- Valor Econômico
Bolsonaro antecipa discussão sobre reeleição
O presidente Jair Bolsonaro antecipou de vez as discussões sobre o seu próprio processo sucessório. Ainda com um saldo de quase 1.300 dias de mandato, Bolsonaro adotou um comportamento heterodoxo para qualquer governante completando apenas seis meses no cargo e que normalmente faria de tudo para evitar que uma agenda extemporânea como essa passasse a pautar aliados, adversários e eleitores.
Bolsonaro tem motivações objetivas para agir assim e dá sinais de que está disposto a enfrentar os riscos que isso trará. Afinal, já percebeu que o próximo pleito municipal e as disputas locais estão a influenciar o comportamento de deputados e senadores nas discussões sobre a reforma previdenciária. Outros projetos de interesse do Executivo também terão sua tramitação atingida.
As razões de Bolsonaro vão além da necessidade de mobilização do seu eleitorado mais fiel, quando o Congresso Nacional vem aprovando propostas que visam delimitar os campos de atuação de cada instituição e Poder da República.
O presidente exige ser visto como um ator político que não pode ser considerado descartável ou artificialmente debilitado. Tenta, assim, demarcar um espaço de atuação no tabuleiro político nacional, enfraquecer adversários e manter a oposição em postura defensiva.
Num primeiro momento, Bolsonaro e aliados usaram as redes sociais para fomentar a pressão sobre os congressistas. O alvo da artilharia continuou sendo os partidos e a classe política tradicional, que governistas insistem em igualar sob o rótulo de Centrão. Líderes dessas legendas viram nos ataques uma tentativa de tirar o DEM e outros partidos à direita do caminho do PSL de Bolsonaro. Não à toa, lembram, o grupo político do presidente avança nas instâncias de poder da sigla, já de olho nas eleições municipais e futuros desafios.
Mais recentemente, Bolsonaro passou a sair com mais frequência dos ambientes palacianos. Assim como fazia antes de tomar uma facada em Minas Gerais, na campanha de 2018, tenta a todo momento demonstrar sua capacidade de arregimentação popular.
Para desespero da sua equipe de segurança, é cada vez mais comum vê-lo mandar parar o comboio presidencial, descer do carro e interagir com apoiadores, tirar retratos ao lado de eleitores, beijar crianças, fazer promessas, atacar rivais. Aos fins de semana, passou a ter uma típica agenda de candidato, com visitas a cultos, clubes e comércios locais. Transformou em instrumento corriqueiro da comunicação social da Presidência a chamada "photo opportunity", ocasião meticulosamente programada por políticos ou celebridades que visam a geração de publicidade favorável nos veículos de informação.
O momento também explica a insistência de Bolsonaro para que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) abra sua tal "caixa-preta" e, finalmente, exponha supostos malfeitos ocorridos durante os governos do PT. Sob essa ótica, a iniciativa pode encurralar a oposição, num momento em que a divulgação de mensagens trocadas por integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato recolocaram em evidência a situação judicial do ex-presidente Lula.
O episódio acabou por expor outro potencial presidenciável em uma posição de fragilidade. No epicentro da crise envolvendo essas mensagens, o ministro da Justiça, Sergio Moro, chegou ao governo mais popular que o próprio presidente da República. Na última manifestação favorável ao governo, teve sua imagem servindo de molde para um boneco gigante de super-herói. Moro deve ser um dos principais homenageados nos atos marcados para o domingo em defesa da Lava-Jato, mas seu destino político passou às mãos do chefe.
No horizonte de 2022, Bolsonaro também vê alguns governadores na lista de potenciais adversários, como o paulista João Doria. Por isso, oscila entre a promoção de eventos conjuntos e a troca esporádica de caneladas, a exemplo da recente articulação que pode tirar de São Paulo o Grande Prêmio de Fórmula 1, um dos principais eventos internacionais do calendário anual. De quebra, fortalecerá os filhos no berço eleitoral da família, o Rio de Janeiro.
Além disso, assim como diversos deputados, Bolsonaro decidiu fazer com que os governadores se exponham na articulação para a inclusão de Estados e municípios na reforma da Previdência. Não quer assumir sozinho um desgaste com o funcionalismo estadual e policiais militares, estes integrantes do eleitorado bolsonarista que ganha forma em todo o território nacional desde o ano passado.
Bolsonaro se apresenta de modo simples e em mais de uma ocasião disse ainda não estar acostumado com a liturgia do cargo de presidente da República. No entanto, tem um arguto faro político e método para dar tração ao seu projeto pessoal.
Muitos pares consideram que iniciou sua carreira ainda no Exército, quando levantou as mesmas bandeiras corporativistas que durante quase três décadas ostentou na Câmara dos Deputados. Lá, fomentou o politicamente incorreto e a descrença na classe política, dois pilares da campanha que o levou ao Palácio do Planalto.
Sua então candidatura ganhou formato cerca de quatro anos antes do pleito, justamente o mesmo período que o separa de um possível segundo mandato.
Embora diga que abrirá mão da reeleição se o Congresso Nacional aprovar uma boa reforma política, não se tem notícia das propostas que o agradariam. Ou se essa apenas passou a ser uma meta impossível de ser alcançada e, portanto, um álibi para justificar sua futura candidatura.
A aposta do presidente deve precipitar um rearranjo de forças no Congresso e remodelar a relação do governo federal com Estados e municípios. Diante de problemas recentes, autoridades do governo e seus aliados já responsabilizaram "o sistema", os partidos políticos e até forças ocultas. Agora, não conseguirão mais culpar os articuladores políticos do Palácio do Planalto, os quais terão dificuldades de trabalhar neste precipitado clima de campanha.
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