quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A onda da classificação – Gilvan Cavalcanti de Melo

Um fantasma ronda o País – o fantasma do classificacionismo, próprio da botânica que trata da classificação dos vegetais, ordenando-os segundo as famílias, gêneros e espécies.

Desde a recente eleição municipal sobraram teorias para decifrar seus resultados. Deixaram de lado as análises, do mundo real, complexo, do cotidiano, do senso comum. Abandonaram compreender o sentimento das multidões, principalmente, às manifestações de rua iniciadas em junho de 2013, até o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Passaram a adotar a teoria da classificação.

Diferentes forças se uniram, numa diabólica aliança, pela veracidade dessa narrativa: a Folha de S. Paulo, logo no dia seguinte do segundo turno, decretou: ‘o avanço da centro-direita’. O Valor Econômico foi no mesmo caminho e afirmou: ‘a vitória da centro-direita’. O Globo, com uma forte contribuição à essa teoria, consagrou em suas páginas um olhar, segundo o qual ‘o segundo turno consolida troca de forças nos municípios como símbolo da derrota da esquerda’.

As mais importantes revistas semanais indicaram que o eleitorado havia premiado os conservadores. A revista Veja, por exemplo, na edição de 12 de outubro, estampou na capa: ‘a força da direita’. Seguiram por essa via uma maioria de colunistas, articulistas, comentaristas políticos de jornais, revistas e da televisão.

Ao mesmo tempo, militantes, dirigentes de partidos políticos, os quais se intitulam de esquerda - PT, PCdoB, Psol e Rede, glorificaram essa narrativa classificatória, dicotômica e decretaram: vitória da direita contra a esquerda.

Essa narrativa é verdadeira? Não. É, no mínimo, um equívoco. Na realidade é uma fantasia, uma invenção, sem a menor conexão com o mundo existente. Seria suficiente uma simples comparação com as eleições municipais de 2012 para desmontar essa teoria. Se houvesse o hábito saudável dessa comparação não se pensaria em criar essa narrativa de uma novela inexistente.

Ora, lá atrás, nas eleições de 2012, os onze partidos que mais elegeram prefeitos e vereadores, apenas três (PSDB, DEM e PPS) não faziam parte do governo Dilma/Temer – autointitulado de esquerda. 
Agora, o ranking continua igual, com uma variação: o PT que era o terceiro passou para decimo lugar, uma derrota e tanto, por outros motivos: o PT deixou governo via impeachment de Dilma, por crime de responsabilidade e os escândalos da Lava-Jato. Além, é claro, de que foi o PT responsabilizado pela profunda crise econômica que deixou, oficialmente, mais de 12 milhões de desempregados, outros tantos subempregados, as finanças públicas desorganizadas. Não esquecer às grandes dificuldades por que passam os entes da federação: Estados e municípios.

E o imaginário dessa multidão que era bombardeada diariamente que viviam num País ‘maravilhoso’, saúde e educação de primeiro mundo.? Nada de explicações ou análises. Os botânicos da política preferem o caminho mais fácil: classificar partes. Chegaram ao absurdo de inventar uma dicotomia entre igrejas: uma conservadora outra progressista. Sem se quer analisar os valores comportamentais delas.

Ao escrever essas notas lembrei-me que essa cultura classificatória não é lá muito nova. Ela foi usada, também, lá atrás, nos idos do fim do regime dos militares. Naquela época tinha outra imputação e, também, equivocada. Consideravam a derrota do poder dos militares via colégio eleitoral como uma transição conservadora. Como se fosse possível classificar a derrota do autoritarismo, a conquista da democracia. A ditadura era o quê, progressista? Uma invenção, uma aberração ou simples fantasia quimicamente pura.

Não poderia terminar sem antes deixar de lembrar o velho Marx, em sua obra O Dezoito Brumário. Seu texto começa assim: ‘Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.’

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Gilvan Cavalcanti de Melo é membro do diretório nacional do PPS e editor do Blog Democracia Política e novo Reformismo

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