessa batalha. Mãe de duas crianças pequenas, Débora já está presa há dois anos e se converteu em heroína para o bolsonarismo. Seu caso também tem apelo fora da bolha da extrema direita. Tanto que “invadiu” o julgamento de ontem, num embate em que Luiz Fux apelou ao “coração que bate debaixo da toga” para explicar por que pretende rever a pena — Moraes revidou dizendo que “não foi uma simples pichação”, porque ela “estava havia muito tempo dentro dos quartéis, pedindo intervenção militar”, e ainda “ invadiu, com toda a turba”.

A pichadora do batom será também o personagem-símbolo da manifestação marcada para a Avenida Paulista no dia 6 de abril, aposta dos bolsonaristas para superar o fiasco de Copacabana. Os líderes da direita pretendem pautar a votação do projeto da anistia na semana seguinte, ao mesmo tempo que o Supremo analisar as denúncias contra o “núcleo operacional” do golpe, formado pelos militares que planejaram sequestrar e eliminar Moraes, Lula e o vice eleito, Geraldo Alckmin, em dezembro de 2022.

Para não deixar o assunto perder impulso nesse meio-tempo, usarão a Comissão de Relações Exteriores da Câmara para convocar trumpistas estridentes a depor e dar palco à tese de que as plataformas digitais interferiram no curso das eleições no Brasil.

Está desenhado, portanto, o plano para seguir em paralelo ao julgamento no Supremo: criar ou reforçar os “fatos alternativos” que sustentem a narrativa da perseguição política até que fique claro quando e como Bolsonaro será condenado. Só depois disso — e, de preferência, com o projeto da anistia já aprovado para os “presos comuns” do 8 de Janeiro — é que se cogita apresentar outro projeto prevendo anistia ao próprio Bolsonaro.

Não há garantia de que dará certo, muito pelo contrário. No meio do caminho estará o governo Lula, disputando a atenção com a discussão da isenção de imposto para quem ganha até R$ 5 mil e a ofensiva de marketing do ministro Sidônio Palmeira. E, do lado oposto, Moraes e os ministros do STF, que, além de já convencidos da culpa de Bolsonaro e seus aliados, não parecem nem um pouco dispostos a recuar para baixar a temperatura política.

Bolsonaro, porém, se inspira no exemplo de Trump, que acabou voltando ao poder depois de quase quatro anos na mira de uma série de investigações, incluindo a apuração sobre os responsáveis pelos ataques ao Capitólio. Para o americano, estar permanentemente no centro do noticiário, ainda que de forma negativa, compensou. Com seus últimos movimentos, Bolsonaro demonstrou que seguirá o mesmo roteiro. Até porque não lhe resta outra alternativa.

 

Nenhum comentário: