• O cidadão que ingressa na economia formal passa a ter um futuro relativamente previsível pela frente
Valor Econômico
Aos 72 anos de idade minha visão da economia brasileira parte sempre de uma leitura estrutural dos fatores principais que comandam sua dinâmica. Neste sentido procuro construir um futuro ainda hipotético a partir de movimentos que entendo devam influir progressivamente no comportamento dos mercados. Este é um exercício quase solitário, pois o número de analistas com esta visão da economia é muito menor do que o dos palpiteiros do dia a dia.
Por isto, quando uma pesquisa de campo, como a realizada pelo diretor do Instituto Data Popular - e publicada pelo Valor na sua edição do último dia 13 -, confirma minha leitura do futuro, sinto um conforto muito grande. No final são dados reais caminhando na direção do cenário idealizado por mim há alguns anos. A entrevista de Renato Meirelles trata dos efeitos da formalização do emprego, ocorrida principalmente a partir de 2005 entre os brasileiros das classes D e E.
Este movimento de formalização do trabalho das classes de renda mais baixa no Brasil ocorreu em dois momentos distintos: o primeiro, nos anos seguintes ao Plano Real, quando o número de brasileiros que viviam no espaço do emprego formal passou de 33% do total para 44%. O segundo momento ocorre a partir de 2005, quando a formalização volta a ganhar força e chega a 67% da população agora no final do mandato da presidente Dilma (veja gráfico). Estudo recente realizado pela equipe do Banco Itaú mostra que este processo deve se estabilizar quando atingir 70% da população brasileira, por volta de 2016.
Minha conversão à tese de que vivíamos realmente uma mudança estrutural importante na sociedade brasileira ocorreu em fins de 2008. Afinal o gráfico nesta página, construído pela equipe da Quest Investimentos em 2005, já falava por si mesmo. A partir de 2008 minha preocupação foi procurar entender os efeitos que este novo desenho da sociedade teria sobre as dinâmicas política e econômica em nosso país. Venho fazendo este exercício de forma continuada desde então e, por isto, a matéria do Valor teve um impacto muito grande para mim. Afinal, uma pesquisa de campo, com credibilidade, mostrava que meu exercício de abstração estava correto e que poderia dar um passo adiante - mais ambicioso - nas minhas previsões.
Antes de fazê-lo vou mostrar ao leitor quais as mudanças importantes que a passagem de um brasileiro comum da informalidade para a formalidade econômica traz no seu comportamento como cidadão. Creio ter encontrado uma ideia que resume de forma sintética estas mudanças: o cidadão na economia formal passa a ter um futuro relativamente previsível pela frente. Entendo como um futuro relativamente previsível o fato de ter um contrato formal de trabalho que lhe permite ter acesso, entre outros, a programas sociais como FGTS e PIS/Pasep, ao credito bancário e, principalmente, ao direito de ter seu salário corrigido anualmente com base na inflação passada e, em certos períodos, com um ganho real no valor de seu salário. Apenas o fantasma do desemprego pode mudar este quadro.
A formalização do trabalho, em uma sociedade em que o nível de consumo tem um valor muito forte, responde por grande parte do boom de consumo do segundo mandato do presidente Lula. A sincronia destas mudanças com o aumento da confiança do sistema bancário na economia acelerou ainda mais seu crescimento. Entre 2006 e 2008, as vendas ao varejo nas regiões Norte e Nordeste chegaram a crescer a taxa anuais superiores a 15%. Na esteira deste aumento do consumo seguiu-se um aumento significativo do investimento na medida em que as empresas mais conservadoras passaram a perder fatias de mercado. E a economia brasileira - e o governo do PT - viveram anos de ouro.
Deixo de lado a questão econômica e volto agora a especular sobre os efeitos defasados no tempo que esta formalização do emprego terá sobre a sociedade brasileira. Mais uma vez recorro a entrevista do presidente do Data Popular ao Valor para reforçar minha tese de que a formalização do emprego trará mudanças no comportamento político destes brasileiros e na sua forma de avaliar o Estado. Renato Meirelles cita, por exemplo, o fato de que pela primeira vez estes brasileiros estão encarando de frente os impostos cobrados em seus salários.
"A favela cresceu junto com a economia e esse cara passou a pagar imposto na fonte. Ele não tem noção de imposto indireto. Então, ele não sabia o que era pagar imposto. Agora sabe. Com isso, passa a cobrar mais dos serviços públicos. Deixa de entender serviço público como um favor do governo e passa a entender como uma contrapartida pelo que ele paga. Isso é ótimo. Ele não quer mais cesta básica. Quer plano nacional de banda larga. Não quer dentadura. Quer ProUni".
Esta é uma diferença fundamental para que possamos entender o Brasil dos próximos anos. Quando o cidadão não tem futuro somente o governo pode garantir a ele alguma segurança em relação ao futuro; quando ele passa a ter o emprego formal e começa a pagar impostos ao governo esta lógica se inverte, principalmente na situação em que os serviços públicos prestados pelo governo são de péssima qualidade. Dentro desta ótica fica mais fácil entender a Constituição brasileira de 1988, quando o emprego formal atingia menos de 30% da população. E certamente poderemos esperar que, talvez no fim dessa década, haja condições políticas para sua revisão.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
Um comentário:
2003 foi quando mudaram a definição de "classe média" para incluir quem ganha a partir de R$ 200,00 por mês, não foi? Quando disseram que a partir de R$ 70,00 a pessoa não é mais miserável e a partir de R$ 5.000,00/mês por família a gente é "classe A", verdade? Cinco mil em uma família de quatro pessoas e a gente faz parte da mesma classe de Ermírio de Moraes e Eike Batista!
Faz sentido...
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