Trava-se dentro do Judiciário uma discussão bizantina, que se presta somente a reafirmar os problemas de fundo de um sistema que é responsável por garantir segurança jurídica, sem a qual ficam prejudicados o crescimento do País, a atividade política e, no limite, as relações cotidianas. Debate-se a lentidão do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar os processos em que políticos são réus.
Há poucos dias, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que, embora o Supremo esteja “fazendo o que pode”, o ritmo das ações relativas à Lava Jato naquela Corte tem sido “mais lento” que o verificado na primeira instância. Janot procurou temperar sua crítica afirmando que esse fenômeno decorre da “inversão da lógica” sobre a função do Supremo. A última instância judiciária, disse ele, deveria “julgar recurso”, e não “formar processo” – isto é, deveria apenas avaliar a apelação, em vez de tratar de todo o processo nos casos em que são julgadas autoridades com prerrogativa de foro.
A resposta de integrantes do Supremo não tardou. “Eu acho que há morosidade nas investigações na Procuradoria-Geral da República”, disse o ministro Gilmar Mendes. A propósito da Lava Jato, que foi o exemplo dado por Janot, Gilmar disse que “é evidente” que o tribunal de primeira instância em Curitiba tem sido “muito mais célere do que a Procuradoria-Geral” – responsável por oferecer ao Supremo as denúncias para que autoridades sejam julgadas. “Quantos inquéritos estão abertos que não tiveram ainda denúncias oferecidas? Talvez centenas de inquéritos abertos, que estão no Supremo, mas quantas denúncias oferecidas? Portanto, a lentidão é da Procuradoria-Geral”, disse o ministro Gilmar.
O relator das ações da Lava Jato no STF, ministro Teori Zavascki, também rebateu as acusações de lentidão, afirmando que “às vezes a crítica que se faz a respeito da demora nos julgamentos do Supremo é uma crítica importante, mas nem sempre é uma crítica justa”. Para Teori, seguindo argumento semelhante ao de Janot, o ritmo dos processos de quem tem foro no STF “é legalmente mais demorado”, porque essas ações “começam e terminam no Supremo”, enquanto as ações penais abertas na primeira instância percorrem um longo caminho até o trânsito em julgado.
Mesmo considerando-se todas essas ressalvas, o fato é que a lentidão do Supremo para dar andamento a processos, sejam eles de grande ou pequena repercussão, chega a ser embaraçosa. Emblemático, nesse aspecto, foi o caso de um julgamento de reconhecimento de paternidade que tramitava no STF havia 33 anos e que só foi resolvido em setembro passado – quando todos os envolvidos já estavam mortos. Mas é a demora do julgamento de políticos que simboliza melhor a descrença na capacidade da Justiça de cumprir sua missão.
A Folha de S.Paulo noticiou recentemente que o deputado federal Paulo Maluf é réu há 15 anos no Supremo em processo no qual é acusado de movimentação de dinheiro em paraísos fiscais. O advogado de Maluf, Ricardo Tosto, disse que seu cliente está “exercendo seu direito de defesa” e negou que haja morosidade, pois “todo caso complexo leva tempo”. Para ele, “as pessoas muitas vezes cobram que os casos emblemáticos sejam julgados logo, mas não é assim que o Judiciário funciona”. Os cidadãos comuns, para os quais a Justiça costuma ser bem menos amistosa, só podem ler essa declaração com estranheza.
É evidente que os ministros do Supremo não podem tomar suas decisões de afogadilho, pois elas têm ampla repercussão – não só jurídica, mas também política e econômica. No entanto, causa estupefação a naturalidade com que se vê o tempo passar no Supremo. Tal naturalidade é acentuada pelo hábito dos ministros de “pedir vista” por tempo indeterminado – contrariando o próprio regimento do STF – que suspende temporariamente o julgamento em pauta na Corte.
A tendência do Supremo de remeter às calendas o que reclama celeridade, especialmente no caso das autoridades acusadas de corrupção, enseja todo tipo de especulação. A demora, assim, torna-se, ela mesma, um ato político, papel ao qual o STF não deveria se prestar.
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