- Correio Braziliense
• O fenômeno das eleições municipais tende a se repetir nas eleições de 2018
Como nos oceanos, a política também tem ondas, marés e correntes. Não permanece parada. As ondas são um fenômeno físico que ocorre na superfície das águas, quando se aproximam da costa se dobram e se quebram. Às vezes, podem ganhar grandes dimensões, como ocorre normalmente no Havaí (EUA) e, eventualmente, nas grandes ressacas. Nos tsunamis, são gigantescas, porque são provocadas nas profundezas do oceano pelo deslocamento das placas tectônicas, erupção de vulcões ou terremotos.
As marés são movimentos de avanço e recuo das águas, cuja amplitude é provocada pelas forças gravitacionais do Sol e da Lua. Quanto mais próxima a Lua, maior o movimento de preamar e baixa-mar, duas vezes por dia. Isso ocorre na lua nova e na lua cheia. Já as correntes marítimas são provocadas pelo vento e pela rotação da Terra; por isso, deslocam-se em direções contrárias nos hemisférios Norte, no sentido horário, e Sul, no sentido anti-horário. Foram elas que permitiram os grandes descobrimentos e a globalização do comércio, a partir da chamada Carreira das Índias. Há correntes quentes, que se originam nas regiões tórridas e se dirigem às zonas polares e frias, que se deslocam das zonas polares em direção à zona intertropical da Terra.
Assim como a navegação marítima, na política também é importante distinguir os movimentos das ondas, marés e correntes. Por exemplo, saber se as recentes eleições municipais foram resultado de uma onda ou maré ou apontam a existência de uma grande corrente, que direciona-se para mares nunca antes navegados. Essa dúvida certamente já instiga o pensamento dos cientistas políticos, mas parece que não acontece a mesma coisa com os políticos. Eles tendem a ver o que correu como uma simples maré, que vai e volta num período relativamente curto. Talvez, para os que naufragaram nas urnas, uma grande onda de azar, no máximo um tsunami político. Pode ser que o fenômeno eleitoral seja uma grande corrente que pode arrastar a todos das águas quentes e confortáveis de um balneário para regiões geladas e inóspitas da política, onde a sobrevivência é quase impossível.
O que aconteceu no Brasil nas eleições deste ano tem características muito particulares, marcadas pela Operação Lava-Jato, a recessão e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Mas pode ser que o fenômeno não seja apenas nacional. Basta olhar para o que acontece com os nossos vizinhos, principalmente, a Argentina e a Venezuela, mas também o Chile e a Colômbia, ou para outros hemisférios, principalmente a Grécia, a Espanha, a Inglaterra e, agora, os Estados Unidos, com a eleição de Donald Trump. O impasse fiscal dos estados do Ocidente, a crise de representação dos partidos tradicionais, a crise humanitária no Mediterrâneo, a desconstrução do sujeito moderno, a ultrapassagem da sociedade industrial, tudo junto e misturado, colocam em xeque a política tal como a conhecemos no século passado.
No Brasil, se considerarmos que a falta de sintonia entre os nossos grandes atores políticos e a sociedade são um fenômeno isolado, já teremos muitas dores de cabeça sobre o porvir. Mas, se o que ocorrer for parte de uma grande tendência, como as correntes marítimas, podemos supor que o fenômeno das eleições municipais tende a se repetir nas eleições de 2018, ou seja, não haverá refluxo da maré ou bonança após a borrasca. Na verdade, o fenômeno se repetirá numa outra escala, bem maior. Há uma grande corrente arrastando o barco da política para bem longe de onde se pretendia ir.
Entretanto, apesar de todos os indícios, os grandes partidos ainda não se deram conta do que está acontecendo e caminham para as regiões inóspitas por causa disso. Alguns tentam neutralizar a Operação Lava-Jato, como se ela fosse apenas uma grande onda havaiana. Os mais pessimistas, um tsunami. Outros acreditam que podem neutralizar a corrente ressuscitando velhos discursos nacionalistas, como o contra Trump. E ainda os que querem resolver o problema cartelizando a política com uma reforma partidária e eleitoral, sem entender que isso vai apenas aumentar a distância em relação à sociedade.
O problema é que o ambiente de descrença generalizada da sociedade em relação aos partidos e aos políticos não vai se resolver com nada disso, pode até aumentar. É aí que surgirão salvadores da pátria, tecnocratas, populistas de direita, toda uma fauna de candidatos que falarão o que o povo quer ouvir, sem saber como e quando poderão resolver os problemas reais. A política brasileira precisa desesperadamente se reinventar.
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