Legislação que anistiou crimes políticos da ditadura foi promulgada em 1979 pelo último presidente da ditadura militar
Rubens Valente | Folha de S. Paulo
BRASÍLIA ´Promulgada em 1979 pelo último presidente da ditadura militar (1964-1985), o general João Figueiredo, a Lei da Anistia completa 40 anos, hoje, quarta-feira (28).
O texto, fruto de ampla mobilização da sociedade civil e de líderes da oposição, concedeu anistia “a todos quantos [...] cometeram crimes políticos ou conexos com estes” de 1961 a 1979.
Com isso, permitiu o regresso de diversos militantes que estavam exilados no exterior, mas deixou impune os crimes cometidos pelo braço repressor da ditadura.
Abaixo, entenda os fatos que levaram à promulgação da lei e os desdobramentos que ocasionaram a instalação da Comissão Nacional da Verdade, instituída em 2012.
O plano do MDB Em 1972, o MDB, partido de oposição à ditadura, anuncia um programa partidário que prega Constituinte, anistia e eleições livres
Início da abertura O general Ernesto Geisel assume a Presidência em março de 1974 prometendo abertura "lenta, gradual e segura"
Mulheres pela anistia Sob a liderança de Teresinha Zerbini, é criado em São Paulo o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), em março de 1975
Novo comitê Em 14.fev.78 é criado o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) no Rio de Janeiro. Três meses depois, é instalado o CBA em São Paulo, e inúmeros outros foram fundados pelo país
Futebol engajado Em 11.fev.79 o CBA paulista consegue estender uma grande faixa no estádio do Morumbi durante um jogo entre Santos e Corinthians com os dizeres "Anistia Ampla, Geral e Irrestrita"
Promulgação Em 28.ago.79 é promulgada a Lei da Anistia (nº 6.683/79):
Art. 1º: “É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes”.
Parágrafo 1º: “Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza, relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”
Logo após, presos políticos iniciam greve de fome contra a lei
Livre Em 8.out.80 é libertado o último preso político no país, José Sales de Oliveira
Ação contra União Em 21.fev.82 familiares de mortos e desaparecidos na guerrilha do Araguaia ajuízam ação civil pública para obrigar a União entregar os restos mortais dos guerrilheiros
Um civil na Presidência Em 15.jan.85 Tancredo Neves é eleito indiretamente o primeiro civil presidente após mais de 20 anos de ditadura militar. Pouco antes da posse, foi internado, e seu vice, José Sarney, assume interinamente a Presidência. Com a morte de Tancredo, em abril, Sarney toma posse oficialmente
Carta a Sarney Em 15.ago.85, em carta a Sarney, a deputada Bete Mendes denuncia que encontrou trabalhando na Embaixada do Brasil no Uruguai um militar que a torturou, o coronel Brilhante Ustra. Denúncia gera debate sobre revisão da Lei da Anistia, mas Sarney contorna a crise
Restos do Araguaia Em 7.ago.95 duas organizações não governamentais peticionam na Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que o Brasil seja obrigado a localizar e indicar os mortos e desaparecidos da guerrilha do Araguaia
Comissão Em 4.dez.95 governo Fernando Henrique Cardoso cria, por lei federal, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que tem a função de reconhecer pessoas mortas e desaparecidas durante a ditadura militar, tentar localizar corpos de vítimas e emitir parecer sobre indenizações
Dossiê Lamarca Em 7.jul.96 é revelado que a PF encontrou dossiê sobre a morte do guerrilheiro Carlos Lamarca, ocorrida em 1971, que mostra que ele foi morto quando já estava detido. Governo FHC anuncia que vai indenizar a família. Caso gera crise nas Forças Armadas, e o ministro da Justiça, Nelson Jobim, atua para contornar a crise
Foco nas vítimas Em 13.nov.2002 o governo FHC cria a Comissão da Anistia, para indenizar vítimas da ditadura
Araguaia de novo O STJ (Superior Tribunal de Justiça) condena a União, em 26.jun.2007, a tomar providências para entregar os restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia
Torturadores Em 14.mai.2008, o Ministério Público Federal em SP ajuíza a primeira ação civil pública contra a União e dois militares acusados de assassinatos e torturas, o coronel Brilhante Ustra e o coronel Audir Maciel
Anistia em xeque Em 21.out.2008, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ajuíza no Supremo Tribunal Federal uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) em que pede o reconhecimento de que a anistia concedida pela lei aos crimes políticos ou conexos “não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar”. Nelson Jobim, então ministro da Defesa, passa a procurar cada um dos ministros do STF para expor a posição dos militares
Arquivamento O então advogado-geral da União, Dias Toffoli, defende no STF o não conhecimento da ADPF ajuizada pela OAB. Em 2.fev.2009, o pedido é arquivado pelo Supremo
Plano prevê comissão Em 21.dez.2009, durante o governo Lula, é aprovado o Plano Nacional de Direitos Humanos, que prevê a instalação de uma Comissão Nacional da Verdade até abril de 2010. A ideia é que o órgão não seja usado para perseguir militares acusados de crimes na ditadura. A comissão, porém, só seria instalada no governo seguinte, de Dilma Rousseff
Lei mantida Em 29.abr.10, por 7 votos a 2, o Supremo rejeita ação da OAB e mantém a Lei da Anistia
Condenação na OEA Em 24.nov.10, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos condena o Brasil a “realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares”. A decisão afirma que nenhuma lei interna de anistia pode se sobrepor ao direito internacional e que o Brasil deve investigar as graves violações de direitos humanos cometidas pelo Estado no período
Instalação Em 16.mai.12, o governo Dilma instala a Comissão Nacional da Verdade
Revisão Divulgado em 10.dez.14, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade pede a revisão da Lei da Anistia. O documento aponta 377 pessoas como responsáveis por assassinatos e torturas entre 1946 e 1988, além de listar 210 desaparecidos e 191 mortos no período.
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