quarta-feira, 28 de agosto de 2019

O que pensa a mídia: Editoriais

A razão calcinada: Editorial | Folha de S. Paulo

Em vez de conter, Bolsonaro alimenta espetáculo de desinformação sobre Amazônia

Não é fácil debater os desafios da Amazônia nem sequer quando há interlocutores de boa-fé interessados na compreensão e na elucidação de seus principais problemas.

A interação complexa de variáveis como a oscilação climática, a ação humana e as linhas de continuidade e ruptura da política pública, bem como da sua execução no nível do terreno, dificulta o diagnóstico. A escolha da melhor forma de intervir tampouco é simples.

Raia ao impossível tentar desembaraçar esse novelo em meio à epidemia de desinformação e má-fé que arrebata da direita à esquerda, manifesta-se dentro e fora do país e acomete chefes de Estado e autoridades responsáveis pelo assunto.

Emmanuel Macron, o presidente francês dedicado a alimentar uma altercação pueril com o seu homólogo brasileiro, pôs-se a fazer conjecturas sobre um estatuto internacional para a região amazônica.

Ao recorrer a tal disparate, cujo efeito prático limita-se a atiçar a paranoia nacionalista de grupos influentes no Palácio do Planalto, Macron parece mais interessado em prolongar a baixaria, de olho em dividendos políticos domésticos, do que em colaborar para a mitigação do desmate e das queimadas.

Mas os campeões do engodo, das ideias fora de lugar, das grosserias e das provocações baratas nesse episódio são, sem dúvida, autoridades brasileiras, a começar do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Vá lá que cidadãos, celebridades e políticos locais e estrangeiros demonstrem ignorância ou difundam falsidades acerca do que lhes é distante ou sobre o que não têm responsabilidade. Não é aceitável a governantes do Brasil —obrigados a bem informar e a agir conforme a melhor ciência disponível— tomar parte desse picadeiro.

Como o espetáculo não pode parar, ele prosseguiu nesta terça (27), na reunião de Bolsonaro com governadores da região amazônica. Em vez de enfocar as medidas para combater o desflorestamento e os incêndios, o presidente preferiu ocupar os ouvidos dos chefes estaduais com mais uma teoria conspiratória sem alicerce nos fatos.

Sua decisão de não mais demarcar terras indígenas, segundo o mandatário brasileiro, seria a causa das queimadas. Com isso insinuou, de novo irresponsavelmente, que haja ação orquestrada de ONGs por trás dos incêndios florestais.

Jair Bolsonaro se perde nesses espasmos sincopados de que brotam retalhos de pensamento e ideias coxas. Enfrenta a sua primeira crise de grandes proporções, em que precisa mobilizar recursos humanos e materiais, no Brasil e no exterior, e transmitir uma linha de ação clara a seus comandados.

Mas a mensagem não chega; nem sequer é formulada. A cabeça do presidente gira em falso nos preconceitos de sempre. Calcinados ficam a razão e o bom senso.

Desespero com as contas: Editorial | O Estado de S. Paulo

Sem dinheiro para o essencial e economizando até em serviços de pronto-socorro, o governo federal batalha para fechar o ano sem aumentar o buraco de suas contas. A ideia é catar dinheiro onde for possível para evitar uma paralisia maior da administração. Mas está difícil. O próprio Ministério da Economia corta a luz às 18 horas e quem não concluiu seu trabalho, que o faça à luz de lanternas. O novo lance do ministro da Economia, Paulo Guedes, é conseguir R$ 13 bilhões da Caixa e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em poucas semanas, como antecipação de dividendos. Com isso, calcula-se, o Tesouro poderá soltar alguns trocados para manter a máquina em funcionamento. Sem receita extra, será preciso pedir ao Congresso a alteração da meta fiscal: não haverá como respeitar o limite de R$ 139 bilhões para o déficit primário de 2019. Esse déficit é calculado sem a conta dos juros vencidos.

Zerar o déficit primário no primeiro ano de governo foi uma das promessas do economista Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, durante a campanha eleitoral do candidato Jair Bolsonaro. A promessa ainda foi repetida nos primeiros dias de governo. Dificilmente uma pessoa informada levaria a sério essa ideia, uma evidente bravata. No mercado, economistas do setor financeiro e das principais consultorias nunca deixaram de projetar déficit primário neste ano e mesmo em anos seguintes.

No começo de julho, num balanço aparentemente realista, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, apresentou uma previsão muito mais modesta que qualquer promessa de campanha. Mesmo com “tudo dando certo”, o superávit primário só deverá ocorrer de novo em 2023. Se essa estimativa se confirmar, o atual mandato presidencial será encerrado com as contas primárias ainda em vermelho.

Dar “tudo certo” inclui, obviamente, aprovação da reforma da Previdência em 2019 e algum avanço adicional no programa de ajustes e reformas. Sem se aprofundar nesses detalhes, o secretário do Tesouro adiantou: “Mesmo com a reforma da Previdência e com o ajuste fiscal, não teremos espaço para investimento público ou para reduzir a carga tributária em três ou quatro anos”.

Na primeira semana de julho as perspectivas já eram bem piores do que no começo do ano, quando o presidente e sua equipe ocuparam seus postos. O quadro continua muito feio, apesar de alguns sinais, ainda fracos, de reação dos negócios. Com a economia muito fraca, a receita ficou longe do volume previsto na programação financeira. Algum avanço na arrecadação tem ocorrido, mas decorre principalmente de fatores fora da rotina.

O governo continua apostando em eventos excepcionais, como receitas de licitações e de privatizações para reforçar suas finanças. Se houve algum ajuste, foi muito limitado. A maior parte da contenção de gastos foi emergencial. No primeiro semestre os gastos – incluídos custeio e investimentos – foram 23,6% menores que em igual período de 2018. Até despesas de manutenção de unidades de saúde e de serviços de atendimento do Samu foram podadas. Nos últimos dias o presidente falou de falta de recursos até para combate a incêndios na Amazônia.

Uma economia mais viva teria reduzido o aperto. Mas o governo desprezou, até há pouco, a ideia de estímulos de curto prazo. Esses estímulos são, de fato, insuficientes para um crescimento maior e sustentável. Mas isso de nenhum modo justifica a inércia quando há 13 milhões de desempregados e se projeta crescimento econômico próximo de 1% pelo terceiro ano ou até menor.

O governo parece ter descoberto seu erro. Se tivesse agido bem antes, a travessia de 2019 seria muito menos penosa. Seria mais fácil atingir um déficit primário menor e, como consequência, controlar um pouco mais a expansão da enorme e muito custosa dívida pública.

A aprovação da reforma da Previdência, muito importante, será provavelmente o único avanço no rumo do ajuste, neste ano. O resto é só esforço para fechar as contas sem superar R$ 139 bilhões de déficit primário. O governo deve ter descoberto o irrealismo da promessa inicial de zerar o déficit primário. Mas foi irrealista em todo o resto, com enorme custo para quem depende de emprego para comprar comida.

Recriação da CPMF merece um debate profundo: Editorial | O Globo

Congresso deve discutir não só a conveniência política da medida, mas eventuais compensações

A criação de um imposto sobre transações financeiras está prevista no projeto de reforma tributária que em breve será apresentado ao Congresso, segundo o Ministério da Economia. Essa Contribuição Social sobre Transações seria uma remodelagem da extinta CPMF, com alíquota de 0,2% a 0,22%.

O governo propaga a ideia com base na eficácia do imposto numa circunstância de grave crise fiscal. Tem capacidade de tributação célere, nas palavras do ministro da Economia, Paulo Guedes: “Põe dinheiro no caixa rápido, e se [a alíquota] for baixinha, ele não distorce tanto”.

É necessário um amplo debate, com racionalidade e transparência na análise, à luz da emergência econômica. O Congresso deve discutir profundamente não só a conveniência política de recriação da CPMF, como suas eventuais compensações, a exemplo da redução proporcional na tributação sobre a folha salarial das empresas. E, sobretudo, os efeitos negativos possíveis —alguns já conhecidos, como a incidência em cascata na produção e no consumo, com destaque para o impacto no orçamento das famílias mais pobres.

Esse é um dos aspectos-chave da proposta de mudanças no sistema tributário que, espera-se, deve ser apresentada pelo governo para votação ainda neste ano, na sequência da nova Previdência Social, agora em fase conclusiva no Senado.

Se a reforma tributária já era fundamental por causa da virtual falência do setor público, se torna ainda mais premente com as perspectivas de reflexos negativos da guerra comercial entre Estados Unidos e China sobre economias como abrasileira.

Com 13 milhões de desempregados e a renda interna degradada em longo ciclo de estagnação, o país precisa escolher rapidamente qual o caminho que deseja seguir, o que implica a decisão política sobre meios para alcançar o objetivo. As opções sobre um novo modelo de tributação são determinantes ao rumo do setor privado.

É preciso remover os entraves ao desenvolvimento, a começar pela simplificação do cipoal de normas, variáveis entre União, estados e municípios. A complexidade do atual regime impõe às empresas um custo desproporcional, bem acima da média mundial, apenas para traduzir o “tributês” e aplicá-lo à rotina administrativa.

São conhecidos os casos de grandes companhias estrangeiras que preferiram encerrar suas operações no Brasil, porque a mutação constante das complexas regras tributárias impôs custos acima do razoável à manutenção dos negócios.

Não existe reforma tributária neutra, por isso o tema é sempre controverso.

A ideia de criação de um símile da CPMF tende a amplificara polêmica, sim, ma sé essencial debater com profundidade, racionalidade, urgência e transparência no Congresso. É um imperativo da crise.


Guinadas de Trump sobre a China atormenta investidores: Editorial | Valor Econômico

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pretende pressionar e convencer a China com guinadas súbitas de atitude que conseguem surpreender tanto os rivais quanto seus aliados. Confiando em seus instintos de negociador, Trump tornou-se delirantemente errático. Suas atitudes imprevisíveis ao longo da guerra comercial que trava com Pequim são hoje fator crucial para que os riscos de uma desaceleração mundial cresçam e tendam a se materializar. Pior ainda, em campanha eleitoral, ele fará qualquer coisa que julgar necessário para obter a vitória, pois é impérvio a escrúpulos, como revelaram as investigações sobre a influência russa na campanha que o levou à Casa Branca.

As negociações com a China não avançaram nos últimos meses e Trump, de uma hora para outra, resolveu taxar os US$ 300 bilhões restantes de importações americanas de origem chinesa. Depois, em um estalo, lembrou-se do Natal e adiou a entrada de tarifas sobre a metade desse valor - bens de consumo - para o fim do ano. Na sexta-feira, Pequim anunciou que imporia tarifas de 5% a 10% sobre US$ 75 bilhões de compras dos EUA. Furioso com a reação, mais que natural e esperada, o presidente americano aumentou de 25% a 30% os bens já sob retaliação e ampliou de 10% para 15% a tarifa que vigorará sobre o restante das vendas chinesas em setembro.

Mais que isso, pediu para as empresas americanas que deixassem a China e especulou sobre uso de legislação especial para obrigá-las a isso. "Eu tenho o direito, se quiser", disse. "Posso declarar estado de emergência nacional. Mas não tenho essa intenção, por enquanto". A fúria presidencial atingiu alvos subsidiários, como o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, que participava de reunião dos bancos centrais em Jackson Hole. Trump afirmou que não sabia quem era o pior inimigo do país, se Xi Jinping, o presidente chinês, ou Powell, de quem se queixou inclusive por não consultá-lo - algo que simplesmente não vai acontecer.

Com os mercados em polvorosa na sexta-feira, Trump rumou para mais uma das reuniões do G-7, onde sua participação tem sido semelhante à de um elefante em loja de cristais. Antes da abertura dos mercados ontem, porém, disse que Pequim agora tinha interesse em voltar à mesa de negociações - de onde nunca saiu - e que os chineses queriam fazer um acordo e que isso era "um passo muito positivo". As idas e vindas de um humor intratável, que desdenha ou distorce os fatos, já retiraram boa parte da credibilidade de Trump, enquanto aumentam cada vez mais as incertezas globais. Sobre a suposta reviravolta chinesa, não se sabe sequer o que aconteceu. Fontes oficiais chinesas afirmaram ignorar o contato que motivou o otimismo de Trump, pois não teria havido mudança de posição.

Até agora, China e EUA elevaram tarifas sobre praticamente todo seu comércio bilateral. Isso por si só retirará algum fôlego do crescimento econômico de ambos, e contribuirá para fazer o mesmo com o comércio global. A Alemanha, grande exportadora para os dois países, está perto de uma recessão, enquanto que a expansão nos demais países da zona do euro arrefeceu.

Mais preocupante é a inadequação dos meios utilizados por Trump. A China tem poder suficiente para resistir a uma pressão unilateral americana no comércio. Mas os EUA, com Trump, querem impedí-la de dominar o jogo econômico do futuro, que está na tecnologia - e sobre a qual os chineses avançaram muito, e em algumas áreas já estão na dianteira em relação aos americanos. Não há forma de obter um mínimo sucesso sem uma pressão multilateral, ao lado de países desenvolvidos, por meio de negociação, que defina os pontos em que Pequim foge às regras da competição capitalista e precisa corrigir seu comportamento - e há vários deles. Sob ultimatos, o governo chinês não vai ceder, como já demonstrou. Hoje Pequim considera a perspectiva de que após as eleições de novembro de 2020 já não será mais Donald Trump quem os aborrecerá com seu voluntarismo agressivo.

Entre a restrição às importações e a disputa geopolítica que tende a se alongar por décadas, há as cadeias globais de produção, nas quais a China ocupa um centro vital. Decidir mudá-las é escolha complexa e estratégica. A briga de Trump tem reduzido os investimentos das empresas americanas, enquanto que os chineses também deslocam parte da produção doméstica para outros países asiáticos. É um impasse formidável. Nos termos em que a disputa foi colocada, nenhuma das duas maiores potências econômicas do mundo pode ceder.

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