terça-feira, 25 de junho de 2019

*Rana Foroohar: Recuperação longa não é sempre a melhor

- Valor Econômico

Recessões são parte natural e normal do capitalismo, e não algo a ser evitado a qualquer custo. Economistas do Deutsche Bank afirmam que a produtividade e o zelo empresarial seriam mais fortes se o ciclo de negócios nos EUA não tivesse sido prolongado de maneira artificial

No começo de julho, a atual expansão econômica dos Estados Unidos tornar-se-á oficialmente a mais prolongada desde 1854, ano em que o National Bureau of Economic Research começou a compilar os dados sobre os ciclos de negócios. O desemprego encontra-se no menor patamar em 49 anos. Os preços dos ativos estão próximos de níveis recordes. E o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, sinalizou mais uma vez na semana passada que tende a reduzir as taxas de juros em razão de "incertezas" no cenário econômico e da inflação baixa.

Isso intuitivamente faz sentido quando se considera a instabilidade geopolítica no momento, e o quanto essa recuperação vem se mostrando bifurcada, favorecendo principalmente as grandes companhias multinacionais e indivíduos muito ricos.

Mas também é surpreendente a rapidez com que o Fed passou de uma política de aperto monetário para a preparação de um afrouxamento e levando-se em conta que o banco central vai trabalhar a partir de uma taxa básica que se encontra num patamar histórico de baixa, na tentativa de atravessar a próxima recessão, não importa quando ela chegar.

Ainda mais perturbador é o fato de esse ciclo econômico extraordinariamente longo não ser singular. Um estudo do Deutsche Bank analisou 34 expansões econômicas dos EUA ao longo dos últimos 165 anos e constatou que os últimos quatro ciclos de negócios foram mais longos que a média. Na verdade, eles respondem por quatro dos seis ciclos mais longos. Desde 1982, ciclos mais longos se tornaram o novo normal.

Por que isso? Os otimistas diriam que recessões menos frequentes são resultado de mudanças estruturais positivas e melhores escolhas políticas que deixaram a economia dos EUA menos propensa a elas. Um estudo de janeiro do Goldman Sachs aponta para melhores estoques e gerenciamento da cadeia de fornecimento (grande parte disso resultado de melhorias tecnológicas) e a queda da parcela da economia americana que é mais ligada a setores cíclicos, graças em parte à terceirização no exterior da produção. Ao mesmo tempo, o crescimento da indústria de xisto dos EUA reduziu o risco e o impacto dos choques nos preços do petróleo, outrora um grande gatilho de recessões.

Outras explicações para o ciclo econômico prolongado enfatizam a maneira como a economia mundial evoluiu. Os avanços tecnológicos, a globalização - especialmente a reintegração da China ao sistema de mercado - e os níveis mais altos de comércio internacional aumentaram a produtividade e o crescimento, refreando ao mesmo tempo a inflação.

Enquanto isso, o fim do sistema de Bretton Woods deu aos banqueiros centrais americanos mais liberdade para estender os ciclos econômicos, porque eles não precisam mais se preocupar com a manutenção de uma relação fixa entre o ouro e o dólar.

O resultado foi menos recessões, mas também um aumento das dívidas pública e privada, na medida em que os governos mundiais puderam financiar mais despesas públicas, e as empresas tiraram vantagem dos juros baixos estabelecidos pelos banqueiros centrais, que puderam se concentrar menos na estabilidade dos preços assim que Paul Volcker domou a inflação na década de 80.

O endividamento ocultou uma miríade de problemas na economia dos EUA nos últimos anos, do aumento da desigualdade aos salários estagnados. Isso também ajuda a mediar disputas entre vários grupos de interesses políticos. Republicanos e democratas em grande parte abraçaram uma postura do tipo "o mercado sabe o que é melhor" desde os anos 80, porque isso permitiu a eles evitar tomar medidas impopulares sobre a divisão do bolo da riqueza nacional.

Por que escolher entre as coisas que ganham valor com o tempo e as que perdem, quando você pode simplesmente desregulamentar os mercados, estimular o setor financeiro e esperar que a alta dos preços dos ativos permita a você olhar para o outro lado?

Tudo isso suscita a questão de se ciclos de negócios mais longo são realmente melhores. As recessões são uma parte natural e normal do capitalismo, e não algo a ser evitado a qualquer custo. Na verdade, os economistas do Deutsche Bank afirmam que a produtividade seria maior e o zelo empresarial americano mais forte, se o ciclo de negócios nos EUA não tivesse sido artificialmente prolongado pela política monetária.

Mas quanto mais longo o período de expansão, mais difícil fica levar embora a tigela de ponche. Concordo que os planejadores econômicos precisaram intervir depois do colapso do Lehman Brothers em 2008, para evirar uma recessão maior - os custos humanos já eram altos demais. Mas também não acredito, como acreditam alguns otimistas, que "desta vez é diferente".

Longos períodos de expansão invariavelmente resultam em uma alavancagem excessiva, seguida de uma correção e geralmente uma recessão. A dívida corporativa não financeira, que tende a crescer até o estouro de uma recessão, já superou picos anteriores e passou de 35% do PIB dos EUA em 1985 para os atuais 46%. Mesmo assim, as taxas de default de bônus corporativos estão em níveis muito baixos há uma década e meia.

Temo o que irá acontecer quando investidores e operadores colocarem esses dois fatores juntos e começaram a embutir nos preços um aumento dos defaults. Isso me faz desejar que talvez os planejadores econômicos dos Estados Unidos devessem ter optado por doses de sofrimento menores e mais frequentes, e não fermentado a mais longa expansão da história.

A Casa Branca quer manter a música tocando pelo menos até as eleições de 2020. O presidente Donald Trump criticou esta semana pelo twitter o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, por prometer "injustamente mais estímulos" e então indicou que poderá demitir o presidente do Fed, Jay Powell, se ele não fizer o mesmo. As tiradas de Trump me fazem lembrar dos meus filhos, quando os deixo ficar acordados até tarde e consumir muito sorvete. Talvez haja um aumento da produtividade tecnológica em algum momento e transforme esse ciclo de recuperação orientado pelo mercado em algo que distribua a prosperidade de uma maneira mais ampla. Mas é mais provável que tenhamos de pagar uma conta mais alta por termos deixado as luzes acesas por tempo demais. (Tradução de Mario Zamarian)

*Rana Foroohar é editora associada do Financial Times em Nova York

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