- Valor Econômico
• Gasto que mais subiu nos anos recentes foi o discricionário
Ao contrário do que diz a sabedoria convencional, não foi a Constituição de 1988, mas as decisões políticas dos governos, que elevaram a níveis insustentáveis os gastos públicos. O suspeito usual sempre foi a Carta Magna, que teria estabelecido um novo pacto social para o país. Na verdade, o que realmente pesou foram as políticas escolhidas pelos presidentes eleitos.
Incomodado com a "certeza", presente no debate econômico desde o fim dos anos 80 do século passado, de que a Constituição é a mãe de todos os males fiscais, o economista Bráulio Borges, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), resolveu olhar os números de perto. O que ele constatou é surpreendente.
Entre 1997 e 2015 - as séries anteriores não são muito confiáveis -, calculou Borges, o que mais pressionou as despesas públicas foi a política de valorização do salário mínimo. Os aumentos reais (acima da inflação) se iniciaram no governo Fernando Henrique Cardoso e tomaram impulso no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010). Na gestão Dilma Rousseff (2011-2016), a política de superindexação do salário mínimo, com correção anual pela inflação do ano anterior, acrescida da variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes, virou lei, vigente até 2019.
A decisão, portanto, de conceder aumentos reais ao mínimo foi política. O salário mínimo é uma espécie de intervenção do Estado no domínio econômico, uma referência. Nas grandes capitais, é difícil encontrar trabalhadores que ganhem o mínimo. Mesmo os empregados de baixa qualificação apuram mais nos grandes centros. O mínimo, de qualquer forma, é usado como referência nos salários das prefeituras das pequenas cidades e também na economia informal.
O problema é que o constituinte de 1988 decidiu que, para preservar o poder de compra dos aposentados do INSS, o piso da previdência social deve ser atrelado ao salário mínimo. A mesma Constituição diz que o mínimo deve ser corrigido ao menos pela inflação. Aumentar o valor do mínimo acima da inflação significa elevar o gasto público por causa da vinculação do piso previdenciário - para cada R$ 1 de reajuste do mínimo, o gasto do INSS sobe R$ 330 milhões, diz Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre, que tratará do tema na próxima carta da conjuntura.
"O poder de compra do mínimo atualmente situa-se num nível aproximadamente 31% superior à média histórica entre 1940 e 2015, e 54% acima da média entre 1988 e 2015. Cerca de metade da elevação de quase 5 pontos percentuais do gasto primário [que não inclui a despesa com juros da dívida] entre 1997 e 2015 foi causada por aumentos reais do salário mínimo durante todos os governos deste período. A razão é que o piso previdenciário, os benefícios assistenciais (BPC/Loas), o abono salarial e o seguro-desemprego são indexados a variações do mínimo nacional", observa Schymura.
Bráulio Borges estima que cerca de metade da elevação de quase cinco pontos percentuais do gasto primário entre 1997 e 2015 foi provocada por aumentos reais do salário mínimo. Nesse período, o mínimo cresceu, em média, 4,2% ao ano, em termos reais (já descontada a inflação do período).
Outras despesas discricionárias, como o Bolsa Família (0,5% do PIB), e os gastos com educação e saúde também pressionaram o orçamento público. Uma informação relevante, especialmente para aqueles que estão nas ruas combatendo a PEC 241 (no Senado, 55): a União desembolsa muito mais com educação e saúde - cerca de 1% do PIB - do que determina a Constituição, derrubando por terra o argumento de que a PEC foi formulada para diminuir os dispêndios nessas duas áreas, que, ao contrário de todas as outras rubricas, serão corrigidas, a partir de 2017, pelo menos pela inflação.
Outros gastos discricionários, como as desonerações do governo Dilma, também pressionaram as despesas, independentemente, portanto, do que manda Constituição. Borges calcula que, somados todos esses gastos discricionários, a despesa cresceu 4,5 pontos percentuais entre 1997 e 2015. "Pode-se dizer que 90% da ampliação da despesa nesse período deveu-se a decisões que não foram predeterminadas pelos parlamentares constituintes", observa Schymura.
Fernando Veloso, também pesquisador do Ibre, acredita que o fato de a Constituição ter vinculado tanto o piso previdenciário como os benefícios assistenciais ao salário mínimo criou uma situação em que se tornou quase inevitável o incremento observado na despesa pública federal.
Schymura advoga a tese de que "a atual crise fiscal provém em boa parte do aprofundamento da democracia e da inclusão social, que foi uma das principais marcas de todo o recente período democrático, muito mais do que apenas uma predeterminação constitucional". Mais democracia, num país marcado historicamente pela pobreza de milhões de pessoas e pela desigualdade de renda, resulta em mais gasto.
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