- Folha de S. Paulo
Não dá para sustentar a tese de que as regras morais são eternas e imutáveis
“Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte.” Isso é provavelmente o mais perto que a palavra escrita pode chegar da incitação ao crime. Constitui, a meu ver, uma clara violação ao artigo 20 da Lei Antirracismo (7.716), que, por decisão recente do STF, passou a punir também o preconceito contra homossexuais, e não só em relação a raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, como constava da redação anterior.
O problema da passagem acima é que ela está na Bíblia, mais especificamente em Levítico 20:13. E não é só a crimes contra homossexuais que o “livro bom” incita. Ele também manda matar quem tenha mudado de religião (Deuteronômio 13:7) e quem apenas pertença à etnia errada, caso dos amalequitas (1 Samuel 15:1). Diga-se em favor das Escrituras que elas são ecumênicas em seus preconceitos.
Como devemos agir? Aplicar a ferro e fogo as determinações da lei exigiria censurar a Bíblia ou, pelo menos, impedir pregadores de ler certas passagens em público. Seria engraçado ver o Supremo decidindo quais os trechos legais e quais os ilegais da chamada palavra de Deus.
Outra saída é buscar uma conciliação entre o texto bíblico antigo e a moralidade contemporânea. É o que tentam fazer grupos religiosos como o Gente de Fé Contra a LGBTfobia, que esteve na Parada Gay do último domingo. É por certo a posição mais razoável, mas ela cria algum ruído, à medida que exige que finjamos que certas passagens da Bíblia não existem. E não convence àqueles que insistem numa leitura literal das Escrituras.
O fulcro da questão é que não dá, hoje em dia, para sustentar a tese de que as regras morais são eternas e imutáveis. Mas, quando deixamos de fazê-lo, enfraquecemos bastante a ideia de um Deus onisciente —algo que boa parte dos religiosos não tolera.
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