O Globo
Assim que foi aceita no Supremo a denúncia
contra os oito primeiros acusados de participação na trama golpista que
redundou no 8 de Janeiro, Jair
Bolsonaro deu início à fase seguinte da batalha, com uma
entrevista-pronunciamento de quase uma hora que lembrou as falas raivosas do
final de seu governo —justamente o período em que ele mobilizava assessores e
aliados para tentar achar alguma forma de não passar a faixa a Lula.
Todo o cardápio golpista foi exposto ali, das suspeitas sem fundamento sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas ao argumento um tanto esdrúxulo de que “discutir hipóteses de dispositivos constitucionais não é crime”. Além de confirmar os depoimentos dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica a respeito das tentativas de convencê-los a aderir a um golpe de Estado, Bolsonaro admitiu que queria decretar estado de sítio ou algo parecido no Brasil, logo depois de perder as eleições. Não o fez porque não teve apoio de quem tinha a força armada para mantê-lo no poder.
Mas, se do ponto de vista jurídico isso pode
ser um tiro no pé, uma vez que a mera tentativa de golpe de Estado já é crime,
do ponto de vista político parece ser um argumento que cola perante a parte do
público disposta a considerar Bolsonaro um perseguido pela Justiça.
A política, afinal, é a única arena em que o
bolsonarismo ainda vê brecha para avançar. Em que pese gastar milhões com
alguns dos criminalistas mais caros do país — que, para todos os efeitos, ainda
dizem ser possível reverter o rumo do processo —, os aliados de Bolsonaro têm a
condenação como certa e não acreditam numa reviravolta jurídica sem pressão
política.
A discussão em torno da pena de 14 anos
que Alexandre
de Moraes defende para a cabeleireira Débora Santos — que pichou com
batom a estátua da Justiça em frente à sede do Supremo no dia 8 de janeiro — é
trunfo útil nessa batalha. Mãe de duas crianças pequenas, Débora já está presa
há dois anos e se converteu em heroína para o bolsonarismo. Seu caso também tem
apelo fora da bolha da extrema direita. Tanto que “invadiu” o julgamento de
ontem, num embate em que Luiz Fux apelou
ao “coração que bate debaixo da toga” para explicar por que pretende rever a
pena — Moraes revidou dizendo que “não foi uma simples pichação”, porque ela
“estava havia muito tempo dentro dos quartéis, pedindo intervenção militar”, e
ainda “ invadiu, com toda a turba”.
A pichadora do batom será também o
personagem-símbolo da manifestação marcada para a Avenida
Paulista no dia 6 de abril, aposta dos bolsonaristas para superar o
fiasco de Copacabana.
Os líderes da direita pretendem pautar a votação do projeto da anistia na
semana seguinte, ao mesmo tempo que o Supremo analisar as denúncias contra o
“núcleo operacional” do golpe, formado pelos militares que planejaram
sequestrar e eliminar Moraes, Lula e o vice eleito, Geraldo
Alckmin, em dezembro de 2022.
Para não deixar o assunto perder impulso
nesse meio-tempo, usarão a Comissão de Relações Exteriores da Câmara para
convocar trumpistas estridentes a depor e dar palco à tese de que as
plataformas digitais interferiram no curso das eleições no Brasil.
Está desenhado, portanto, o plano para seguir
em paralelo ao julgamento no Supremo: criar ou reforçar os “fatos alternativos”
que sustentem a narrativa da perseguição política até que fique claro quando e
como Bolsonaro será condenado. Só depois disso — e, de preferência, com o
projeto da anistia já aprovado para os “presos comuns” do 8 de Janeiro — é que
se cogita apresentar outro projeto prevendo anistia ao próprio Bolsonaro.
Não há garantia de que dará certo, muito pelo
contrário. No meio do caminho estará o governo Lula, disputando a atenção com a
discussão da isenção de imposto para quem ganha até R$ 5 mil e a ofensiva de
marketing do ministro Sidônio Palmeira. E, do lado oposto, Moraes e os
ministros do STF,
que, além de já convencidos da culpa de Bolsonaro e seus aliados, não parecem
nem um pouco dispostos a recuar para baixar a temperatura política.
Bolsonaro, porém, se inspira no exemplo de
Trump, que acabou voltando ao poder depois de quase quatro anos na mira de uma
série de investigações, incluindo a apuração sobre os responsáveis pelos
ataques ao Capitólio. Para o americano, estar permanentemente no centro do
noticiário, ainda que de forma negativa, compensou. Com seus últimos
movimentos, Bolsonaro demonstrou que seguirá o mesmo roteiro. Até porque não
lhe resta outra alternativa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário